sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Idéia, nenhuma.

Idéia, nenhuma.

Estive uns quinze minutos digitando um certo poema aqui. Quando estou meio sem saber o que escrever, por vezes coisas versadas salvam, mas hoje, nem isso se salvou. A coisa estava ficando completamente ridícula. Selecionar tudo e apagar. Já era. Nem mesmo me lembro do conteúdo dos infames versos que foram atirados ao lixo virtual.

Acontece comigo mais que eu gostaria, infelizmente. Atirar coisas ao lixo.

Como eu disse em prévia narrativa sobre a famigerada faxina que realizei nas férias, por vezes é difícil fazer tal tarefa, especialmente quando se trata de algo que envolve todo um processo criativo, e não simplesmente algo em escrevi um recado, um papel onde fiz uma conta, coisas assim. Mas me espanto com a facilidade que é deletar uma coisa que não estou gostando de escrever. Tenho escrito algumas bobagens à parte quando posso, e me surpreendo com a facilidade infinitamente maior que tenho em lidar com o processo de descarte de coisas que estou escrevendo num editor de texto do que em se tratando de uma coisa que desenhei num papel.

E nem posso falar que é devido ao fato do papel ser uma coisa digamos, concreta, pegável, um objeto físico, etc. Quando faço alguns rabiscos me valendo de meios digitais, eu descarto a coisa facilmente. É só apertar uma tecla. Vai tudo embora.

Claro, existe a salvaguarda do processo digital, uma vez que uma ação em um computador geralmente pode ser desfeita apertando uma combinação de dois botões do teclado. Creio que tudo isto gera uma certa sensação de segurança sobre a obra em si. É o famoso Ctrl+Z, atalho este que deveria existir na vida. "Fiz merda! Ctrl+Z!"

Pena que nem sempre a realidade imita a ficção.

Mas é estranho de fato, esta sensação de "segurança" maior que tenho com meios digitais. Como não escrevo à mão desde os remotos tempos dos ditados no colégio, não saberia dizer se este receio de descartar as coisas se manifestaria na minha parte de criatividade escrita. Sei que ela existe com uma força descomunal na parte desenhada, esta quase desconhecida, esta tanto ocultada, tanto censurada por seu próprio autor.

Até hoje me pergunto o que leva uma pessoa a ser deste jeito, com esta obsessão. Perfeccionismo? Ou mera empáfia? Coluna do meio, eu diria.

Bem sei que estas análises auto-inflingidas podem levar as pessoas ao tédio absoluto e ao "xis" vermelho que geralmente fica no canto esquerdo superior da tela em que se leêm semelhantes escritos, mas sinceramente isto me intriga, por anos e anos. E tenho aqui a vã esperança que alguém possa ler isto e se identificar, ou no mínimo se pôr a pensar sobre a diversidade humana, este grande mistério que nos envolve. Tantas e tantas pessoas, mesmo pasteurizadas pela vida moderna e sua massificação de quase tudo, todas são diferentes umas das outras. Nenhuma pensa da mesma maneira, ninguém age da mesma forma.

É algo que me põe para pensar, mesmo em momentos mais inoportunos, como esta manhã de sexta feira em que deveria estar aqui escrevendo algo com mais valor, com mais essência. Mas como disse anteriormente, esta é somente minha opinião, e mesmo que não seja tão lisonjeira para comigo e minhas pequenas criações diárias, quem sabe? Alguém pode estar gostando.

Ou não.

Ah, o poder destas duas palavras me põe doido. Quer acabar com a seriedade de qualquer argumentação? Fale estas duas palavras assim que seu interlocutor encerrar seu pronunciamento. É uma certeza de debate instantâneo, caso os presentes estejam com dispor de discutir tais coisas ou simplesmente a fim de encher o saco. Acontece muito, ehehehe.

E como esta coisa aqui hoje está bem descabida e meio caótica, acho melhor encerrar a semana blogal aqui mesmo.

Deixo, entretanto, os protestos de elevada estima e consideração a todos que por aqui se aventurem, no meio das letras e dos devaneios deste Buriol. Bão final de sumana a todos e até mais um episódio das Segundas Nauseabundas, em cartaz na próxima segunda!

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Tempo de despertar!


Certas manhãs têm mais densidade que outras, aparentemente. Esta me parece ser uma mais pesada que as demais desta semana, e nem sei bem precisar por que tenho tal sensação, para ser honesto. Talvez seja apenas o fato que ainda não me acostumei ao novo horário, e continuo acordando uma hora antes do chamado eletrônico da parafernália ao lado de minha cama. Desde nem sei bem quando, venho usando uma daquelas bobagens que costumam ofertar como brinde por aí para realizar a tarefa de me despertar. Trata-se de uma régua acoplada a uma calculadora cheia de funções bizarras, coisas que nunca mesmo entendi para que servem, como horários do mundo inteiro. Para quê eu iria querer saber isso? Existe alguém que realmente se importa com isso? Profissionais do mercado de valores, será? Ou apenas pessoas obcecadas com a hora de Cingapura estando em São Paulo, ou algo assim? Engraçado que aquilo serve como tudo, menos como régua. Enfim, régua de adoradores de tecnologia, eu suponho.

Para mim serve de despertador improvisado.

Enfim, hoje lá fiquei a hora tradicional antes do horário oficial de me levantar, imaginando, pensando e tentando voltar a dormir. Não me importo tanto pois não tenho me sentido tão cansado, apesar de que a greve dos transportadores públicos ainda existir e ainda estar exigindo de mim caminhadas ainda maiores para cá vir. É a vida. Estaria pior se ainda estivéssemos no antigo horário de Bestão com sua economia de 0,00000000000000000000zero por cento. Então ali fico até a sirene tocar, e assim que ela o faz, me levanto.

Não costumo ter grandes problemas para me pôr de pé, mas bem sei que existem dias que são muito, mas muito mais densos que outros, quando a canseira impera e o sono é insuficiente. Ontem mesmo estive com alguns amigos à hora do almoço, e estávamos comentando sobre esta tarefa inglória de se pôr de pé a tal hora matutina, semi-madrugada para nós humanos. Hoje em dia, muitos de nós utilizam os aparelhos de telefonia ortomoleculares para servir também de despertador, e isto costuma custar caro para alguns, conforme já percebi por aí.

Existe a ameaça do botão "soneca", ou "snooze" como diriam seus primos internacionais e intermunicipais. Com um toque neste botão, você desativa o alarme e ganha mais dez minutos ou menos, dependendo do modelo, de sono ilusório. Eu nunca me utilizei de tais recursos pois bem sei que nas manhãs de maior densidade, eu usaria e abusaria deste recurso, até que já estivesse duas horas atrasado para vir ter a meus grilhões capitalistas. Cem mil chibatadas. Curiosamente, tal função até existe na tal régua tecnófila, mas como a coisa tem um bilhão de botões devido a suas inúmeras e inúteis funções, eu nunca sei onde fica tal botão muito menos tento achá-lo na penumbra matinal de meu quarto, que só possui um interruptor láááááá do outro lado.

Mas já ouvi hilárias histórias do pessoal que se vale do celular, e que faz uso do famigerado botão. Gente que nem percebe que está acordando para silenciar temporariamente o despertador, que groguemente levanta a cabeça, apanha o barulhento negócio, aperta o tal botão e imediatamente volta a dormir. E repete a operação umas sete ou quarenta e três vezes, até que perceba que está três horas atrasado. Duzentas mil chibatadas. Eu nunca conseguiria fazer isso, mesmo por que quando acordo geralmente demoro uns dez ou trinta minutos para voltar aos braços de Orfeu, o que passa do tempo da malfadada porém tão utilizada função.

Amigos me contaram que põem o horário para soar quarenta minutos ou mais antes da hora prevista, apenas para ficar nesse jogo de acorda-dorme-acorda-dorme. Outros, põem o celular longe da cama, pois aí têm que levantar para silenciar a coisa, e acabam acordando no caminho; entretanto já ouvi casos de gente que ainda assim consegue voltar para a cama e continuar a dormir. Um outro amigo meu me disse que atualmente ele deixa seu despertador no alto do armário de seu quarto, e para silenciá-lo, ele precisa ir até a sala apanhar uma cadeira para conseguir alcançar a soante coisa no topo de seu guarda-roupas. Aí é meio impossível de não acordar, embora desconfie que se bobear devem existir pessoas que fazem coisas semelhantes e ainda assim conseguem se atrasar pois conseguem voltar a dormir.

Trezentas mil chibatadas.

Ouvi falar uma vez de um despertador que "foge" do dono na hora de despertá-lo, algo com rodinhas e quejandos eu suponho. Algo que deve fazer a alegria de quem mais por perto estiver do despertante zumbi matinal. Imagine a algazarra: basta colocar uma música de death metal para soar nesta hora. É bom que acorda toda a casa de uma vez, e vai ficar aquele bom-humor reinante pelo resto do dia. Imagine um imbecil resolver usar um aparato destes em um dormitório coletivo. Muita, mas muita porrada. Na cabeça do dono do despertador. Suponho que seja de uma certa forma, o triunfo da função, eis que todos acordaram! Está cumprido o objetivo final.

Eu, continuarei usando a minha humilde régua de tecnofilia acentuada. Bem sei que quase nunca costumo falhar nestas horas, e não tenho nem meios de cair na tentação do famoso botão. E quando acontece de por acaso apertá-lo - são tantos botões que às vezes eu dou a "sorte" de apertar justamente o snooze - o resultado é incômodo, pois geralmente quando a segunda despertada soa, já estou longe da tal régua, geralmente fazendo um artesanato em barro no orelhão de louça, e isto gera muito dissabor.

Ahahahahaha, sou tosco pra carai mesmo. Mas é bão.

Enfim, já que cá estamos e acordados estamos, vamos ao que interessa, ou não interessa, como é o caso daqueles que mais se interessariam em continuar o jogo da soneca em seus quartos pelo resto do dia. Não dá, infelizmente. Não para nós meros mortais assalariados.

Adiante.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Vista-se!?

Mas que confusão este evento local de paralisação das Mercedes azuis e quejandos. Sim, estou falando da famigerada greve no nosso transporte púbico. Felizmente, tenho conseguido me virar desde a segunda feira; de uma forma ou de outra ainda consigo chegar onde quero. Tá certo, onde quero porra nenhuma né. Onde PRECISO estar. Gastei uma grana a mais na segunda, mas nem me importo tanto.

O que estou tendo que fazer muito mais que o normal estes dias também é usar de maneira mais intensa meus pés. Não que eu não esteja tão acostumado assim, pois ando no centro muito mais que a maioria das pessoas. Não é à toa que meu carao de créditos busonescos geralmente tem um acúmulo de créditos que me levariam de ônibus até meados das estepes e pradarias da Chechênia, se é que tal vegetação sequer existe neste local.

Eu não me importo muito de andar, especialmente antes de cá chegar, pois lá fora ainda tenho a liberdade de perambular trajando apenas roupas mais adequadas à estas temperaturas relativamente elevadas provenientes da estação corrente. O que significa bermudas e camiseta sem mangas. E ainda assim cheguei aqui besuntado de suor. O calor tá bravo, mesmo com essas nuvens todas no céu hoje cedo...

