sexta-feira, 30 de julho de 2010

A-3.

Dias desde a última anotação: 10.

A vida anda devagar por estes dias.

Nada de muito novo acontece por aqui. Ando cada vez mais entediado, e ainda não consegui obter nenhuma resposta sobre o que aconteceu no mundo enquanto estive...fora. Não consegui encontrar nada que se parecesse com uma biblioteca ou mesmo alguma espécie de arquivo morto desta sociedade que desapareceu da face da terra.

As carcomidas ruas estão repletas de pétalas de estranhas árvores amarelas, do tipo que nunca me lembrava ter visto por aqui antes. E são árvores, plantas adultas. Não são muito grandes, mas...leva um certo tempo para uma planta chegar àquele tamanho delas. Quanto tempo se passou?

Infelizmente, nenhum dos computadores abandonados que encontro por aí funcionam. Ri comigo mesmo, que eu deveria era encontrar um computador, acessar a internet e ler tudo a respeito da extinção humana. Talvez tenham feito um meme a respeito. Certo, certo. Muito divertido. Eu tenho que ficar fazendo piadinhas de mim para mim para me divertir. E sou um péssimo comediante.

A coisa mais excitante que aconteceu por estes dias foi eu ter encontrado um edifício cujo porão está amplamente inundado, e a água brota na rua defronte à ele. Me mudei para lá, uma vez que eu tinha que ficar sempre carregando garrafas e mais garrafas, baldes e outros vasilhames diversos para recolher a água que sai de algumas torneiras por aí. Mas nada funciona muito bem, depois de tanto tempo de abandono. No prédio que eu havia me instalado mesmo, nada funcionava.

Agora tenho uma espécie de rio particular bem em frente à meus alojamentos aqui neste outro prédio. Posso me lavar adequadamente, coisa que estava mesmo precisando. Estava ficando nojento. O lugar também atrai muitos animais, eis que é uma fonte de água. Estou começando a crer que terei que me virar em breve, caçando para comer. As comidas especiais da tal missão que embarquei estão raleando, e apesar de funcionarem, de me alimentarem por muitas horas e tudo mais, são uma verdadeira droga. Sem gosto de nada, praticamente. Parece que estou comendo uma borracha nutritiva.

Sinto falta de comida de verdade, de carne. Carne....suculenta carne. Bem sei que se tiver que caçar, não vou ter filés nem nada disso: ao contrário, ou comerei cão ou gato. Ou ratos, lagartos Parece-me que só existem estes animais vivos por aqui. Não avistei nenhum bicho de maior porte em minhas andanças por este universo arruinado por aí. Vou pensar a respeito. Talvez se eu me deslocar para uma área menos...urbana...eu encontre caça menos ordinária e menos...revoltante de se comer. Cães e gatos? Ratos e lagartos? Não faz muito meu feitio.

Mas assim que a fome surgir de fato, bem sei que mudarei de idéia. Melhor nem pensar muito a respeito, não agora.

Fora isso, ontem aconteceu uma coisa estranha. Estava andando pelas ruas aqui perto, e uma hora parei e escutei algo, que vinha de dentro de um prédio. Um som como se fossem vozes abafadas, mas falando em uma língua ininteligível. Fui entrando cautelosamente, tentando ouvir de novo alguma coisa, mas parecia que tinha sido somente minha imaginação mesmo.

Quando me voltei para sair do recinto, senti uma tonteira, e quase caí no chão. Me apoiei numa parede e tentei recuperar o equilíbrio. De repente, minha vista escureceu um pouco. Na hora pensei que estava com pressão baixa. Dias e dias sem sal, sem me alimentar direito, talvbez tinham causado isto.

Mas comecei a ouvir uma espécie de conversa na minha cabeça, no meio da sensação de estar flutuando, de não ter os pés no chão. Fechei os olhos, estava mesmo me sentindo muito estranho. Os sons dentro de minha cachola estavam realmente parecidos com uma conversa, dois timbres diferentes de "vozes" que interagiam entre si, mas nada do que eu "escutava" fazia sentido.

