quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Lotaria. Loroteria.

Antes mesmo da hora de despertar, segundo o meu "relógio-despertador" também chamado de "celular", apenas por convenção, pois não recebo nem telefono para ninguém, no final das contas, eu acordo. E tento olhar as horas no tal "relógio". Que, misteriosamente desligou-se no meio da noite. PLC, como era o nome do violão que um "falecido" amigo meu, da remota época de 1996, possuía. PLC. "Porcalia Chinesa" de 70 reais. Ligo-o e verifico a hora: 1:23 da manhã. 

Mais uma vez, penso na descoberta que fiz na noite anterior, e, mais uma vez, tento me "degradar" para tentar obter um pouco de satisfação, ainda que artificialmente induzida em meu corpo. Mas, não me espanto muito em verificar, que as coisas continuam na mesma: inertes, impotentes. 

Acendo a luz, desnorteado. Não existe muito sono em mim, pois meu espírito está deveras quebrantado com tal "sorte". O bilhete de loteria de UM por cento dos usuários do "milagre", que doravante alcunho como "maldição". 

Bem, não posso dizer que jamais fui, de fato sorteado na vida. Agora sim, eu posso afirmar que fui premiado por um sorteio que jamais cheguei, de fato, a comprar o bilhete. Mas que o encontrei, no chão da Torre. Grande prêmio: impotência. Ganhei. Uau.

Gideon desperta, meio sonolento. Mas como o bom dragão que é, ao menos para seu dono, vem se enroscar em meu bgraço direito, ronronando feito um gato, apesar de tal som ser deveras diferente dos felinos. Mas que sei que é de satisfação. Emite fumaça pelas ventas e me olha com curiosidade, pois sabe que não costumo acordar, não a esta hora mórbida da madrugada. 

Que posso fazer? Que posso fazer, agora, que minha última e legalizada forma de me extravazar, foi-me negada? Ora bolas, adientemos o relógio da morte. Apanho um toco de cigarro maior que está no cinzeiro, e aceno para meu "isqueiro vivo", que prontamente entende e emite, certeiramente, uma rajada de fogo que acende o prego de caixão. 

Fumo e fumo, tentando achar, como se diz, algo de positivo para pensar. Olho para a pedaleira, o amplificador e o fuzz que estão interligados. Bem poderia eu, despertar, em minha latente ira, os vizinhos, em sua grande maioria, um bando de fidaputas esnobes. Mas não...não me sinto inspirado a tocar. Não me sinto inspirado a fazer nada. Fumo e fumo, emitindo baforadas, feito meu Gideon. Porém, dentro de mim não há quase mais "fogo" de nenhuma espécie. 

Olho para a penumbra do quarto, da Torre. Ao fundo, do lado de minha cama, está o Portal, que leva à John Malkovich. Cogito a possibilidade de ali adentrar, e me tornar momentaneamente, tal ator. Ao menos ele, acho eu, possui o que não mais possuo - a fucking functional dick. Mas arrenego tal possibilidade também. Não tenho vontade de fazer nada. Tudo é desânimo, em minh'alma. 

Jackie-Boy, desta vez não apareceu para me zombar. Pudera, foi feito churrasco por meu dragão. Olho pela janela, vejo através da luz do poste, milhares de estúpidos insetos rodeando tal luz, feito planetas em torno de um sol artificial. 

O que possuo, nesta hora da noite, é o bilhete de loteria, que não pedi, não queria, mas ainda assim fui contemplado. Sortudo, de fato. Agora, por doze dias - até a consulta com o afamdo Doutor, que me receitou um milagre que se tornou maldição, eu terei que aguentar as pontas, sem nem ao menos poder me "aliviar".

Termino o cigarro, aceno para que Gideon volte ao seu lugar. Ele, sonolento, não protesta muito. Põe-se na forma estática que os demais mortais o vêem. Eu desligo a luz, tendo como orientação apenas a luz emitida do banheiro, ainda acesa. Vou para lá, me alivio da única forma possível de me aliviar por tal - doravante inútil - membro, pela emissão de urina. Sei que não voltarei a dormir. Não sem "muletas" - ora bolas, tudo está fudido mesmo, como se diz, o que é um peidinho pra quem está todo cagado? Engulo metade de um rivotril. E volto para a cama. Esfriou bastante, desde as oito, hora em que decidi, forçadamente, a desistir do dia, ainda mais impelido pela cirscunstâncias presentes, o tal bilhete premiado que ganhei sem pedir. Me visto com algumas camadas de roupas adicionais e volto ao conforto da cama.