E ontem, quando voltava pra casa me peguei pensando a respeito de certas coisas relacionadas à certos hábitos estranhos que os humanos galináceos têm e que são geralmente atribuídos à uma dita maturidade, por assim dizer. Ou como dizem. Supostamente, se torturar com roupas completamente inadequadas ao nosso clima é ser maduro, é ter status social, ter cargo importante.

Ou simplesmente ser um imbecil completo.

Pensava eu que até hoje não tenho o costume de andar com "camisas de botão" enfiadas para dentro das calças, e me perguntava se isto era - mais um - sintoma de revolta adolescente sistêmica. Supostamente, você é um adulto caso se sujeite a usar tais trajes. E a coisa piora, pois me parece que quanto maior for o cargo, os encargos, o sálario e tudo mais, mais rídicula deve ser a roupa do cidadão detentor de todo este poder.

Não adianta, acho que nunca mas NUNCA entenderei qual é a vantagem de enfiar a camisa para dentro das calças. Jamais entenderei qual é o príncipio por trás de um terno, aquela redoma de cara costura, completamente inadequada paraum país onde no verão as temperaturas batem recordes. Infelizmente, bem sei que isto é sintomático mesmo de uma pessoa que vai ser um eterno questionador dos hábitos sociais da muderna zoociedade moderna, que nunca cessa de me espantar, e de quebra me fornecer material para todos estes textículos.

E esta questão das roupas sempre me fascinaram, pois considero uma extrema burrice ter que se vestir de forma completamente desrespeitosa para seu próprio corpo apenas para cumprir uma exigência social. Murro em ponta de faca falar disso? Pode ser, mas eu falo. Fiquei imaginando como seria chegar aqui andando o mesmo tanto que nadei hoje, mas trajando um terno completo. De duas uma, ou eu teria morrido no caminho ou teria me revoltado, arrancado o terno a gravavata o paletó e a camisa de longas mangas com botões e jogado num lixo. Teria chegado aqui só de cuecas. E teria cegado uma pá de gente no caminho, pois um bicho de goiaba feito eu reflete a luz matinal do sol que é uma beleza!

Mas de fato, eu queria saber quem foi o energúmeno que começou essa palhaçada de ter que se vestir de tal forma. Porra. Devia ser um direito poder usar bermudas ao menos, não é? Tá certo que iria ficar no mínimo engraçado ver aquele pessoal todo de bermudão por aí, mas acho que a galera iria passar muito menos aperto nesse calor. As gravatas eu nem comento. Nem em países frios eu vejo sentido naquela merda. E usar camisa pra dentro das calças me parece ser algo que só existe para dar emprego para passadeiras.

E é engraçado como um simples terno te faz imediatamente mais respeitável. Todas as vezes que me sujeitei a usar o meu terno que fica 363 dias por ano guardado, recebi elogios de como estava mais imponente, mais bem-afigurado, mais...sejá lá o que for. O que eu estava mesmo é com calor dos infernos.

Felizmente tenho um emprego que não me obriga a usar roupas demasiadamente agressivas. Tento aproveitar enquanto posso, pois bem sei que se aparecer algo que me pague mais mas que tenha por pré-requisito o uso de hediondas vestes, eu engoliria tudo em seco e me sujeitaria a usar a porra do terno. Não sou tão exaltado quando o que se está em jogo é meu poder aquisitivo, outra vil necessidade da zoociedade muderna.

E por falar em obrigações trabalhistas, esta cá não é exactamente uma delas, e já me olham de maneira estranha aqui, um dos seres que usam voluntariamente a camisa para dentro das calças sem que o emprego assim exija.

Quem está mais errado nesta história? Díficil dizer, creio eu.

Enfim, que voltemos ao trabalho e que as roupas nos sejam leves, pois o calor é grande.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Seis mais sete.

Que infortúnio não existir formatação de parágrafos aqui. Tentei improvisar, mas não funcionou muito. Enfim, adiante.

E então, a Raiva virou para o Remorso e disse, "Não sei porque cargas d'água você se comporta desta maneira! Mas que inferno!" E ele, suspirando disse, "A pergunta sempre foi esta, meu caro. E lamento muito isto. A pergunta sempre foi - porque, por que, por quê--" - "Porquera! Pra merda com isto tudo! Você só sabe fazer merda e ficar aí chorando!"

Remorso olhou para o chão, seu eterno companheiro de todas as horas semelhantes a esta e disse, "Eu sou assim, e você sabe disso. Quem me manda fazer as coisas não sou eu, e lamento muito isto. Mas é assim. " A Raiva ficou encolerizada e foi-se embora dali de perto. Mesmo assim, sabia que não poderia andar muito longe de seu companheiro, uma vez que eles sempre andavam juntos. E o Remorso normalmente só entrava em ação depois que a Raiva atuava.

Neste ponto, a Memória resolveu atuar, enviando todos para outro tempo, ainda que este nunca tenha existido de fato a não ser naquele domo fechado por estruturas ósseas de um cara qualquer para todos os outros, mas não para aquele espaço em especial. Ali, as coisas funcionavam daquela maneira.

No rearranjo temporal subliminar que se sucedeu, a Memória pôs-se a realizar uma espécie de triagem mental daquela mentalidade existente naquele momento, dentro do domo. Ela queria por que queria encontrar a Alegria, esta há tanto desaparecida. Por vezes, a Memória julgava que esta sumida de fato nem existia de fato, tão raras eram as vezes que se encontravam por ali.
Muito tempo temporal interno se passou, e a Memória acabou se perdendo no meio da estapafúrdia que se sucedeu ao revirar tantas pedras, mexer tantos móveis, sacudir tanto a poeira daquele sótão mental que ali existia. Foram tantas as Lembranças que surgiram desta confusão. Muitas delas já se julgavam há muito esquecidas. Algumas estavam ou pareciam estar simplesmente escondidas, perdidas no labirinto de emoções e outras lembranças.

Ao se circular por este baú de memórias, é recomendado atenção, e o Pensamento era famoso por não haver nunca se preocupado muito com este tipo de atenção, ao menos não naquelas circunstâncias, não enquanto o Dono daquilo tudo estava provavelmente sentado em algum lugar esquecido pelos Outros. Provavelmente estaria com as mãos sustentando a cabeça , naquela posição típica de quem se desespera ou aparenta estar desesperado.

Ou simplesmente quer aparentar estar desesperado.

Ah, o Remorso, este voltou a falar; embriagado por tantas e tantas Lembranças, ele subiu ao pódio central e fez-se ouvir, ainda que grande parte das estruturas narrativas ali presentes no momento tenham escolhidas ficar surdas naquele exato instante.

Mas ele falou e falou, e ao seu lado, veio vindo de mansinho a Raiva. Ela quase nunca conseguia ficar surda aos lamentos de seu eterno companheiro, e ainda que esta Raiva fosse residente de um corpo quase desprovido de Iniciativa, ela bem sabia fazer as coisa ali dentro dançarem conforme sua música.

Música. Aqueles dois atuavam como uma dupla musical, não sertaneja, evidentemente, na maior parte do tempo. Um, fazia as baladas de lamentação, as choradeiras de costume, enquanto ao seu lado, calada, a Raiva ia tomando forma e crescendo. Ironicamente, naquela Realidade daquele Domo, quem abria aquele tipo de "show" era o Remorso, que às vezes se travestia de Recordação, para depois se tornar apenas uma Ladainha.

Normalmente, naquela hora, a Raiva já estava espumante e tomava de assalto o palco: ela chegava derrubando para fora o Remorso, que muito se lamentava ao colidir com o chão, e lá ficava chorando. A Raiva, quando tomava conta do espetáculo, era algo para ser visto. Normalmente seu clamor de cem bilhões de raivosos clarins desafinados e desencontrados, ensurdeciam todas as outras Emoções ali presentes, fazendo com que todas elas não pudessem ignorar seu apelo raivoso.

Em algumas vezes, ela se tornava Fúria, e então o caos se espalhava ainda mais rapidamente. Com sua guitarra de oito cordas e seu pedal fuzz ligado no máximo, estraçalhava toda a Lógica, acabava com a Razão e aumentava o volume do desafinado Amplificador que se situava abaixo do pódio central do Domo. Não eram raras as vezes que o Domo ficava desprovido de sons assim que a Fúria terminava seu espetáculo de horrores.

Felizmente, naquela manhã, a Raiva não se tornou algo piro, e apenas fez uma breve apresentação, ainda assim ensurdecendo a Razão e obrigando o Pensamento a se comportar de maneira errada, fazendo conexões erradas por toda a extensão do Domo.

Momentos mais tarde, entretanto, o Pensamento se fez mais alto e anunciou o resultado trágico de todo aquele acontecimento matinal: durante todo o dia, até que fosse acionado o Protocolo de Desculpas ou caso fossem eles brindados com a Indiferença alheia, eles seriam perturbados pela Preocupação, esta auxiliada pelo remorso e ainda assistida, eventualmente, pela Raiva.

O restante das Emoções quase não se espantaram. Era de se esperar, quando a Raiva e o Remorso faziam seu show, normalmente o resultado eram algumas horas, no mínimo, de encheção de saco. Taquicardias, trânsito de merda nos setores baixos, ficava tudo bagunçado.

Mesmo assim, sabiam que não havia saída para eles, uma vez que para eles, estar no Domo era como estar atado para sempre naquela Realidade, irremediavelmente. E bem sabiam todas elas que, aquilo não se escolhia, assim como pessoas não escolhem as famílias em que se nasce. E sabiam que, enquanto o Dono do Domo não fizesse de outra forma, tudo ficaria na mesma.

Mas elas bem sabiam que isto era apenas um sonho, uma vã esperança num Domo como aquele, que era constantemente regido de forma tão dissonante como aquela manifestada na manhã daquele dia.

O que poderiam elas fazer? Apenas esperar, e fazer suas funções, dançar conforme a música.

Até quando? Nem mesmo o errante Pensamento saberia precisar.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

O dia em que a cidade parou.

E eis que hoje começa diferente, bem diferente do geral, bem diferente dos demais. Meu corpo acorda antes do despertador, como é de praxe; entretanto, acordo também uma hora antes do despertador, pois aconteceu de termos sidos restituídos de uma hora previamente roubada em alguma altura do campeonato, em meados do ano passado. Não reclamo, pois somente o fato de ter saído da cama com claridade já alivia, de certa forma, o corpo cansado de madrugar em plena madrugada, isto é, em horas escuras da manhã.

Ergamo-nos, façamos nossas abluções e extensões, e alongamentos e quejandos, e prossigamos. Há algo no ar ainda, bem sinto eu isto, mas não sei bem precisar o que é. Está morto o horário, que fique assim, por longos e longos meses, que quiçá seria convertido em anos, numa eternidade que seria mais válida que toda esta inútil economia inexistente.

Mais adiante, encontro acordada quem eu há muito não me deparava nas manhãs obscurecidas pelo horário de imbecilão, e isto em muito me adianta a manhã, uma vez que posso sentar-me e tomar meu café caseiro, muito mais forte, muito mas salutar que um pré-fabricado cafezinho de escrotório. Faço minha hora, sorvo minha negra infusão, e parto para a rua, ainda sentindo os efeitos de alguma estranheza no ar.