Abri os olhos e vi as coisas todas borradas ao meu redor. Não consegui fazer foco de jeito nenhum, mas pude perceber que haviam coisas diferentes no que estava vendo. Cores. Luzes. Talvez algumas destas minhas raçoes milagrosas que havia resgatado do laboratório estivessem estragadas, ou...não sei.

Fechei os olhos de novo, as vozes se intensificaram na minha cabeça, até ficarem altas demais. Eu tentei fechar meus ouvidos, em vão.

Gritei. Gritei de novo.

Após mais alguns instantes daquela estranha sensação, a coisa se dissipou, inexplicavelmente. Abri os olhos e tudo estava normal, a poeira, o entulho. Nada de cores, nenhum som a não ser o assobio discreto do vento lá fora.

Hoje fiquei sobressaltado o dia inteiro, esperando que tal sensação fosse retornar, mas até agora, nada. Me alimentei normalmente, comendo minha borracha sabor número três, bebi água, fiz tudo que faria num dia normal. Nada de anormal aconteceu. Mesmo assim, me sinto estranho, tenho uma espécie de estranho pressentimento me acompanhando.

Talvez seja só neura de estar ridiculamente sozinho neste local esquecido por todos. Abandonópolis, população: eu.

Vou ficar atento a qualquer manifestação diferente. Improvisei um bloquinho para carregtar comigo para todos os lados, tentarei registrar qualquer anormalidade assim que acontecer, e depois analisarei melhor estes dados.

Para quê, alguma voz me pergunta lá dentro.

Para ter o que fazer. Para passar o tempo. Para minha cabeça se desviar deste opressivo quase-silêncio que me circunda.

Enfim. O dia já vai morrendo, melhor eu apanhar mais alguma madeira por aí para me aquecer de noite, na pequena fogueira que mantenho acesa.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

A-2.

Dias desde a última anotação: 4.

Finalmente, consegui descansar minha mente, desligar um pouco de tudo. Já estava quase me esquecendo de como é bom dormir. Isto vindo de um cara que ficou...er, não sei quanto tempo de molho, dormindo dias e dias e sabe-se lá quanto tempo, pode parecer estranho, mas não é. O sono induzido naquela cápsula é muito estranho. Eu não me lembro de ter sonhado com nada, de ter sentido absolutamente nada, enquanto estava na tal hibernação. Quando acordei, parecia simplesmente ser o dia posterior ao que havia entrado ali.

Mas, a medida que os dias e noites passam, eu vejo que estava errado, muito. Ainda não consegui obter nenhum indício concreto sobre o que se passou. Sei que algo de muito sério deve ter acontecido enquanto estive...fora.

Não existe ninguém nesta cidade, nestes escombros, nestes restos do que um dia já foi uma das maiores cidades do mundo. A julgar pelo estado avançado de deterioração de meus arredores, creio que muitos anos se passaram desde que me esqueceram naquela budega lá. A poeira cobre tudo, alguns prédios já tombaram ou estão com as estruturas severamente carcomidas pelo tempo e pelas intempéries naturais.

Estranho. Fora a ausência total de pessoas, o restante dos seres vivos me parecem estar todos muito bem. As plantas estão tomando conta das arruinadas construções, como se estivessem retomando a posse daquilo que um dia já foi delas. Grandes animais, não os vi por aqui, mas já avistei alguns arredios gatos e vi ao longe uns cachorros. Preferi não chegar perto de nenhum deles; sabe-se lá se existe alguma forma letal de doença neles, algo assim.

Neste instante em que estou escrevendo estas tortas linhas, paro um pouco e penso de novo no que aconteceu. No que deve ter acontecido. E nada de concreto me vem à cabeça: as possibilidades são infinitas. Pode ter havido alguma guerra. Alguma peste avassaladora varreu a humanidade do mapa, etc. Não dá para saber.

A cidade queda-se estrnhamente silente nestas noites. Eu, que fui privado de tantos detalhes, pulei tanto dos acontecimentos, ainda estou mal-acostumado: ainda me lembro destas ruas todas iluminadas, apinhadas de gente. E me espanto, quando olho lá para fora e só vejo uma negra escuridão infinita, a perder de vista. Nenhuma luz é vísivel nos fantasmas esquecidos deste concreto armado, destas outrora tão modernas instalações. Tudo era tão cheio de vida, de barulhos, sons por todos os lados.