Olho pro teto. Não há luz, não há anjos, não há deus -que me salve de tais pensamentos nefastos que circulam incessantemente por minha mente. Grande merda, esta maldição que tomo diariamente. E me lembro, que em minhas pesquisas desesperadas para ver se, deveras, poderia ser "efeito colateral" da maldição, eu também incluí em minhas pesquisas o outro medicamento que faz parte do "coquetel" receitado pelo Dr Milagres, que para mim, a cada dia que passa, tem sua miraculosidade questionada. O outro medicamento - Pamelor - segundo minhas pesquisas, também pode causar o MESMO efeito. Ou seja, um pode estar amplificando o outro. Coisa assim. Ou pior, sei lá, pois, pelo que sei, o tal clonazepan, vulgo Rivotril, também pode causar tal efeito. 

Do laboratório que me tornei, TRÊS das quatro drogas podem causar o efeito "limp dick". Ou seja, creio que minhas chances de ganhar nesta infelliz loteria, foram, em muito, amplificadas. Suspiro, resignado. As cobertas, mais os "layers" adicionais que acrescentei, me isolam do frio exterior, mas nada me isola do frio que sinto em meu coração, em minha alma, quase morta. Olho de novo pro teto, através do vórtex do cortinado. Não há deus, não há anjos, não existem espíritos de luz. Se houverem, existem os "espritos do mal", me circundando. E sei que nem mesmo Gideon daria conta deles - uma vez que não estão neste plano de existência. 

Não sei a que ponto voltei a dormir, sei que às cinco e cinco, o "relógio-despertador" soa, me devolvendo ao inferno que se tornou existir, ainda mias agora, agravado por ter sido sorteado na loteria da impotência. Faz muito bem, para minha já quase ausente auto-estima, ser contemplado com tal "prêmio". Me levanto, vou pra "Mendigo's Fitness," faço uns abdominais, forçadamente, para me acordar deveras. Tudo dói. 

Como ainda é cedo, faço última tentativa de me estimular para fins pornográficos, por assim dizer. No such luck. It's dead and gone. Gone. Supiro, resignado, e me lembro do post que aqui fiz no dia anterior, com a última imagem, com os dizeres, "Same Shit, Different Day." E constato, que está errado o que ali está escrito. "Worse Shit, Different Day," poderia ser dito. 

Como sempre digo, sei que minha vida, minha inexistência é regida pela Lei de Murphy - e mais uma vez, seu corolário se faz verdade - "Nada é tão ruim que não possa piorar."

Passo maquinalmente o café, desço em silêncio em busca de algum pão, volto, apanho a caneca de café - e vou até a mesa onde consumo minha matinal ração. Gideon, desperta e vem, novamente se enroscar em mim, inicialmente nas pernas, indo parar em meu pescoço, tal qual um cachecol. E me faz bem, pois ele é quentinho, ao contrário dos répteis existentes mundo afora. Se bem que ele não é um réptil, é um dragão, coisa bem diferente. E fica aguardando a ordem de sempre. Enquanto apanho o cigarro, ouço os ecos do além, de Jackie-Boy, "Nobody ever really quits...a smoker's a smoker when the chips are down..."

Oh yeah. Chips are down indeed. All the chips I've laid on the betting table, of the so-called miracle - which turned to be a fucking curse.

Termino de fumar e tomar o café, mastigar o pão com margarina. Aceno para que Gideon volte à sua pose original, ele tenta protestar, mas basta olhar em meus olhos para saber que hoje, não estou para brincadeiras. Ele sabe, eu sei. Ele sou eu, eu sou ele, sabemos. E sinto, em minha mente, quanto sente por mim, seu dono. Mas sabe também que nada pode fazer para amenizar tal sofrimento. E lá se põe, novamente, estátua de madeira entalhada. 

Saio de casa, ainda mais morto que ontem. E vou pro necrotério.