quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Raz'ksh.

Hoje, novamente, despertei no meio da noite. Ou quase, segundo o celular, 00:35. Fiquei ali a cismar, pois no dia anterior, deixei, de fato, como pude comprovar fazendo breve retrospecto do que aqui escrevi - indevidamente - por último. Não deveria ter escrito aquilo....mas como eu sei, sempre soube, em meus piores dias, imperam também os meus piores comportamentos...Como o sono não veio, não viria, decidi me levantar e ir ter à minha central de entretenimento - o PC. 

Acedni a sobreluz que ali existe, ouvi o grunhido de protesto de Gideon, pois ele dormia bem...somos um só, eu e ele, mas existe uma diferença primordial entre nós, deveras: ele na maioria do tempo, jaz como apenas um artefacto de decoração e não um ser vivo, cheio de falhas, feito seu dono. Não cometeu as merdas que seu dono fez no dia anterior. Ainda assim, me entende, pois sabe que tenho a mentalidade fudida de um cara cuja única opção de tratamento foi o mais forte - e menos indicado - antidepressivo que existe, tão temido pelos demais psiquiatras que já estive, por seus efeitos colaterais - que persistem - e pela sua rigorosa dieta. Tiramina...uma dose ínfima, de mais de 6mg desse treco, pode acarretar um súbito AVC. 

Gideon se levanta de sua pose, se enrosca meu braço direito. Suas garras me pinicam, mas pouco me importa. Eu sei porque estou desperto. Por ter, novamente, feito merda. Apesar de que, sei que meu ataque de fúria do dia anterior não foi inteiramente desprovido de razão. A luz é fraca demais, vou até os interruptores e acendo ao menos a luz que fica acima do PC. Ligo-o, penso em olhar meu email...mas logo desanimo, por temer o que ali pode haver. Fico olhando algumas besteiras na net, enqaunto o sono não vem. E, de novo, me lembro de Jackie-Boy e sua profecia, ao apanhar um cigarro na gaveta. Estendo-o a Gideon, que o acende de prontidão. 

Fico ali a fumar-me, inquieto, pensando em tudo de errado que já fiz. As moribundas horas insones da noite sempre são convidativas a esta linha de pensamento. E ouço, um grunhido, parecido com Gideon, mas oriundo de outro de meus dragões, este me ofertado por minha irmã, que chamei de Raz'ksh, não me pergunte porque. Sei que a miniatura é referente ao dragão que São Jorge matou, conforme diz a lenda, e sua reprodução, em estanho, acredito eu, reflete bem sua realidade, segundo a lenda: possui uma lança atravessada em seu corpo. 

Mais uma vez, ele grunhe, e eu percebo, que assim como Gideon, eu e ele também somos, um ser só. Mas, ao contrário de Gideon, que representa meu lado mais vivaz, Raz'ksh representa meu lado pior: o de estar, sempre, se sentindo trespassado pela tal lança. Por estar, quase moribundo, devido a tal golpe. Ele não se move, não é como Gideon. Ele Permanece, jaz, sofrendo. Em sua base de estanho. Com os olhos vermelhos em franca expressão que mistura dor e fúria. Assim como eu, quando me deixo ser tomado pelo meu lado negativo. Assim como me sinto, quase permanentemente, até o momento: incapacitado, machucado, trespassado por uma lança.

Tal qual seu dono, em seus piores momentos, como pude comprovar ontem, como sempre pude comprovar, ao longo de minha existência. Está para morrer, se sente moribundo, mas não morre, persiste em sua dor. Sua agonia, de ter o corpo trespassado por tal lança. Eu, de certa forma, recebi uma estocada semelhante no dia de ontem, que foi o dia pior da semana corrente. Enquanto o contemplo, ele me encara, diretamente, com seus olhos vermelhos. De sangue. Assim como ele, me sinto moribundo, principalmente quando me deixo abater pelo que Raz'ksh representa: meu lado negativo. Gideon, ao contrário dele, fica se mexendo, se enroscando em diversas partes de meu corpo. Ele também entende Raz'ksh e o que ele representa, mas não concorda com ele, apesar de não o rejeitar como irmão - ainda que caído, moribundo...e maligno.