Nada. O único som que impera por aqui é o vento assoviando por entre os esqueletos urbanos. A única luz que existe é aquela que vem do céu....das estrelas.

Céus, como elas estão visíveis. Como elas brilham. Acho que nem quando moleque eu já tinha visto um céu assim, tão estrelado. Nem nas minhas fugas para os matos da vida, os acampamentos do exército, as idas para os locais remotos do mundo, em nenhuma parte eu havia visto um céu tão límpido. Tão claro.

Quanto tempo será que se passou?

Chego até a beirada do prédio que me abriga e olho para o alto. A escuridão só é interrompida pelos pontos brilhantes das estrelas. E penso naquilo que me disseram quando criança e que, por sei lá qual motivo, nunca me abandonou o pensamento; todas as vezes que olho para o céu eu me lembro do que me disseram.

Que todos estes pontos coloridos e brilhantes que vemos no céu, podem ser apenas lembranças do que o que algum dia já foi e hoje em dia não é mais nada; estão tão distantes que a luz de algumas delas está viajando em nossa direção, enquanto há muito a fonte de tal luz já se extinguiu.

O que vemos no céu são lembranças de estrelas, o último testemunho delas.

Olho para baixo, não vejo nada. Apenas uma escuridão massiva e absoluta. Nada. Nenhuma lembrança aqui do que um dia já foi uma cidade, cheia de luzes, sons. Nada.

Escuridão e o som do vento. Poeira. Ruínas.

Começo a sentir uma réstia de sono. Não sei quanto tempo irei dormir nesta noite, mas nem me importo. Não tenho pressa, não tenho que ter pressa.

Vou ver se consigo descobrir onde era a biblioteca municipal. Talvez ali eu ainda ocnsiga encontrar algum relato sobre o que aconteceu neste planeta, neste lugar, não sei. Amanhã eu tento descobrir.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

A-1.

Que surreal, tudo isto.

Fazem alguns dias que acordei, e desde então eu nunca mais soube o que é de fato dormir. Oque é descansar. Me parece que algum efeito colateral do procedimento é a ausência completa de sono, que já está perdurando mais tempo que eu gostaria. Uns três ous sete dias, nem sei dizer. Não me sinto muito cansado, mas sei que estou começando a manifestar sinais de fadiga mental, ao menos.

O que será que aconteceu? Quanto tempo será que se passou desde que me puseram no tal do congelador, como eu mesmo dizia, até que eu resolvesse acordar? Não sei. Que me lembre, o procedimento de testes iria durar, no máximo, uma semana.

Não é preciso ser nenhum gênio para entender que...algo deve ter dado errado. Muito errado. Estou me abrigando Nas imediações das instalações do teste, ao menos no que acho ser o que restou deste lugar. Não sou nenhum expert em porra nenhuma, mas acredito que se passaram muito mais do que sete dias, desde que me puseram pra dormir.

Tudo está arruinado ao meu redor.

Me parece que se passaram uns vinte anos ou mais. Quando acordei, demorei um bom tempo até conseguir sair da "sala de suporte", ou sei lá mesmo qual era o nome daquilo. Felizmente, o sistema de backup deste povo funcionou direitinho, pois estava tudo funcionando ali, todos os equipamentos para me reanimar por completo. Ainda bem que me treinaram a realizar todos os procedimentos sozinho, pois ninguém veio me socorrer. Levou um bom tempo até que conseguisse mesmo pôr meus pensamentos no lugar e me lembrar do que fazer em seguida.

Os interfones estavam completamente mortos. Ninguém parecia estar me monitorando, como nas outras vezes. Fiz o que tinha de ser feito e esperei, gritando para alguém, quem quer que fosse, vir me dar uma mão. Nada.

Umas três ou quatro horas depois, eu estava de pé. Minhas coisas estavam no armário do lado do freezer gigante, do jeito que tinha deixado, antes de embarcar no sono profundo. Comi muito daquela comida seca que dizem durar uma eternidade, bebi uma água, e resolvi sair dali eu mesmo. Digitei o código na porta, depois de muito chiar, ela abriu. Foi aí que me espantei.