À praça vou, e na praça constato o que há de errado, constatado desde meados da semana passada: não existe transporte público nesta segunda feira! Os revoltados agentes de tal transporte resolveram cumprir as ameaças veladas de interrupção deste serviço.

E eu, lá estava. Na praça. Sem nenhuma forma de escape. O que fazer? Voltar para casa? Espernear, berrar, gritar, fazer um escarcéu para os pombos e o céu aberto? Para quê?

Ali fiquei esperando algum tempo, um par de músicas ou algo assim. Um vigia veio a informar-me que minhas suspeitas eram verdadeiras, e planejei minha descida em busca de transporte alternativo; mas eis que assim que comecei a descer em busca deles, atrás de mim eles surgiram, e consegui seguir rumo ao nada. Do centro em diante, tudo é mais fácil para estas pernas que ainda conseguem carregar esta cabeça que tanto pensa, que tanto reclama.

E que surpreendentemente não estava esperneando freneticamente dentro da cachola. Há coisas que não se entende nem se deve tentar entender, nestas horas abençoadas ou simplesmente esquisitas. Adiante, compro meu pão e preparo-me para ter ao serviço, com o suor de meu rosto. De minhas pernas. Do meu sovaco. De tudo quanto é lado. Ainda é fevereiro, ainda está quente para conseguir fazer a proeza de cá chegar sem suar. Nem tanto aquecimento - ou resfriamento - global ainda existe nestas paragens, nesta época do ano.

Cá estou, cumpridos foram todos os prazos, cumprido foi o dever de cá vir a ter nesta segunda nauseabunda. Agora, como irei voltar? Esta é a questão para o restante do dia. Melhor preparar a carteira e o táxi, ou agendar uma caminhada noturna, caso não seja possível em casa chegar por meios normais.

Enquanto isto, esperemos para ver o quanto por baixo vão querer negociar o tão pra cima tiver sido jogadas as exigências de tais trabalhadores.

E assim começa a semana. Até onde irá?

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Lentilhas.

E eu, que ia caminhando, ia também observando as coisas ao meu redor, com aquele meu ar desinteressado que suponho que causa efeito de arrogância ou chatice aos outros ao meu redor. Curiosamente, a Dúvida me dizia que talvez fosse a verdade, mas que talvez não. Diante desta certeza irresoluta que nada é muito resoluto de fato, prosseguíamos caminhando, eu e aqueles que só eu via.

Mais adiante, eu olhava para os inúmeros restos espalhados pela cidade, carinhosamente alcunhados de lixo pela maior parte dos transeuntes que ali habitavam, enquanto outros se apressavam em catar a matéria alumínica recém jogada em um latão de dejetos por um ser engravatado que por ali andava. Mais adiante, outro anônimo ser desvencilhou-se da icomensurável carga do papel de sua bala, o qual ele não pôde carregar até o famigerado lixo. Minha Raiva tratou de corrigir a situação, ativando imediatamente a Imaginação. E me vi empurrando o gordo engravatado de encontro ao tráfego intenso da avenida, cujos carros trataram de estraçalhar o corpo do nauseabundo preguiçoso.

Enquanto me deliciava saboreando a inexistente visão, o sinal abriu e tive que me pôr em marcha, enquanto a Culpa ou a Auto-Realização me afirmavam que era muito fácil julgar os outros, falar que tal e tal eram preguiçosos, enquanto eu mesmo, quando em casa, relutava até por vezes de falar algo com preguiça da provável sequência de discussões que iriam acontecer em seguida. E eu escutava, calado. Que poderia eu dizer? A Sanidade ainda existia, forte dentro de mim, ou ainda que não fosse mais tão forte, estava firmemente atrelada ao Senso Comum, que por sua vez me prendia à Realidade, sendo que esta nem sempre ali residia, pois que existe não somente para mim, mas para outrem ao meu redor.

Enquanto viajava eu nestas noções todas, algumas coisas aconteceram ao meu redor, mas não saberia dizer o que havia sido, pois para mim elas nem chegaram a existir, mas suponho que o olhar de tédio perplexo da moça no ponto de ônibus tenha sido significante, no ponto de vista dela. Reparei também outras notas no olhar de tal fêmea; imediatamente, o Pudor e a Vergonha mandaram-me desviar o olhar, para que não mais me envolvesse. Fixei o olhar num ponto de sujeira qualquer da calçada, e ali fiquei conjecturando sobre a quantidade de micro-organismos que ali deveriam existir. Vida em toda a parte! Não foi por isso que me tornei biólogo?

Não, não havia sido. Havia sido por outros motivos, que novamente postaram a Dúvida e o Retrospecto a meu lado, sempre se contradizendo, pois uma vez que me lembrava de algo, lá vinha a Dúvida a questionar tudo a respeito da memória, da circunstância, do fato, se é que ali hove algum fato, pois por muitas e muitas vezes os fatos não são fatos de fato. Existem apenas na Memória, esta atrelada a tantas outras pessoas internas. E muitas vezes a Memória e a Realidade se batem.

Mesmo por que, aparentemente a Realidade parece tomar formas particulares, dependendo da pessoa envolvida, dependendo da cabeça envolvida. A Realidade é particular, mesmo sendo supostamente universal. E assim caminhava, assim caminho. Cercado pela minha Realidade e minhas pessoas internas, que tanto dialogavam comigo, o tempo inteiro, todos os momentos. A Imaginação tomava conta grande parte do tempo, me levando por entre os milhares de Anônimos ao meu redor. Formigas, formigas, mais tantas formigas, eu e todas elas. Ainda que não seja, parece ser.

Por trás do vidro do ônibus eu via tudo e não via nada, pois era tudo diferente do que os outros viam. E ainda que vissem o que estava eu vendo, não entenderiam muito bem, pois a minha linguagem interna não lhes era conhecida. Os olhares se espalhavam diante de mim, e as árvores tinham todas vozes, todas falavam coisas que só eu ouvia. O chão do ônibus tomava vida própria e comigo falava, através do som e do tempo, através das palavras e dos momentos, como se fosse, de fato, coisa viva.

Para mim era.

Assim como tudo ao meu redor, menos os olhares de outrem; estes me eram sempre estranhos, e eram sempre recebidos com um suspiro de renúncia, derrotados fuliminantementes no encontro com as forças opostas. Sempre tornava meu olhar para meus companheiros ao redor...mesmo um pedaço de papel agarrado no vidro se tornava fonte de inspiração para Pensamentos, tantos deles.

O mundo não está lá fora, o mundo não existe. Pois, só existe o que vejo, e o que vejo não existe para mais ninguém além de mim mesmo. O mundo existe dentro de mim, para mim. É um ramo estranho da Realidade, este. Mas me parece ser verdadeiro.

Ao menos para mim. Ao menos para a minha Realidade.

Desço do veículo com a nítida sensação que nada aconteceu, mas novamente o Senso Comum me alerta que os outros existem, portanto algo ocorreu enquanto apenas eu existia naquele momento. Pois, a Realidade dita que outros existem, conforme dito, conforme escrito, repisado tantas e tantas vezes. Desvio de mim as outras Realidades, os outros Olhos qua parentemente tanto me perguntam coisas que não sei a resposta. Não sei o que sou. Não me vejo como vocês me vêem. Não sei.

Passo a roleta, passo após passo, chegamos ao elevador, que nada carrega, mas que pesado ficará quando nele estiver. Felizmente, minhas Pessoas Internas nada pesam, além do que eu mesmo peso; nenhum lugar ocupam além deste telencéfalo altamente desenvolvido para padrões terráqueos.

Mesmo assim, sinto o peso. Sinto que ocupam meu mundo inteiro, estas Pessoas. Estas coisas.

Mas, como aqui cheguei, devo calar-me escritoriamente falando, há aqui Realidades bem diferentes daquelas incitadas pela Imaginação. É necessário parar. Já me olham e me olham a indagar, o que fazer com isto, com este biólogo que aqui trabalha a numerar números e elaborar sonhos de ar?

Talvez um dia encontrem uma Realidade bem diferente da que aqui dentro floresce, regada pela imaginação. Talvez. A Dúvida não me deixará ter a Certeza.

E agora, paro, paro tudo. Pois é necessário acudir a Realidade deste lugar.

Paro, mas continuo a maquinar meu ideal mundo, riquíssimo de detalhes mas parco de pessoas, estas ditas reais. A Realidade é que só pararei assim que aqui mais não estiver, assim que minha Realidade deixar de existir....e somente houver a parca lembrança do que já houve um dia aqui.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Preguiça.

Eu olho, eu olho e olho e nada de muito útil sai. Daqui, de dentro desta cachola.

O dia está estranho. Não apenas pelo fato de ter eu presenciado uma fila quase indiana de quatro ônibus de minha linha dirigidos à "Garagem". Não conheço este bairro, mas deve ser tão infame quanto os outros atendidos pela mesma linha. Ou algo assim. Que é normal, eu sei que não é, um comboio de tais gigantes aparataso de público transporte sairem todos em seguida para os redutos da Garagem, quer seja onde lá ela esteja.

A verdade é que tenho preguiça hoje, muita preguiça. Não sei bem precisar por que exatamente a tenho, uma vez que estive a passar por uma semana de quase infinito relax(preguiça de adulto, assim me disseram quando tinha algo entre dez e doze anos) e ontem à noite fui dormir relativamente cedo. Ao menos eu acho que estava ainda cedo, nem me lembrei de ver as horas.

Hoj, eu tenho essa sensação nítida que tudo não vale muito a pena, ou ao menos não vale muito o esforço. Tenho quase certeza que todos já vivenciaram sensação semelhante nalgum momento de suas vidas. E infelizmente, não é em relação somente às coisas que não deveriam ser obrigatórias mas são, como assuntos de emprego, assuntos médicos, compromissos diversos alhures, pessoas que requisitam nossa presença em outras paragens, e por aí vai.

Não, a preguiça que falo é universal, e serve para todo e qualquer assunto, seja ou não ele de suma importância ou seja ele uma banalidade qualquer. É aquela coisa típica de segundas feiras pela manhã; eu que sou muito fã de segundas feiras, posso bem dizer que sei o que é isso. Eu diria até que sou um fão das segundas feiras, conforme já devo ter transparecido aqui eventualmente. Mas a comparação é válida, pois acredito que a sensação de "fudeu, é segunda" que nos arrebata em tais manhãs é um excelente exemplo audiovisual de como é a sensação da mais absoluta preguiça, da mais unânime falta de ânimo para fazer toda e qualquer atividade, por menor que seja.

E essa sensação é muito ruim, pois existe um outro dito acerca da preguiça que é bem verdadeiro: ela é a mãe de todos os vícios. Algum engraçadinho e/ou leitor de Quino dirá que é necessário respeitar uma mãe. Ah ha ha. Cretinices à parte, a comparação materna é válida, pois ficar à toa parece gerar ainda mais atoísmo, mais vontade de fazer porra nenhuma. Andei pensando muito sobre isto estes dias, e cheguei à conclusão que grande parte das coisas que me incomodam, grandes problemas que tanto faço alarde aqui e aos inocentes ouvidos de quem quer queira se aventurar a ser meu ouvinte em tais momentos, a grande maioria deles são causados por absoluta preguiça em tentar resolvê-los. Le se passer, como diriam alguns franceses. Certo, eles escreveriam a frase correctamente, mas isso não vem ao caso.