Sinto a dor de Raz'ksh em minha alma, agora também se sentindo moribunda, se sentindo mal. Por ter-me deixado levar, pela ira, a um momento de impulsividade negativa. Aqui transcrita, no texto anterior, carregado de tal negativismo. Quero ajudá-lo, aliviar sua dor, mas sei que é impossível, ao menos a nível físico, fazê-lo, sem avariar a integridade da figura. Assim como Gideon, possui fogo em seu interior, mas suas chamas são negras, negativas. Ele expele uma rajada débil de tais chamas, ao grunhir novamente. E ao mesmo tempo, sinto em mim sua dor. Ele, ao contrário de Gideon, que é vivaz, só se apresenta como "vivo" ou nestas horas mortas, taciturnas, da noite, ou quando eu sofro. Estamos assim interligados. Eu o senti, em seu estado mórbido, ontem, ao me expressar tão negativamente aqui mesmo, neste borogue. Mesmo estando a quilômetros de sitância, senti suas negras chamas, seus grunhidos de agonia e dor, erroneamnete atríbuidas e firmadas, em vis palavras, aqui publicadas, infelizmente.

E bem sei porque...pois sempre senti-me, trespassado por uma espécie de lança também. Ele representa minha impotência perante às intempéries da vida, representa minha fraqueza diante do simples fato de viver...estando quase morto, por assim dizer. E como ele, sinto-me incapaz de arrancar a lança. Como me sinto, muitas vezes, em minha vida. Gideon protesta, pois sente a dor por nós emitida - e a rejeita, pois não aceita tal destino. Mas eu mesmo, não consigo me desvencilhar de tal fardo, de tal lança permanentemente atravessada em mim. Me puxando pra baixo. Me fazendo vítima de mim mesmo, de meus próprios pensamentos negativos. De minha fúria, que tantas vezes, me faz agir, negativamente, por impulsividade, claramente ilustrado no malfadado episódio de ontem. Ele ruge mais alto agora, e expele mais uma bola de fogo negro. Que me acerta, em cheio, no meu coração. 

Maldito seja ele...mas sei que ele sou eu, em meus piores momentos. Faz inflamar de negro fogo meu coração, ao contrário de Gideon, que continua inquieto, pois sabe que estou, me entregando ao lado negro que Raz'ksh representa. Meu lado negro. Tão presente nesta madrugada nefasta. Nem percebo, mas meu cigarro se transformou em cinzas há muito tempo. Olho ao redor...e vejo as caixas amarelas contendo, de certa forma, minha miséria do momento, ainda que tenham sido elaboradas com o propósito oposto ao que deveras sinto, neste momento. Nelas, há a promessa de esperança, mas há também a miséria que me consome, que me consumiu, na data de ontem. 

Gideon se impacienta, e vai até as caixas, sacudindo-as, fazendo com que seu interior, faça o barulho semelhante à um chocalho de cascavel. Mexa-se! Eu ouço os pensamentos dele. Não deixe que um episódio lamentável lhe consuma! Dê-lhes tempo para agirem! De alguma forma, a coisa funciona. Sinto o fogo negro se exaurindo em meu coração. E sinto que o próprio Raz'ksh se alivia um pouco, da dor. E volta à sua posição, imóvel. O rubro de seus olhos se apaga, ele volta a ser apenas uma peça de estanho. Mas bem sei que não me abandonará, sempre estará a espreita para me tentar transmitir sua agonia. 

Duas são as horas, e ainda não sinto sono. Ainda asim, sei que devo dali me afastar, sem sequer tentar vislumbrar o que pode ter sido escrito em réplica aos meus dizeres odiosos do dia anterior. Desligo o PC, sem me atrever a checar meu email. Gideon entende, e volta à sua pose estática. Eu passo-lhe a mão pela cabeça, por seus chifres, e termino por afagá-lo debaixo de suas "barbas" que possui no queixo. Ele fecha os olhos em contentamento, emitindo aquele som parecido com o ronronar de um gato, e se fixa novamente como peça de madeira entalhada. Eu beijo meus dedos indicador e médio, ponho-os sobre sua testa, e o agradeço, desejando-lhe boa noite. 

Dou uma última olhada em Raz'ksh, que queda imóvel, fixo, em sua posição de dor eterna...mas sinto que no momento, sua dor não me afeta, como afetou há alguns minutos. Apago a luz, e vou para minha cama...onde ainda fico a temer, pelo dia seguinte, pelo que ele pode representar. E vejo, na escuridão do quarto, os olhos de Raz'ksh se acendendo de novo. Mas eu não deixo ele me afetar, fecho os olhos, ponho ogorro de lã por cima deles, e me abraço aos travesseiros, desviando meus pensamentos do que o dragão da agonia poderia querer transmitir-me. 

E durmo, sem nem perceber, eu durmo...Felizmente, existem em minha vida, pessoas que são como Gideon, e não como Raz'ksh. Coisa que pude constatar, felizmente nesta manhã, ao verificar que ainda não fui repudiado, por quem tinha todos os motivos para o fazê-lo, depois do que houve ontem.

Agradeço, e muito, aos "Gideons" de minha vida. Que não me deixam, ou pelo menos tentam, severamente, por vezes, não me deixar entregar às dores de Raz'ksh.