O restante das instalações estava um lixo. Tudo revirado, tudo destruído, entulho por todos os lados. Já tinham me alertado, no príncipio do treinamento, que algo assim poderia a contecer. Evidentemente, todos os trainees muito se riram deste cenário profético e pouco animador. "Que bobagem, o chefe gosta é de pôr medo na gente."

Os tempos eram outros, eu presumo.

Apanhei minha mochila ao lado dos equipamentos criogênicos, enchi com todas as provisões que pude encontrar por ali, na parte não-arruinada do laboratório, procurei por mais qualquer coisa que me pudesse ser útil nas redondezas e saí, meio que já esperando o que eu veria lá fora.

Sei que costumam fazer exercícios mentais com candidatos a este cargo: dizem que inserem eletrodos que estimulam isto e aquilo dentro do cérebro, fazendo com que você sonhe. Sonhos programados, por assim dizer.

Será que estou sendo testado? Será que isto é real?

Estou me abrigando em uma ruína de algum imponente prédio, suponho eu que comercial. Armei minha "cama" num cômodo que possui uma ampla vista, quase 180º de visão. Quero estar pronto, caso aviste alguém, caso veja algo.

Achei papel e lápis nos restolhos deste edifício, e resolvi manter um diário. Caso alguém ainda venha a me encontrar, encontrará este relato também.

Caso isto tudo não seja apenas parte do treinamento, da seleção. Ainda assim, talvez estejam me avaliando. Tudo que circunda este tipo de treinamento é muito sigiloso, obscuro. Não te informam de quase nada.

O dia morre. A paisagem desolada escurece rapidamente. Resolvi ficar aqui neste andar mais elevado por ter um mínimo de bom senso ainda neste cabeção. Acho que aqui nenhum bicho ou algum sobrevivente deste...caos virá me importunar, sem que eu ao menos saiba que estão chegando.

Ainda não sinto sono. Acho que irei procurar por mais coisas que possam eventualmente ser úteis nas ruínas deste lugar. Felizmente, aquela lanterna horrível de fricção ainda funciona, apesar de ter péssima luz e de me exigir uma boa meia hora de nhec-nhec-nhec pra carregar, ela me serve. As outras lanternas que no laboratório achei estavam mortas: as pilhas se tornaram uma gosma nojenta.

Mais um sinal que muito tempo se passou, de fato.

Bem, vou ver o que consigo ainda encontrar por aqui, antes que fique escuro demais. Continuarei a escrever depois.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Dorme. Acorda.