É uma coisa muito ruim ser vítima de tal agrura, uma vez que o comodismo vai tomando conta, e o processo é lento e gradual. Quando você menos espera, alguns anos se passaram, e você tá na mesma. Mesmo sabendo que poderia estar diferente.

O maior problema, parece envolver certas partes da cinemática. Lembram-se disso? Da cinemática? Física? Pois é. Vencer a preguiça envolve vencer um certo princípio da tal cinemática: vencer a inércia. Pois, um corpo em repouso tende a permanecer em repouso até que algo faça ele sair desse repouso.

O lado positivo é que segundo tal física, o mesmo corpo quando está em movimento tende a permanecer no movimento até que algo o pare. Algo assim, não é? Não me lembro direito, pois se tem uma coisa que me lembro bem a respeito de física é que eu era péssimo em cinemática e detestava esta parte da matéria.

Mas, como ia dizendo, é necessário vencer tal "barreira", romper tal inércia. E deve ser feito o quanto antes melhor. O importante é dar o tal primeiro passo, segundo dizem outros.

E, infelizmente, percebo que aqui já gastei mais tempo que deveria, uma vez que hoje o dia é de trabalho propriamente dito, e devo proceder de tal maneira, mesmo não se tendo muito o que fazer por aqui. Ai ai, aqui é um péssimo local de combate a esta tal preguiça, a meu ver.

Vejamos o que se sucede.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Domingo! de cinzas.

Ah, o que fazer, em um dia que somos forçados a interromper uma semana que estava tão legal, tão sem encheção de saco de trampo, planilhas e contabilidades, para termos que vir acá, en esta mierda para fingirmos que estamos trabalhando?

Bem, eu sei que o que farei de "útil" de fato aqui hoje é escrever estas poucas e mal traçadas linhas. Mais que isso? Já pegam o boi por ter vindo aqui, em pleno domingo, digo quarta, para fingir que faço alguma coisa. E sei que minha posição é compartilhada pelos demais escravizados legalizados que cá vieram ter hoje. Bem sei que Herr Direktorrrs cá não se ateverão comparecer, uma vez que o problema de ser assalariados miseráveis não é com eles. Na sexta feira já tinham anunciado tal infâmia, coincidentemente com o informe de que a hora vigente da patetização que os escravos teriam que se submeter, seria das doze às dezoito, e não das treze às dezoito, como tinha sido até o ano passado.

Tipo assim: "Vocês terão que vir uma hora mais cedo no domingo, digo quarta. Nós? Ahahahhahahah! Só por esta piada vos brindaremos com mais três horas de trabalho forçado."

Engraçado, muito engraçado, não é mesmo? Fazer o quê. Basta ser assalariado para se estar sujeito a certas franguices do sistema capitalista cretino em vigência. Pode parecer apenas mais um resmungo deste ser; pois bem, assim o é, mas também posso aqui dizer que sim, é uma franguice dos infernos. Por que?

Porque tudo que NÃO fazemos aqui neste dia em NINGUÉM faz nada, num dia em que só vimos aqui para fingirmos que cá estamos, tudo o que NÃO fazemos, tudo isto custa dinheiro! Ligar os computadores, ligarmo-nos às internetis enquanto fingimos que fazemos algo, tudo isto custa dinheiro. Transporte para cá neste dia inútil? Também custa dinheiro. Alimentação? Olha! Comida custa dinheiro, mesmo que os diretores aqui não venham se juntar aos burros.

Ligar as luzes, os ar-condicionados, beber água, usar o banheiro, o telefone(para ligar para os amigos e familiares que também estão nesta roubada e com eles reclamar), tudo isto custa mais caro para a idiota da empresa que ao invés de deixar todos quietinhos em casa, aproveitando para morgar o final das ressacas carnavalescas e para cá virem todos mais satisfeitos.

Mas não. É preciso ser frango, é preciso ser uma mula. É preciso deixar os empregados todos com mais coisas a reclamarem além das tradicionais reclamações diárias. É preciso fazer com que eles odeiem ainda mais seus chefes, para que façam ainda mais mal suas odiadas funções, e eventualmente arquitetem ainda mais maneiras de infernizar a vida deles.

Exagero? Um tanto, é verdade. Pois sou apenas mais um na boiada de gnus que têm que se sujeitar a tais impropérios para arrecadar o vil metal. E bem sei que este dia está sendo um tanto melhor que qualquer segunda feira por aí, uma vez que ao menos não tive que ser interrompido de meus sonhos por um infame despertador. Ao menos isso não tive hoje, nem terei que ainda me preocupar com atividades físicas à noite, pois tive tempo de adiantar pela manhã o que faria à noite. Se todos os dias começassem desta maneira, os dias salariais normais seriam bem mais aceitáveis do ponto de vista de qualidade de vida. Sem falar no fato que a grande parte dos frangos reinantes se mandaram daqui para outra parte qualquer; não mesmo me importo aonde, apenas me importo com o fato que infelizmente eles terão que voltar. Por mim eles por lá ficavam. Por mim sumiam para todo o sempre.

Enfim, como sou apenas um assalariado, meu poder aquisitivo é baixo e não tenho acesso àquele dito mundo melhor, que dizem existir mas que também afirmam ser caro pra dedéu. Então, me contento apenas com o fato que ao menos os ônibus estão mais vazios, não terei que aqui ficar as dez horas tradicionais, e poderei chegar em casa e relaxar, tendo que aturar apenas mais dois dias ditos normais até que venha outro abençoado par de dias úteis.

Dias úteis são, para mim finais de semana e feriados. Para que servem os outros?

Enfim, continuemos nossa vidinha de gado. Ao menos podemos rir de nossos patrões, que têm dinheiro mas são muito mais ínfimos que qualquer um de nós. Eles não têm muito mais vida restante nos ossos capitalistas. Tinham, quando eram gente feito nós. Apenas empregados com muito pela frente e muitas reclamações sobre os chefes.

Tinham, quando ainda eram gente. Depois que se tornaram diretores, apenas acumulam inimigos - todos os funcionários. Pois, em datas como esta, eles cá não vêm não apenas por não precisarem enquanto chefes. Eles cá não vêm pois pertencem ao antro dos por nós odiados. Por nós execrados.

Enfim, continuemos este resto de semana.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Carnaval.

Eis que a famigerada, a tão esperada sexta feira d'antes do carnaval chegou. Um dia como qualquer outro, a não ser por este singelo fato - de ser o dia que preced o mais famoso feriado brasileiro. E como dizem, o Brasil só começa a funcionar depois do carnaval.

Hoje estava vendo o Bão Dia Brésil ali na cozinha deste reduto ant-nec-pós-capitalista, e cheguei a algumas conclusões. Uma é que eu não sei nada a respeito da mitologia carnavalesca em si. Não sei porque existe, porque é comemorado nem nada disso. Existe algum lance religioso no meio? Algo feito a quarta feira de cinzas, que dizem-me que não posso comer carne por alguma proscrição bíblica. Não tem um lance desses? Sei lá.

Além disso, eu vi que até hoje tenho imensa preguiça de todo este movimento - samba, desfiles, passes de dança e etisset'ra. Se teve alguma época que realmente eu queria ver os desfiles, foi naquela fase áurea de todo adolescente, em que os hormônios fazem a festa naquelas mentes jovens e ainda imberbes. O carnaval é um excelente programa pornô legalizado e que passa em canais abertos! Era a farra dos espinhentos.

Fora isso, não vejo graça nenhuma. Certo, isto vindo de um cara que tem 120 anos para cada ano de sua vida e nunca gostou daquele tipo de música e ritmo, não é nenhuma surpresa. Tá, acho doido os caras elaborarem toda aquela alegoria, todas aquelas fantasias, letra e música sobre um certo tema; certo, certo. O esforço é por mim reconhecido, mas não me peçam para realmente curtir todo o samba-enredo, todo o sambódromo em movimento, samba no pé.

Não existe. Nem samba, nem rumba, nem salsa, nem forró, nem porra nenhuma. Não existe dança neste corpo velho e naturalmente enferrujado, duro feito um robô. Já até tentei me enveredar em tais práticas - tudo por uma boa porém perdida causa. Mas não faço questão nem de tentar mais. Admiro muito quem sabe, mas...enfim, como diz o refrão daquela famosa música adequada ao carnaval e quejandos, "cada um no seu quadrado." Vocês ficam com a dança. Eu fico com minhas músicas roqueiras e meus mini-mosh's com meus amigos também entrevados do ritmo e de corpo, eheheh.

Inclusive, vi hoje no tal jornal matinal um fato que me chamou a atenção, um dos foliões de algum carro alegórico, não soube se do Rio ou de Salvador, usando um...cavaquinho elétrico, uma autêntica guitarra miniatura, para incitar a galera ao movimento. Divertido: eu gostaria de ver o som daquela coisa. Suponho que seja algo que se você plugar com o volume excessivamente alto, deva provocar sangramentos nos tímpanos. Hu-há.

Neste ano, estou buscando o sossego, mais que nunca. Quero ficar quietinho no meu canto, atualizar meus rabiscos, fazer uns barulhos nada carnavalescos em meus cordados preferidos. Cordados, puta merda. Que tentativa mais infame de fazer piada.

Enfim, todos nós, foliões natos ou roqueiros resmungões, todos concordamos com uma coisa:

Feriado é bom pra carai. Caso encerrado. É o grande fator que nos une.

Enfim, esperemos a hora da sorte chegar, 18 ou outra coisa, para podermos enfim alforriar-nos momentaneamente de nossos tristes grilhões mudernos, e que todos caiamos no divertimento.

Esbórnia já!

E diga não ao trabalho nas cinzas!!

Ai, ai. Acho que isto pode ser chamado de cenas do próximo capítulo.

Bom carnaval a todos, enfim. Até dia 17.




PS-Eu quero é roooooooock!!!

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Cartão de joça.

E mais uma vez venho contar a mesma história, ou melhor dizendo, quase a mesma. Que história é essa, dirão os ávidos por conhecer os repentes e infortúnios, os devaneios e as desavenças deste cara, que tanto escreve. Pois, entra ano sai ano, parece-me que as atividades bancárias envolvendo cartões de créditos sempre me confundem e me deixam aturdido. E lá vou eu cancelar mais uma josta de cartão.

Cá cheguei hoje já com este intuiito, mas estou tendo que esperar dar a hora. Bancário também é gente, aparentemente. E os robôs do telemarketchim(gesundheit!) só informam isto depois de você perder uns cinco minutos no telefone ouvindo opções diversas dos serviços ofertados por estas maravilhosas entidades do mundo muderno e capitalista. Enfim, esperemos a hora soar, enquanto isto vou aqui tecendo minhas observações sobre o assunto.

Aconteceu que no final do ano passado recebi uma ligação do banco, me indagando se já havia recebido meu cartão de crédito novo. Eu, que não havia requisitado nenhum cartão, estranhei, e de cara pensei que se tratava do antigo cartão, que eu havia cancelado conforme aqui narrei há aproximadamente um ano, pois aquela empreitada havia ficado confusa, uma vez que quando fui cancelar a coisa, me deixaram em espera por tanto tempo que acabei desistindo de escutar o blah blah blah.