-Tá estragado.
-Ah sim, eu reparei. Vi que havia alguém parado à beira da estrada.
-Pois é. Passam muitos por aqui todos os dias.
-Todos os dias. E às noites?
-Às noites eu durmo. Ou quase. Nem sempre.
-Sei. Como foi que isto estragou?
-Não sei muito bem ao certo. Má funcionamento; culparam os pais.
-Os pais? Mas o que eles têm a ver com este motor?
-Não sei. Talvez tenham sido eles que o planejaram.
-Não creio nisso. Acho que talvez tenha sido mais um golpe de sorte.
-Má sorte, sim. Talvez.
-Tudo depende do referencial. Da forma como é visto.
-Mas agora mesmo, eu não vejo.
-Sim, eis que estás cego por seus ditos olhos.
-Sim.
-Não, na verdade, quisestes assim. Quisestes ser cego, não enxergar o problema no motor a tempo.
-Será? Eu que venho tentando localizar a falha há tanto tempo? Tanto tempo estou cá parado neste acostamento.
-O acostamento se tornou um enconstamento, pelo que vejo.
-De fato, assim lhe parece, assim deve parecer a mim, que sou vós, que somos tu.
-Tantas facetas, tantas verdades, tantas realidades inseridas em um só corpo.
-De fato. Como fazer, para não enlouquecer?
-Tarde demais, já nascestes louco. E sabes bem disto.
-Ah, sim. Imaginei mesmo ter acordado para isto, mas era tarde da noite já.
-A noite vem de todos os lados, não somente quando é muito tarde.
-Sim, mas a esta hora ela vem mais depressa.
-Não vejo. Ainda consigo enxergar o motor, ainda consigo ver o problema.
-Talvez seja hora de acionar o resgate?
-Talvez seja hora de pagar o resgate, por assim dizer.
-Talvez seja hora de parar com a discussão. O que aconteceu afinal de contas?
-Nada sei, somente acho que teve a ver com os valores e a soberba.
-Com os valores?
-Sim. O que vale muito, não vale nada. E o que vale nada, vale tudo. Toda uma vida.
-Mas como sei disto? Como sabia disto? Como sempre soube disto. Eu sempre soube disto, não é verdade?
-Sim, de fato.
-E por quê para nada me serviu?
-Por que para ti, nada serve, nem mesmo o que lhe faria mais sentido. Queres sempre o que não tens, almejas sempre o que não és, sempre está aqui, sem nem ao menos de fato estar.
-É possível estar vivo assim?
-Sim, para muito desespero de quem tens que vos tolerar.
-Bem sei.
-Sei que sabes. Agora, deves saber o que fazer, não?
-Não. Senão não estaria aqui.
-Tens certeza disto?
-Não sei.
-Nem eu.
-Então, o que fazer?
-Esperemos. Esperemos.
-Mas e o Tempo?
-Passará, como sempre passou. É o que ele faz. Não te apoquentes.
-Gostaria de pensar como pensas.
-E eu, vice-versa.
-É raro conversarmos, sem cairmos na porrada.
-É que o Tempo dorme. O tempo, assim como a mente, está mais quieto, no momento.
-Gostaria que sempre fosse assim.
-Eu não. Dá no mesmo. Estaríamos parados.
-Existe algum conserto para aquilo?
-Acho que sim. Mas há que se estar acordado para agir.
-Em mais que um sentido, não é mesmo?
-É o que dizes. Seu fraco.
-Seu teimoso.
-Já devemos estar acordados. Já começaram as brigas.
-Claro, você sempre tem que dizer o que fazer, não é mesmo?
-Lógico. Eu tenho a lógica. Tu tens a falta de sentido, mané.
-Sentido! Que sentido existe na racionalidade? De que adianta seres diferente do que és?
-Não és porra nenhuma!
-Graças a você!
-Escroto!
-Filho da puta! Me deixa trabalhar!
-Eu não! Para quê? Para quê gasta meu tempo, meu valioso tempo, fazendo estas merdas, que não servem pra nada?
-Para mim servem! E já que fazes parte de mim e eu de você, você deveria aceitar isso!
-Não aceito, assim como não eceitas os números, as retas, as matrizes! A Contabilidade! O dinheiro!
-Dinheiro de cu é rola!
-Só se for no seu!
-No nosso, filho da puta!
-É!
-Vai logo, anda com isso. Olha lá, tudo torto.
-Foda-se!
-Para logo com essa merda, vai fazer algo de produtivo!
-Vá tomar no rabo!
-Vamos logo, então. Ao menos, mais agilidade nessa porra aí
-Cale-se, ô seu biltre dos infernos!
-Vamos logo! Anda, tempo é dinheiro! Dinheiro que não ganhas com isto, com esta merda!
-Vou mais é tomar um café.
-Certo. Isto concordamos. Anda logo e acende um canudo da morte também.
-Se é pra ver livre de você o mais rapidamente possível, acedo. Acendo.
-Porra nenhuma; se quisesse mesmo, já teria resolvido isto direito também. Covarde.
-Toma a joça do café, fedaputa.
-Agora, volte lá para seu dito trabalho, seu chorão.
-Vou é calar sua boca duma outra forma. Toma!
-Agora...eu só fico...com sono.
-Então...cale a boca....me deixa quieto aqui...
-Anda logo...seu...
-Isso, dorme aí, filho da puta....me deixa aqui....aqui não tem problemaaaa....

(Dormem ambos os hemisférios.)

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Adendum.


/obligatory.

ZzzZzZZZzzzZzzZzZzZzzzZZZzzzZZz.

Ressaca. Sempre existe, às segundas feiras. Independentemente do consumo ou não de inebriantes.

Não houve muito sobre o que dizer. Fim de semana familiar, com presença extra-ordinária em casa, velhos hábitos, velhos dizeres. E certas coisas não mudam nunca, de fato. E se existem pessoas doidas na família, é melhor evitar o confronto direto com alguém que nunca, jamais lhe dará razão ou ao menos ouvirá a razão. Esta voz já não lhe faz sentido algum por anos e anos.

Contemplar seu futuro estampado em outrem é por vezes penoso demais, entretanto. Verificar que a maldição familiar irá se concretizar usando seu corpo como veículo para o cumprimento de tal mal presságio é meio que apavorante, por vezes.

Certo ou errado? Não sei. Cabe ao tempo dizer. No momento, existem decisões mais periclitantes a serem tomadas, ao que me parece. Procurar novas perspectivas, se é que existem em algum lugar por aí. Que ironia. Me dizem que dariam um braço para fazer certas coisas. Que isto é um dom, uma dádiva, quiçá divina, segundo alguns dizem.

Eu afirmo que não sei se é tão legal assim, ser o diferentão, o que faz as coisas que só servem para os outros acharem legal, "muito doido, mó legal", mas que para pagar contas mesmo que é bom, necas. Vale nada.

O que fazer, o que fazer. Não sei. Inda mais em uma manhã vazia como esta que se afigura diante de mim. Sei que alguma coisa tem de ser feita, mas não sei o que é. Certamente, o mais certo não é embarcar no ocaso de inexistências pagas, em ambientes inexistentes no mundo dito real e palpável, mas mesmo assim, quem lá já esteve bem sente o chamado de volta, vez ou outra. E lhe dá ouvidos, dependendo da situação. Dependendo de como anda a vida, se é que ela deveras anda...ou se encontra parada no tempo e no espaço.

Dez horas depois, ainda estarei aqui, mas daqui me indo para ali. O que fazer ali? O que fazer de mim?

Ah-bem. Daqui a dez horas saberei. Pra que ficar especulando.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Cruz e espada.

...novamente, me colocam diante das duas.

No dia de hoje eu só penso no dia de ontem.

Na proposta de ontem. Do retorno a um certo caminho que, por muito tempo, julguei ser o errado. É o errado, deveras? Ou será a salvação no olho do furacão?

A salvação do que tem me acontecido? Do que me tornei por um dia mergulhar neste caminho? Neste oceano inexistente de nada, de um mundo que não existe, a não ser no nosso ideal...no virtual, nada virtuoso mundo.

O fato é que estou cansado de nada ser, mesmo fora do nada que era ali. Devo eu retornar?

Cara ou coroa?

Cinco. Coroa.

Abandonar o nada que não construí. Fácil. O que perderei com isto?

Estou cansado. E não vejo saída, não vejo alento no mundo real. Então para que insistir nele?

Não existe motivação, a não ser para as coisas erradas. Não existe interesse, nem meu nem de ninguém, nem por mim nem pra mim. Não vejo luz nenhuma neste túnel.

A não ser a que existe atrás de mim...uma luz de um monitor.

É isto? É isto que devo fazer? Quem me dirá?

Embrace the dark side, the dark isolation. With the crack or without it, you're just as useless, as hopeless in the real world.


Indeed.



...It's the end of the world as we know it.... - R.E.M.



"Ah, mon cher, for anyone who is alone, without God and without a master, the weight of days is dreadful."
-Albert Camus.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Maravilhinda cozinha de Afélia, a velha.

Do centro do caos, a zona, o nonsense. Hu-há.

-Bom dia brasil. Não, não somos a equipe de reportagem daquela outra emiossora, mas sim uma de sua ínfimas concorrentes, e estamos aqui reunidos para começarmos mais um programa Café da Manhã, onde aprenderemos a fazer um excelente prato para seu jantar. Temos aqui no estúdio o engenheiro de alimentos Hans Von H. Hamerzeit, que nos ensinará tudo que precisamos saber para fazer este maravilhoso prato. Eu sou Afélia com vocês. Bom dia, Hanz.
-Bom dia.
-E aí, qual será a surpresa deste prato? É um Strogonoff, não é?
-Sim, sim, ou como nós engenheiros costumamos dizer, a comida que liga e desliga, ho-ho-ho.