Acontece que tal cartão fora de fato desativado, e este outro cartão era uma "oferta imperdível" do banco, aparentemente. Oferta tão imperdível que nem tive que pedir tal coisa para recebê-lo. Tipo aquela coisa, "Olha, estamos achando que você está precisando de um cartão, logo fizemos seu cadastro sem você nem ter que pedir! E estaremos enviando seu cartão imediatamente!" Tudo naquele bom gerundiês que só os telemarketchers(saúde, novamente) sabem falar.

Só que não mencionam que "estarão enviando" também as maravilhosas faturas com taxas de anuidade. Recebi a primeira fatura no mês passado: vinte reais, taxa anual de manutenção ou algo que o valha. Eu achei caro, mas passável. Às vezes quem sabe, posso vir a precisar de um cartão de crédito, etc.

Tolinho, tão inocente, nem li que era a parcela 01/04. Aham. OITENTA reais por uma porra de cartão que tem 300 reais de crédito, saque máximo de 75 reais, e todas aquelas taxas exorbitantes de juros. Claro, claro, me parece um excelente negócio.

Certo, eu tenho toda a culpa de ter sido inocente e desleixado a ponto de nem sequer ter averiguado estes senões, as famosas letras miúdas que quase sempre estão envolvidas neste tipo de contrato. Acontece que eu não pedi a porra do cartão, não estou precisando de cartão, muito menos de pagar mais taxas, que os bancos tanto se regojizam em cobrar.

Não costumo ser um cara que compra coisas parceladas. Eu tenho ojeriza por ficar devendo coisas, pois nunca sei o dia de amanhã, e sempre acredito nos desastres da vida, conforme já lido aqui antes. Evito ao máximo comprar parcelado, pois sei bem que este limite entre a parcimônia com gastos e a esbanjação, o abuso do crédito e a ruína financeira de uma pessoa pode muito bem começar quando se rompe tal limite. Quando você passa o cartão de crédito. Pronto, acabou. Agora você vai fazer isto cada vez mais e mais, gastará o que não tem pois um dia poderá pagar, após um bilhão de prestações e um zilhão de juros.

Melhor não. Meu limite de consumismo se resume em gastar menos que ganho, e não gastar o que eu não tenho. Eu vejo muitas pessoas ao meu redor tendo que sobreviver na base de pegar emprestado para pagar o agiota, sendo que deste pegaram emprestado para pagar o banco, e que terão que pegar emprestado novamente com o banco para pagar aquele cara que emprestou para pagar o agiota, e que...Vocês entendem o que quero dizer.

Não. Bem sei o que nós significamos para os bancos. Nada além de numerários. E é absurod o tanto que eles lucram às nossas custas. Não preciso de mais dívidas, além das que já possuo.

Bem, já deu a hora aqui, vamos ver o que os atendendes têm a me dizer quando eu falar, "cancela essa porra de cartão fudido, por favor."

Senão vejamos.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Hoje.

Hoje. não me aparecem muitas idéias,
hoje, não me parece nada certo
hoje, mesmo que tenha um ar de
ontem,
hoje, não é um dia anterior.
Hoje, mesmo cedo já parecia tarde,
mesmo tarde parecia cedo, e
hoje
é o dia de amanhã.

O dia que ontem não veio,
o dia em que ontem não houve
o dia que ainda haverá.

Hoje, faz parecer de ontem as
idéias de hoje, o momento de
hoje, a vida que se passou e
que ainda passará
hoje.

Hoje, ainda que não seja mais ontem,
parece-me ser ainda o dia anterior
na data de hoje, no dia de hoje.

Hoje, vejo esta palavra e nem mesmo
ela faz algum sentido, no dia de hoje
na data de hoje,
no momento que é agora,
mas que nunca chegou a tempo,
não hoje.

Hoje ainda estou aqui, mas estou ali
hoje sinto o quesentirei amanhã
hoje penso no que pensarei
como agirei
o que farei
quando hoje não mais houver
quando hoje não for mais
a data de hoje.

Hoje vejo o que vi antes,
penso no que me foi dito,
no que parei para pensar
no que parei para ser

no dia de hoje.

Hoje, mesmo que não seja mais ontem,
carrega em mim a data anterior,
o dia anterior,
o dia de hoje, ontem cedo.

Hoje foi o que foi, ainda não se foi
o dia de hoje, e ainda penso
em hoje não mais fazer
o que fiz em outros hojes
que desde ontem não mais estão
na data de hoje.

Hoje nada presta, hoje tudo presta
hoje não fiz, hoje eu produzi,
hoje eu ainda não sei, mas penso que sei
o que se passará. Hoje.

Hoje não quero mais saber de ontems,
não quero saber do amanhã.
Hoje é somente hoje,
é hoje!...

Saberia eu o que hoje
eu pensaria?
Saberia eu, noutros hojes
o que haveria aqui?

Soube eu, em algum momento
o que se passou hoje,
o que passará hoje?

O que se passa é agora que sei,
mas mesmo assim, nem hoje nem nunca
saberei
o que se passa
neste exato instante
hoje.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Brigaris familiaris et humanum est.

Estes dias estão estranhos, e nem sei direito precisar por que. Algo parece que acontece, mas na surdina, como se uma criatura me observasse e estivesse esgueirando-se para dar um bote. Deve ser a paranóia de ser vivo enquanto noiado num sótão.

Ou Talvez simplesmente o fato que as coisas não andam muito bem no âmbito dos relacionamentos caseiros, ou seja, brigas em casa. Brigas daquelas bobas mesmo, daquelas típicas de qualquer família que se preze ao redor do planeta. Coisas que acontece com todo mundo, mas que sabe apanhar-nos pelo ponto fraco.

Este tipo de briga pode gerar muito dissabor na vida de uma pessoa: pois são as pessoas que, supostamente, mais te conhecem no mundo que estão caçando confusão. Elas sabem onde atacar, como atacar, o que falar....Elas sabem quase tudo sobre você.

Justo; teoricamente, sabemos tanto quanto elas. E sabemos como evitar tais confrontos, mas acontece que, por vezes, não o fazemos. Deixamos as injúrias correrem soltas, os ânimos se exaltarem e o circo pegar fogo. Brigas em família podem ser das mais massacrantes que se tem notícia. Eu já assisti diversas, de minha e de outras famílias. E por vezes fiquei achando que pudesse sair até uma morte no confronto que se seguia.

E por vezes me pergunto, por que nos deixamos abater pelo orgulho, pela soberba, seja lá por qual motivo, e deixamos nosso lado negativo tomar conta nestas horas? Sabemos que estamos errados, sem razão, ou simplesmente sabemos o que deveríamos fazer para evitar que o confronto se eleve ao baixo escalão, às vias de fato.

Certo. Digo isto com um pouco de auto-crítica, pois vivo fazendo tal coisa nas brigas de casa - ou sei que estou errado e continuo a expurgar injúrias descabidas boca afora, ou simplesmente sei como deveria agir para evitar que tal pessoa se irrite comigo diante de uma besteira qualquer que acontece em casa.

Entretanto, sempre que chego a tais constatações, eu me pergunto se é assim com todos, com os outros. Porque por vezes achamos - ou acho - que o problema é só nosso, "ah que só acontece comigo", e quejandos. E como sempre, a vida tem me provado que estou errado, que sou errado, para variar.

Mas nem é preciso pensar muito para se chegar a tal conclusão, não é verdade? Ainda assim me pergunto quantas pessoas pensam de maneira semelhante à meu modus operandi em si; pois me parece que existem pessoas que sabem que estão agindo erradas mas continuam agindo assim, não por teimosia, não por querer impor e provar sua força, mas pela simples maldade, pelo prazer de infilingir desconforto à seu oponente. Existem pessoas que fazem disto um divertimento, uma forma doentia de recreação, por assim dizer.

Aposto que alguuém por aí já viu isto de perto, e não somente em brigas familiares, mas nos relacionamentos comuns que estamos todos sujeitos em nosso dia a dia. Gente que gosta de brigar, de provocar a ira nos outros. Às vezes só para ver a reação de alguém, eles pisam justamente no calo da pessoa. Eu vejo muito isto de perto, e posso dizer que acho no mínimo esquisito, mesmo doentio alguém se portar assim.

E geralmente o que acontece é que eu atraio este tipo de gente, parece mesmo que uma relação yin-yang do universo, por assim dizer. E acho isto muito ruim. Pois me afeta, e muito. Eu gostaria de ser mais blindado a este tipo de pessoa, mas não sou tão eficaz contra seus ataques desta forma.

Talvez seja realmente algum ser sarcástico querendo me educar da forma reversa, como uma terapia de choque: por estes dias me disseram que preciso de ser submetido a este tipo de terapia mais vezes, para me tornar mais resistente.

Não sei. O que eu sei é que isto tudo me cansa, por vezes.

Assim como a contabilidade de numerários alheios, que teimam em surgir em minha mesa, não sei por quê. Um absurdo! Até parece que sou contador.

Talvez seja a vida me treinando a ser um contador, não é? Ah ha ha.

A terça está apenas começando. Vejamos o que vem em seguida....

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Le se passer le semanê.

E assim se inicia mais uma semana, esta com os dias bem contados, uma vez que antecede uma data muito importante para muitos brasileiros. Não, não é a semana d'antes da copa do mundo, mas a que precede ao carnaval, data importante para...o atoísmo. Não sei de mais nada de relevante sobre tal data, e para ser sincero, não quero muito saber. Diante da forma que me sinto hoje, sei que preciso de muito mais dias livres. E isso vindo de um cara que tirou férias outro dia mesmo.

É a idade, como diria um amigo meu.

Pode ser, de fato. Eu falo para meus amigos que ainda nao entraram na terceira década rumo à quarta: as coisas mudam, o corpo muda, as reservas de energia para certos tipos de atos ficam ainda mais escassas. Não dá mais para sair até às tantas da madrugada e conseguir disfarçar no dia seguinte. Não dá.

E agora penso, o que quero eu fazer do carnaval? Quero ficar quieto, sem ir para nenhum agito. Quero ficar quietinho, no meu canto, sem marchinhas de carnavais passados e/ou recentes a me perturbar o sossego, quero no máximo minha discreta música fluindo de minhas caixas de som, no máximo algum ruído mais estrondoso vindo de meus equipamentos guitarrescos. Mais nada. Não quero saber de Diamantina, Rio, cidades quaisquer que sejam do interior ou seja lá o que a maioria das pessoas arruma nesta data.

Certo, escrevo isso sob os efeitos da ressaca de ter que volatar ao serviço, em plena segunda, então minha opinião pode, deve, estara alterada. Mas afirmo que não. Nunca, em todos estes anos de vida, eu quis saber de muita confusão em tais datas. Justo; afirmam que tenho 120 anos para cada ano que vivo, feito aquele cálculo feito para se determinar a idade de cachorros.