(ho-ho-ho)


-Ha, haha. Como és engraçado. Estrogonoficamente falando, qual é o segredo para se criar este prato?
-Bem, para se criar um prato, é necessário ou ser um deus ou moldá-lo em cerâmica, ou mesmo em "vridro", derretendo sílica.
-Não, não, eu digo, qual é o segredo deste prato que irás cozinhar?
-Pratos não se cozinham, madame. Somente alimentos são cozidos.
-Não é isso! Enfim, como é que se prepara este estrombelhete?
-Ah sim. Primeiro, precisamos pegar um frango, de prefêrencia vivo. Como existem muitos deles perambulando pelas ruas, é muito fácil. Eu já volto.

(o engenheiro sai para providenciar)


-Bem, eu não esperava isto. Mas enfim. Amiga, se você quer ter a pele lisa como vidro, agora é possível: basta que compareças à clínica Vidro de Vidro, e se submeta ao nosso tratamento, onde imergiremos V. Sa. no mais puro vidro líquido. Desta forma, não somente sua pele ficará lisa para sempre, mas também estarás preservada para todo o sempre! Isto é, até que algum imbecil esbarre em sua "estauta" e ela se quebre em milhões de pedaços. Mas aí poderás contribuir para o meio-ambiente, sendo reciclada em milhares de caquinhos presentes em...

(o engenheiro volta, esbaforido, carregando uma pessoa morta)


-Pronto, agora temos nosso frango. Como esta receita é especial para aqueles momentos desagradáveis em que nos vemos surpreendidos presos em alguma ilha deserta, só contando com outra pessoa para nosso sustento e subsistência, eu escolhi este imbecil de meia estatura, que é o tipo de pessoa que costuma entrar conosco neste tipo de roubada.
-Sim, fascinante. E como se prepara esta pessoa, digo, frango?
-Inicialmente, matamos o cara de surpresa, um golpe certeiro na base do crânio para desnortear a vítima, depois podemos simplesmente torcer seu pescoço. Ou se você quiser fazer um frango ao molho pardo, podes cortar seu pescoço e recolher o sangue num prato com um vinagrinho.
-Hmm! Mas que delícia!
-Delícia nada. Delícia é o sonho que eu tive hoje, em que eu tentava entrar na nave-mãe que pairava por cima de nossa cidade com um hovercraft, feito aqueles do De Volta Para o Futuro II!
-Sim, mas falávamos do frango...
-Ah sim, o frango. Bem, como esta receita é própria para estômagos fortes e russos, primeiro deveríamos imergir o corpo em água pesada, de preferência do reator de Chernobyl. Como não estamos perto de nenhuma instalação do gênero, eu trouxe este container de lixo tóxico portátil comigo.
-Interessante. E como fazemos para cozinhar o frango assim?
-Bem, primeiramente nós apanhamos um pedaço do braço, que é mais tenro neste caso, e botamos numa panela de chumbo, juntamente com esta gosma radioativa.

(plop)

-Nossa, como é bonito! Brilha no escuro, olha só.
-Sim, sim, é muito legal. Juntamos um pouco de amianto em pó (cof, cof) e mais uma pitada de pimenta do Principado, uma vez que o reino foi comprado a preço de banana, ho-ho-ho.