Afinal, desconfio que isto deve ser questão de gosto; e como dizem, "gosto é igual cu e cu não se discute." Tá certo, não é bem assim, mas esta versão avacalhada do provérbio soa muito mais interessante. Ou divertida. Mas sinceramente, eu fico embasbacado quando vejo que tem gente que realmente faz seu planejamento do carnaval aparentemente pensando em quanto irão se desgastar: vinte horas de busão para Quixeramobim do Norte, hospedar-se num muquifo sem banheiro, sem cama, sem lençóis nem nada, quinze horas de "agito" noturno por noite, tudo isto regado à álcool barato e quente e comidas de procedência mui, mas mui duvidosa. Ou ainda ir para Diamantina ou cidades do interior mesmo de minas: não são tão distantes, mas oferecem o mesmo esquema roubada: a maior diferença são as ladeiras que você terá que enfrentar, com aquele calçamento de pedra muito bão para você escorregar e se escalavrar todo enquanto cozinha sua cachaça barata.

Muito, mas muito bão mesmo. Vá que estou te vendo. Eu fico aqui. Bem sei que mesmo em nossa imensa roça asfaltada rola alguma sorte de tais "agitos", afinal de contas somos a capital do estado, mas eu quero é meu sossego, meu descanso. Eu sinceramente, não vejo objetivo em usar tal tempo livre para...não descansar. Eu hein. Vou querer não. O que mais ambiciono mesmo para esta data é ficar de boa, em casa, relaxar, desenhar, tocar, ficar na minha, sem multidões nem barulhos dos infernos ao meu redor.

Vai do gosto de cada um, acredito. E como terei que tornar aqui em plena quarta feira de cinzas, medida frangal que a porra da empresa insiste em manter entra ano sai ano, pelo menos não estarei aqui fazendo papel de idiota E de ressaca.

Ou ao menos espero que não. Surpresas podem vir a acontecer, e mesmo eu tenho meu preço, conforme dizem. Mesmo assim, pretendo cobrar caro. E não abro mão de meu sossego. Nem me pagando eu vou prum esquema roubada feito Salvador, Diamantina, Lagoa da Prata, Abaeté ou seja lá o que for a última cidade-point do momento.

Enfim, já tomei bastante tempo desta manhã falando sobre nada. Que a semana nos seja breve, para que possamos todos fazer oque bem entendermos, descansar ou ficar nos agitos, relaxar ou se embarafundar em ululantes multidões barulhentas por aí. O que valer para desligar a cabeça da triste realidade de sermos todos estes servis seres que por aí tanto trabalham.

Que a semana seja breve. Ao menos isso.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

De sobre Pessoas e cursos.

Putz. Tem dias que parece que a gente precisa de pegar no tranco, de fato. Cheguei aqui e fazem uns seis minutos que estou prostrado na cadeira, esperando o computador ligar, esperando o café chegar. Este é meu tranco, o cafééééééééééééé........Que ainda não chegou. Enfim, o tempo ruge, a DIRF deve ser digitada - cruel destino saber quanto todos na empresa ganham, e quantos ganham mais que você - e a "crônica" deve ser inventada. Senão vejamos.

Bem, dizia eu a respeito da época remota do final dos anos 90 e início dos....er, como se chama essa budega que passou? A década de zero? Enfim, de 1997 a 2002 eu cursei a tal da biologia, e conforme muitos já sabem, deu meio ou tudo errado - o fato de um biológo estar trabalhando com contabilidade indica que algo deu errado, não acham?

Mas, me lembro de um dia, acho que no penúltimo semestre do curso, eu voltava para casa em companhia de outro colega, - este muito memorável, por sinal - Leandro Malvadeza, como era apelidado, para que fizéssemos um trabalho qualquer do maravilhoso reino da FAE de conta. Encontramos no busão um tio meu, que reside na rua acima à minha. Como é de praxe, eu e Leandro reclamávamos da porra da faculdade, que era uma bosta, que esse trabalho não servia para nada e que estávamos mesmo doidos para que tudo aquilo acabasse. Ah, o tal trabalho que iríamos fazer em minha casa era a tal da monografia(em dupla) para encerramento das aulas na FAE de conta.

Meu tio, que por vezes tem seus repentes de sábio da montanha, riu e disse, "vocês irão sentir falta disso quando acabar, vocês verão."

Não levou muito tempo para que eu verificasse a veracidade desta afirmação. Mesmo enquanto escrevo estas maltraçadas, sinto saudade daquele tempo. Se teve uma coisa que eu realmente sinto falta daquela época é do convívio com toda aquela galera que esteve comigo no curso. Bem, não toda, evidentemente, pois malas existem em todas as partes do universo, mas as pessoas bacanas com quem convivi durante aquele curso, bem...elas fazem falta de fato.

Foi muito estranho para mim, este tímido incorrigível que sou, adentrar em um universo como a faculdade. Eu havia cursado boa parte de minha vida escolar em uma hedionda escola privada daqui de BH, a saber, o Colégio Nazista Dão Silvério. E até então tudo que eu conhecia a respeito de convívio em escola era que eu deveria tolerar os idiotas filhinhos de papai que lá existiam, de prefêrencia calado. Eu sempre me dava mal ali - era discriminado por não andar com "roupa de marca", era alvo fácil de zoações, dado minha natureza facilmente irritável na época, era um gordo branquelo e cabeludo, com óculos de fundo de garrafa, enfim.

Daquele convívio forçado com aquele tipo de gente eu só carreguei más lembranças, e quase cheguei a acreditar que toda a culpa de ser alvo daquela gente era porque de fato eu devia ser um cara muito estranho, muito feio, muito idiota, sei lá. Das pessoas que convivi ali, somente uma delas até hoje tenho contato e chamo de amigo, e um excelente amigo, por sinal. Dos melhores que já tive na vida. O resto, bem...

Estava bem apreensivo quando entrei na faculdade. Tímido do jeito que sou, estava literalmente num mato sem cachorro, "eu não conheço ninguém!" Mas, tive uma excelente surpresa ali. Não estava fadado a ser sempre o estranho, sempre o discriminado da turma. Haviam pessoas legais ali, e mesmo muitas. Me enturmei logo de cara, coisa que na época me deixou meio que perplexo. Não era mais o alvo, o estranho, o esquisito. Eu era mais um dos estranhos, mais um esquisito. Era simplesmente mais um. E todas as pessoas são esquisitas, de uma forma ou de outra. Não tive nenhuma saudade do pessoal do colégio.

Na faculdade, eu me embasbaquei com o tanto que me diverti com a turma, com o tanto que gostava de ir para as aulas lá na casa do caralho que é aquele campus, porque sabia que iria me divertir. Encontrar a galera! Rir a não mais poder!

Foram as pessoas que ali encontrei que me fizeram ficar no curso até o final. Foi o convívio com toda aquela gente que me fez segurar a onda de não mandar tudo às favas. Eu não tive uma boa expêriencia no curso no aspecto profissional em si, confomre dito e visto, mas....De fato, sinto falta daquele convívio, daquela vivência.

Até hoje me pergunto o que houve de errado no colégio, se eram eles mesmo ou se havia algo em mim que precisava ser mudado. Lembro-me que só consegui achar uma certa paz no final do segundo grau. Antes, eu só vivenciava o inferno diário ali. Ao passo que na faculdade, o que me frustrava, o que me irritava, era o curso em si, e não as pessoas com quem tinha que conviver ali.

Até hoje me pergunto se aquelas pessoas daquele colégio eram todas estranhas. Porque fora dali eu só encontrei gente mais normal. Gente que não ficava esperando você abrir a boca para imediatamente te encher o saco. Não sei o que é feito da maioria daquelas pessoas, pois quase nunca mais vi nenhuma delas. Mas, eu gostaria de saber, por vezes.

Em mais de dez anos de aulas quase diárias, eu só conservei UM amigo. Uma pessoa no meio de, sei lá, quase quatro mil? Não me parece ser uma boa estatística. E da faculdade, eu tenho contato com várias pessoas ainda, e as considero amigos.

Essas pessoas do colégio, se eram de fato tão insuportáveis, o que fazem hoje? Como convivem com outras pessoas?

Indagações que permanecerão sem resposta, creio eu. Mas enfim, dane-se também. É sexta, e hoje mesmo talvez eu vá ter com amigos da faculdade em uma possível confraternização. Não quero pensar naqueles que não são e nem nunca serão parte de minha vida, não mais.

Que venha o final de semana. Que todos encontrem seus amigos e se divirtam.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Cadave.

Quando o assunto não-lamurioso nosso(meu) de cada dia se torna em demasia resmungão, é hora de escarafunchar "as memória" da gente em busca de causos menos chatos e mais interessantes, não é verdade? Bem, vou aproveitar aqui o gancho mental instigado pela conversa de pé de mesa ali da copa desta repartição não-pública porém púbica.

Me lembraram de épocas remotas, em que este ser que escreve ainda estava cursando a afamada biologia, no passado ano de 1997. Eu tinha acabado de entrar no maravilhoso mundo novo da primeira faculdade, onde tudo é novo e belo, e as expectativas e perspectivas são muitas. Lógico, eu era apenas um calouro: o lado negro eu iria descobrir no decorrer dos acontecimentos.

Mas enfim. A grade curricular do curso na época abrangia logo de cara, no primeiro período, aulas de Anatomia Humana Básica. Sempre houve muito burburinhos sobre tal disciplina, histórias do arco da velha, por assim dizer. Diziam que os cadáveres estavam ali há mais de trinta anos, que era a coisa mais nojenta do universo, e por aí vai.

A príncipio, tudo que me lembro é de ter ficado apreensivo de ter que lidar com gente morta. Não é uma coisa legal, mesmo. Mas não foi tão terrível assim. Primeiramente, tivemos aulas sobre esqueleto, e todos nós já havíamos visto um esqueleto inteiro montado, nada de novo, tudo na boa. Depois, foram aulas de junturas, ligamentos e quejandos; foi a primeira aula que tivemos com cadáveres de fato.

E foi estranho, muito estranho. Já havia ouvido falar do Hulk, apelido que deram para um dos cádaveres que está lá há tantos anos, e realmente foi uma visão que surpreendeu, e muito. Por mais que se ponha formol, um cadáver fica com estranha aparência depois de anos de morte. Fica cinza, e cheira muito estranho. As peças anatômicas - pedaços de corpos - em geral apresentam aspecto ainda mais deplorável que os cadáveres "inteiros".

Me lembro que nessa primeira aula eu não toquei nas peças, não as estudei de perto, de tão enojado que fiquei. Uma colega, ficou prostrada num canto e saiu mais cedo da aula, para desdém da professora. Ironicamente, alguns meses mais tarde esta mesma aluna veio a ser a monitora da disciplina, e começou a agir feito a mestra, que não usava nem luvas para manusear as peças. Blargh, por assim dizer.

A aula seguinte foi de sistema nervoso central. Cérebro. Mioooooloooooo....E eu, trajando jaleco e usando luvas, resolvi mandar às favas o nojo inicial e encher a mão de hemisférios cerebrais. Tudo que posso dizer é que são coisas frias e com tato estranho às mãos. E fedem formol, bastante. Fora isso, era como se estivesse lidando com qualquer coisa de laboratório. Creio que com meus colegas a coisa se passou de maneira semelhante. A primeira aula é traumática, mas passado esse choque inicial, fica de boa.

Mas tenho que dizer que as peças são muito estranhas, e se você parar para pensar, você sabe que a coisa é nojentona mesmo. Não obstante isso, é o que temos para realizar os estudos pertinentes À anatomia do "cerumano". E é estranho pensar que tudo aquilo que se encontra imerso em quantidades homéricas de pormol quando não estão expostos nas aulas, tudo aquilo - já foi parte de uma pessoa, que esteve andando por aí. Bizarro, de fato. A professora detestava "falta de respeito com os cadáveres", e entendo isto. Era uma pessoa, que viveu e morreu e agora serve para modelo de ensino em uma faculdade pública.

Ainda assim, houveram muitos momentos hilários em tais aulas. Lembro-me que havia uma hemi-cabeça (isto mesmo, uma cabeça serrada ao meio) que tinha um semblante que parecia que estava sempre a rir. Um de meus colegas quase desmanchou de rir quando viu aquilo, e a coisa contaminou a galera. "Risadinha" foi carinhosamente alcunhado nos pergaminhos sagrados dos estudantes de biologia daquele ano.

Agora, nada foi mais tosco que as aulas de sistema reprodutor. Vou deixar em aberto muitos dos detalhes acerca disso - já me basta ter que conviver com a memória de tais coisas. Se alguém for doentio o suficiente para ficar curioso, basta usar a imaginação. Evidentemente, houveram momentos de grande riso: assim que entramos na aula de sistema reprodutor masculino(argh), o mesmo colega que havia se desmanchado com Risadinha me abre um dos baldes de formol que haviam em cima das bancadas e me solta a seguinte pérola: "Puta merda! Aqui só tem uma sopa de piroca!" Nhé. E as peças anatômicas eram às vezes espetadas com alfinetes de cores diferenciadas, para melhor visualização de pertes específicas.

Acho que todos os homens se contorceram ao ver os tais alfinetes espetados na....no....Er, melhor deixar pra lá. Só a lembrança disso já me traz calafrios. E a aula do outro sistema reprodutor é igualmente ou ainda mais enervante. Novamente, se quiserem, usem a imaginação para visualizar as "perseguidas" mortas ali expostas, em hemi-pelves(isso mesmo) ou em cadáveres femininos inteiros. Pense nisso.

Acho melhor não.

Enfim, foram aulas muito marcantes para mim, e representaram bons momentos no curso, uma vez que foi uma das raras disciplinas não ministradas por picaretas - a professoara Karen é excelente, das melhores que tive no curso. E a disciplina era dotada de muita hilariedade também fora da parte prática. Quase me esqueci disso: a parte teórica era ministrada numa sala à parte, onde víamos a teoria ser exposta em arcaicos slides, daqueles de projetar na parete mesmo, sendo narradas na voz de um antigo conhecedor da matéria, de nome Jota D'Angelo. As fitas K7 que narravam as aulas eram salpicadas de comentários safados e sarcásticos deste cara. Todos nós rimos a valer quando ele falava do sistema reprodutor feminino, "para melhor visualização, exibimos aqui um auteêntico exemplar mais conservado de---" Aqui a Karen cortava a fita e não qause não deixava o último slide de uma mulher sexy (dos anos 70) aparecer na projeção. Eheheheh.

Enfim, sinto até saudade daquele tempo, afinal. O começo de qualquer faculdade é muito bom, ainda mais para um cara como eu...mas isto é coisa que irei explorar no pinçamento de amanhã, uma vez que o tempo passa aqui e tenho muita DIRF a digitar, muitos números a conferir e chatices do gênero. Devia ter ficado nas aulas de anatomia, mesmo. Blah.

Até amanhã então.




quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

The Dreamer.

And so the Dreamer awakes once again.

He had one restless sleep last night, and when he thought he'd be able to sleep for some more minutes, the alarm clock buzzes like a pestilent mosquito, like a swarm of bees stinging his ears. He sighs. Somehow, he knows this isn't going to be a pleasant day. But he tries to shake that feeling away, knowing that he is no fortune teller, he knows not what the future holds in store for him this day.

Still, the feeling never leaves. The Dreamer is awake, and he feels the weight of the world upon his shoulders, even though he knows there isn't that much of a weight there after all - he's a Dreamer, and he's got a lot of imaginary problems....feelings, such negative feelings. But, he's keen to keep the promise he made on the break of a new year, yet another one. He promised himself.

But such promises are short-lived or are rumored to be so....he knows that. There is no real pain here. No real loss. And yet he lingers there, thinking. Dreaming. Snapping out of it for a moment, he proceeds to leave. There is a whole workday to be fulfilled, there are things to do, people to see, classes to attend to.

But as the bus carries him away, he quietly sits on his backseat, listening to his old tunes. The random selection created today seems to fit his tastes, seems to feed his unrest. He's restless today and he knows it. Instead of fighting it, he just let the dreams roll. He's a Dreamer. He knows where the secret lies. Where is the key to all that's sacred to him...to all that's pure.

So he sleepwalks around. He doesn't fight it; he wants to escape to his dreamland, to his ideal place, his idyllic rolling plains and endless, calm fields. Even though he knows...the further he ventures into his realm, the more difficult it gets to get out of such a place. The plains turn into marshlands, the fields becomes endless and treacherous bogs.

So he awakes once again, just in time to get out of the bus and face all the nameless faces around him on the street. Faces that mean nothing to him, and only adds more to the sense of despair that keep on following him today. He's got to live, he's got to find a reason. He's got somewhere to go, somewhere to be. But...He finds it nowhere. Not on this plane. Not on this realm, the real world.

But he knows it isn't possible to live in his Dreamland. He knows it.

So he strives to keep himself awake, and shake the awkward feeling away. He struggles to find that reason, that place, that person, whatever it is, that will keep him awake. That will bring the dream into the real world.

Is there such a thing? He doesn't know. And as he walks away, to another working day, we all get to see him dreaming as he walks, dreaming as he talks, sleeping as he's walking. Dreaming.

The Dreamer is awake, but at the same time, he isn't.

He only hopes for the best, he hopes that he'll find a friend today, someone to talk to, someone to share this bullshit with. He sits around and sips his coffee. He types his texts into his computer, and awaits. Until the day is done, what will happen to the Dreamer?

What will happen to someone that does not live here....even though he's always around?

What will happen to someone who know he's always wrong, even though he feels rightful to proclaim he's right?

The Dreamer awaits. And dreams around. Writes the dreams into secret files, secret stories that may never see the light of the day or meet the irises of unknown eyes. He dreams...but he tries to remain awake. He tries to stay with us. With the real world, the real people. Everything scares him, but he's managed to cope somehow. He's managed to stay awake, even though he's not here at all. The dreamland is a very solitary space, but is the safest of all places.

No-one will catch you there. No one will hurt you.

No one will ever see you.

No one will hear your wild music that burns inside, the truest of them all songs; all the crazy stories that will never, ever face the light of day. Never, ever.

No one knows you there....and yet you know everyone who's there. All you've ever created, all you've ever cared for. All that nonsense. Pain. Love. Value. Honor. A true heart.

None of this makes sense in the real world.

Shake it, shake it all away. He's still here, typing these words, this nonsense. He's got work to do. People to see. Classes to attend to.

He sighs, and awaits. He knows this is just a bad day, and it will go away...some day. For now, he just dream on. It's all he's got. It's all that makes sense to this nonsense head, to this frail mind.

He's the Dreamer. He dreams away.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Nas ôndias.

Naquela noite, estava mais cansado que o normal, mas era um bom cansaço. Uma canseira típica de se ter ralado muito no dia anterior, muito mesmo. Mas a minha epopéia era muito menos digna, por assim dizer, de romances marxistas ou tratados trabalhistas; não estava eu ali a movimentar minha carcaça pelo proletariado ou nada do gênero.

Em verdade, estava eu ali contrariando muitas das regras tradicionais do bom estudante. O ano era 1998, e pela primeira vez em muitos anos, eu estava vendo novamente o mar diante de meus olhos, coisa que como costumam dizer, tem um certo poder sobre os homens. Mexe com algum rodel interno, faz-nos refletir, põe a cabeça em movimento, vai e volta, bem como as ondas na costa. E naquele ano, eu conheci o verdadeiro paraíso terrestre, localizado na Bahia, com pouso tranquilo entre morros e mata Atlântica, essa até então desconhecida.

Mas eu me sentia como se estivesse vendo o mar pela primeira vez. Nunca, nunca antes havia visto uma água tão límpida, uma praia tão bonita, um conjunto inteiro de perfeição a perder de vista. A varanda da casa não ficava nem a vinte passos do encontro das águas do rio Jeribucaçu com o Oceano Atlântico. E o melhor elemento....não havia ninguém por perto. Ninguém. A não ser nós, os reis da praia.

É fácil ser realeza quando se tem uma população que compreende você e seus amigos.

Naquele ano, a UFMG nos agraciou com uma greve que perdurou seis meses, e antes mesmo do término da paralisação, eu já estava enamorado com aquelas terras, com aquele mar, com aquela praia. Na ocasião do feriado de Primeiro de Maio, eu já havia estado ali. E soube que minha definição de beleza terrestre para sempre havia mudado.

Quando a josta da greve estava para acabar, foi-me oferecida mais uma estadia no paraíso, desta vez por três semanas initerruptas. Imediatamente, soube que seria uma daquelas famosas oportuinidades únicas que a vida nos oferece. Hmmmm....ir para lá ou voltar para a faculdade? Aprender a se adequar devido ao bel-prazer de alguns professores ou aprender a surfar?

"Onde assino para trancar o semestre?"

Quando em Itacaré cheguei, soube que não havia cometido um deslize grave. Soube inclusive, meses mais tarde, que foi uma das decisões mais certas que já tomei na vida. Então, me esbaldei ao visualizar mais uma vez aquela varanda e sua visão do oceano. Ali tudo é mais, tudo é mais certo, mais bonito. Mas não somente de belas vistas fui agraciado naquela viagem.

Conforme sugerido antes, estava meu anfitrião empenhado em tentar ensinar a todos seus amigos mais próximos, a "arte" de surfar. Eu, com meus quase oito graus de miopia, minha fama por detestar todos os esportes e minha forma física um tanto patética, não levava muita fé na coisa, mas me esforçava em tentar aprender algo.

De fato, aprendi muito naquele mês. Eu descobri que mesmo sendo atrapalhado e menos capacitado que muitas pessoas, eu estava fazendo coisas que nunca supus ser possível para um nerd autêntico como eu fazer. Havia aprendido a apanhar as ditas "espumas" na arrebentação e ficar de pé na prancha enquanto a semi-onda, por assim dizer, te carregava. Para mim, já era um feito extraordinário.

Mas o Gengiva queria mais. Queria me ver no fundão com a galera, passar a arrebentação e ficar lá, escolhendo sua onda. O mar de Julho sempre foi mais revolto, e haviam ondas bem grandes para um mineiro branquelo que se foi meter a surfista. A primeira vez que se passa a linha das ondas, é algo meio que assustador. Você sabe que está numa aréa extremamente funda, e com correntezas. E as ondas são muito maiores de perto do que lá de fora.

E eu caía e caía, tomando altas "vacas", tomando vários goles da água salgada. Como é de praxe de um Buriol como eu, eu não sabia lidar com tal frustração, ficando cada vez mais puto e atrapalhando-me deveras.

E como a coisa cansa. Cansa, muito mesmo. Seus braços parecem que vão cair, no final de um dia daqueles. As férias chegavam ao fim e eu ainda não tinha tido jeito de conseguir apanhar uma onda de verdade, mas todos os dias eu lá estava.

Um final de tarde, quando o sol já estava se abaixando no horizonte, lá estávamos nós em mais uma "bateria" onde eu só tomava tombos. A coisa que eu sabia que estava errando era a avaliação de "ondas em potencial" que vinham se formando. Com minha miopia de Mr. Magoo, eu ficava lá naquela dúvida, "é ou não é uma onda?" e perdia muitas. Ou tomava aqueles imensos caixotes na cabeça.

Um dado momento, eu vi algo que parecia ser uma onda, e me pus a remar para tentar mais uma vez...E a coisa crescia de tamanho e me puxava, e eu, cansado pra caramba, batia os braços feito um desorientado. De repente, numa fração de segundo, senti a prancha se posicionar com o bico na direção da praia, e a onda estava me carregando. E este milésimo de segundo me fez saltar na prancha, fazendo aquele movimento que meses antes Gengiva tinha me ensinado e que as espumas tinham de mim cobrado o aprendizado.

Deu certo, sabe-se lá como. De repente, eu estava de pé descendo uma onda que devia ser rídicula em altura, mas para um cara como eu...foi como se estivesse descendo uma tsunami.

Acho que poucas sensações se equiparam àquilo.

E eu gritava a plenos pulmões, tamanho foi meu entusiasmo. Poucas ditas "realizações" em minha vida causaram-me tamanha alegria. Mesmo sem estar enxergando nada direito, eu via aquela espuma límpida sendo rasgada pela prancha, e sentia na cara um vento bom. Tudo era bom, tudo estava em ordem. Quando na praia cheguei, fui muito congratulado pelos meus confrades, e voltamos imediatamente para o fundo. Apesar do dia estar já quase morto, ainda consegui apanhar mais umas duas ondas, sem nem saber como eu estava fazendo aquilo. Como diriam sábios do cancioneiro popular da Austrália,

"Don't listen too hard to the beating of your wings,
Or you might fall.
You only do what you do because a part of you believes
that you're here at all."

Certo, certo. Eu sei que foi uma das melhores coisas que já fiz na vida, ter atendido ao chamado da irresponsabilidade naquele ano de 1998. Fez-me muito bem, ter esta noção que nem sempre somos tão fracassados como a lógica dita. Nem sempre. Às vezes surpresas podem acontecer, mesmo com realizações ditas tão impalpáveis para aqueles que nunca as vivenciaram.

Eu senti tudo aquilo. E me fez muito bem.



segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

A guerra do fanque.

Que diabos.

Ficou ali alguns instantes atônito, sem entender direito o que estava acontecendo. Sabia que tinha sido desperto, não por causas naturais. O que afinal de contas estava se passando? Ouvia, por perto de sua casa, perto de suas imediações físicas, um rumor estranho. Algo como uma miríade de bate-estacas ao redor, como se houvesse algo de terrível acontecendo.

O velho se levantou hesitantemente, e se dirigiu ao banheiro. A barafunda lá fora continuava, algo inimaginável para ele aceitar ou compreender a tal hora, na suposta calada da madrugada. Sua cabeça andava cada vez mais confusa e tinha consciência disso, embora às vezes não tivesse plena certeza disso, ou de mais nada. Diziam coisas com nomes estranhos todas as vezes que ia ter ao escritório daquele senhor que trajava branco e só se dirigia ao seus acompanhantes, e não diretamente a ele, o general.

Sim, general! Havia combatido com valor na guerra dos Tartufos contra os Sacripantas, e havia adquirido certos direitos que eram de berço. Berço de guerra? Melancias? Sua cabeça às vezes confundia tudo, e precisava de uma boa chacoalhada para assentar a poeira. Precisava também de limpar os tapetes da sala. Olhou para o espelho, e amaldiçoou seu bisneto. Sabia que o pequeno pulha pregava esta peça por vezes, afixando uma foto de um senhor que não o era no espelho, a fim de mangar com a pessoas do General.

General, sim! Lembrava-se das manobras de guerra e sobretudo, das piadas de caserna que deveria endereçar sempre aos seus superiores, em detrimento aos soldados e para triunfo de sua unidade. Contra os Tartufos! Contra os Sacripantas. Precisava também de dar de comer ao ornitorrincos rupestres que no fundo do quintal se acumulavam.

De repente, o som enérgico e urgente de uma sirene se fez absoluto no ar. Imediatamente ele se posicionou rente ao chão, buscando abrigo. Rolou para debaixo da cama e ficou a escutar. A sirene soou novamente, desta vez acompanhada de um outro som característico, algo muito familiar, como um som que ele já ouvira antes, tantas e tantas vezes. "Plim-plim"? Onde será que já havia escutado aquilo?

A sirene se repetiu, e desta vez foi acompanhada de um rumor claro de uma explosão massiva. Ele se alarmou. Deveria ser o retorno do Brigadeiro Quindim de Souza, com sua hora de Sacripantas. Provavelmente estaria tentando fazer um cerco à sua casa e pegá-lo desprevenido. Ah, mas isto não aconteceria! Ele nunca estava desprevenido. Mesmo que aquelas pessoas, gerentes ouy sub-gerentes um tanto vesgos que tentavam lhes ocultar sua identidade e que falavam difícil, mesmo eles não saberiam o que ele tinha em reserva.

Lá fora a guerra continuava. Seu coração fez-se apertado, subitamente, pois saberia que daquela ele não voltaria. Sabia que estava chegando sua hora e sua vez, e que desta vez ele faria valer seu nome. Seria a hora e a vez de Augusto Matra--

...não, espere. Aquilo não poderia estar certo. Era seu nome Augusto? Não era mesmo aquele outro nome que o agente de branco sempre se referia em sua presença? Al o quê mesmo? Alzarráimer? Como era mesmo?

Outra explosão se fez audível lá fora. E logo em seguida ouviu uma voz esganiçada a se lamentar num megafone ou coisa assim: "Tô ficando atoladinha, tô ficando atoladinha" Ele se horrorizou, enrijecendo as costas. Malditos Tartufos! Deveriam estar torturando aquela pobre criatura, a julgar pelo tom desesperado e desafinado de seus lamentos. E a sirene ecoava com todas as forças.

O velho se dirigiu para sua cama, arrastando-a de supetão. Poderia estar fraco, poderia estar velho, mas não se entregaria de tal forma passiva, nem permitiria que torturassem alguém daquela maneira hedionda com que estavam a fazê-lo ali perto. Atrás de sua cama estava o repolho, ou melhor dizendo, o esconderijo do repolho, ou ainda, o esconderijo do cofre do escondido repolho. Quanto tempo ele não comia salada de repolho!

"Plim-plim", lá de fora veio o tal som, enveredado na miríade de estranhos sons que ainda ecoavam do conflito de proporções dantescas que deveria estar acontecendo do lado de fora de sua casa. Com um movimento resoluto, ele abriu o esconderijo e de lá tirou sua carga mais preciosa, alembrança que havia armazenado com tanto cuidado por tantos anos. Acariciou o fardo, e se dirigiu ao banheiro, com o intuito de se vestir apropriadamente.

Depois de muito pensar a respeito da talassofobia e suas repercussões mundiais, o General se decidiu por ostentar o traje de gala que ali estava dependurado. Um tanto felpudo, aquela versão mais recente de tal traje, mas quem era ele para argunmentar com a junta de hum mil e quinhentos e nove e doze dúzias de Marechais Deodoros da Fo...fo....

Outra explosão rugiu lá fora, interrompendo a linha de seu pensamento. Ele se apoderou do fardo que há pouco havia retirado de seu esconderijo e para fora de sua casa se dirigiu, parando em frente à geladeira para prestar-lhe a devida continência e confiar-lhe suas últimas palavras.

Momentos mais tarde, os baderneiros de plantão que muito se divertiam em um estacionamento nauseabundo apelidado de "Mirante" continuavam a brincar com a paciência das pessoas que ali perto residiam, aumentando e diminuindo a intensidade do barulho que emitiam de seus "sons equipados com carros" que ali estavam. Traficantes, vagabundos profissionais e vagabundas do pior gênero, eram as pessoas que ali se aglomeravam em horas improváveis como aquela, na virada de um domingo para segunda, às quatro e meia da manhã.

Muito se riam ao imaginar o quanto deveriam estar incomodando os riquinhos de merda que ali perto residiam. E se divertiam mais ainda quando algum deles chamava a polícia - eles já haviam arranjado um esquema muito profissional para alertá-los de tal inconveniência de sua inconveniência. Um fogueteiro se postava em uma posição estratégica e os alertaria de qualquer eventualidade.

Entretanto, naquela madrugada, aconteceu o inesperado, o inusitado, o improvável: depois de muita farra, do meio do mato ouviu-se um certo rebuliço, e alguns dos elementos mais ditos "sujêras" chegaram a apontar suas armas de baixo calibre mas farta munição na direção do rumor.

Imagine o tanto que se riram ao ver sair do mato um senhor magro e alto, trajando um roupão rosa e um quepe de oficial do Exército. Quase se mijando de tanto rir, alguns dos elementos simplesmente sacudiram a cabeça e tornaram à baderna premeditada. Um deles entretanto, aparentando características de um líder nato, por assim dizer, exigiu que o intruso, aquele "velho coroca dos infernos" batesse dali em retirada.

Ao que o velho se contraiu todo, fazendo pose de importante, estufando o peito e afirmando para si e para os outros ao seu redor, "Monstros! Não permitirei que tais Tartufos levem a melhor perante cidadãos de bem! Não mais permitirei que torturem ninguém! Basta!"

O chefe dos tratantes arregalou os olhos quando o velho abriu de supetão o roupão rosa, exibindo um cinturão de granadas em seu peito magro. Com um movimento rápido, tirou uma delas, arranco também o pino em seguida, e com um sorriso maroto nos lábios, simplesmente abriu seus dedos, deixando a carga explosiva cair no chão, enquanto pensava orgulhosamente que haveria de comer muito repolho depois daquela noite.

Não chegou a sentir o calor do único tiro contra ele desferido, pois antes mesmo que a bala nele chegasse, a onda de calor e o som da granada detonando já havia tomado conta de todos seus confusos sentidos, arrebantando em série todas as outras pequenas cargas explosivas em seu peito armazenadas.

No dia seguinte, em todos os jornais daquela metrópole, o massacre da madrugada era comentado, de diversas formas. Ninguém sabia direito o que havia acontecido - se um velho gagá havia se fartado da balbúrida promovida por uma corja de desocupados hediondos, ou se um velho nazista havia se revoltado contra a manifestação festiva e inocente de um grupo de marginais da sociedade e feito o inimaginável.

Muito se fala até a data de hoje, e muito se diz. Mas nada se faz. Entretanto, nas imediações de tal cratera, os baderneiros nunca mais se aventuraram. E não mais a sirene decorrente da festa puramente incomodativa acordou pessoas, normais ou não, que por ali estivessem tentando dormir. Não mais aquelas pessoas que trabalhavam foram despertas pela turba de alegres desocupados, que às cinco iriam dormir até as treze, satisfeitos de terem estragado direitinho a segunda feira de seus "inimigos", antes mesmo que ela viesse a ter forma concreta.