(ho-ho-ho)


-Depois, é só juntar tudo no acelerador de partículas das Oropa lá e acelerar até atingir o Higgs boson.
-Mas o acelerador de partículas nunca funciona.
-Aquela merda! Eu já falei pro meu amigo Gordon, o Freeman, pra consertar aquilo direito, mas tudo que ele conseguiu foi abrir um portal para Xen. Malditos Vortigaunts que nunca conseguem consertar nada por aqui.
-Sim, sim, mas neste caso, como fazemos então, sem um acelerador que funcione?
-Bem, podemos socar tudo dentro dum carro da Toyota. Ouvi falar que os aceleradores deles nunca falham. Funcionam tão bem que nunca desaceleram.
-Fantástico! Mas isso não é perigoso?
-Perigoso é eu fazendo todas aquelas manobras radicais em pleno ar, com meu hovercraft! Ah, como queria ter sonhos assim todas as noites!
-Mas estávamos falando do estrombelhete...
-Foda-se o estrogonoff! Eu queria era ter feito engenharia mecatrônica e fazer um hovercraft!
-Engenheiros são todos loucos.
-Nunca. Nós somos foda demais.
-Você é um engenheiro de alimentos.
-Hunf. Mesmo assim, sou engenheiro!
-Mas o frango...
-Dane-se o frango! Eu vou perseguir meus sonhos! Vou fazer um hovercraft!

(sai para providenciar)

-Bem, isto é embaraçoso. Eu suponho que eu possa continuar sem esta fraude de engenheiro. Depois de crescermos mais um braço no corpo devido ao contacto direto com esta gosma radiativa, acrescentamos cheiro-verde, cheiro-azul e cheiro-magenta, obtendo assim cheiro rosa.

(da platéia se ouve uma vozinha inquiridora)
-Mas estas cores não são todas primárias. Você vai obter cheiro marrom, no máximo.
(Afélia tira um trezoitão dos peitos, faz mira e abate a vozinha inquiridora)

-Pronto, agora temos mais uma porção de frango, podemos fazer uma receita dupla. Para facilitar, eu botarei toda esta josta para assar no fogo brando.

(Chega Marlon Brando)

-Me chamou?
-Não, não! Eu disse fogo brando! E você está morto.
(ele faz pose de galã-zumbi)

-Minha cara, eu tenho um fogo nada Brando aqui comigo.

(Afélia se enrubesce e ri encabulada)

-Ai, seu cafajeste! Assim me deixas encabulada.
-Vamos fugir deste lugar, baby.
-Foda-se o frango, vamos.

(a câmera acompanha os dois até a saída. O diretor do programa entra em cena)

-Nunca esperei que minha estrela do programa fosse também necrófila. Pois bem, aqui encerramos mais um...

(entra correndo o engenheiro)

-Consegui! Consegui! Eu fiz um hovercraft!
-O quê? Já? Rápido assim?
-Eu passei na frente da FUMAC e eles me deram o diploma de engenharia por honra ao mérito de atravessar a rua, provando assim que sou um engenheiro foda!
-Que doido!
-Não, não sou doido. Sou um visionário. Queres ser o primeiro a experimentar meu invento, que vai revolucionar a humanidade??
-Oba, oba!

(o diretor apanha a tal prancha e se dirige para a janela)

-Vou mais é já dropar de cara!!

(ele cai em queda livre até o asfalto e se estatela no chão, irremediavelmente morto)

-Ora. Esqueci-me de pôr as pilhas. Esqueci-me que precisaria de um reator de fusão a frio para gerar a energia necessária para que o transmogrificador de flicts gerasse 1.8 GW de energia. Ah bem, enfim. Este foi mais um programa Cozinhando nas Pradarias, e eu sou o Engenheiro Hanz von H. Hamerzeit. Obrigado por assistirem.

(da platéia vem outra vozinha inquiridora:)
-O que o H de seu nome significa?

-Halt. Sou Hanz von Halt Hamerzeit.

(a vozinha inquiridora prossegue, incrédula:)
-Halt, hamerzeit??



-Can't touch this, turururururururu....

-Sim, sium, obrigado por me acompanharem em mais uma sessão de Aprendendo a dançar Break na Alemanha Nazista. Boa noite.

-Mas é de dia ainda.

-Ah, fodas! Fim.


quarta-feira, 21 de julho de 2010

Pants.

It's there. It's still there.

At first glance, no-one would notice. No one would care, so to speak. But someone looked. Someone saw, the most unusual thing, and yet so concealed, so hidden amongst the everyday, every morning blandness, the monotonous scenario leading to your day job, your boring job, your boring life.

But there it was.

Through the bus' window pane, through layers and layers of dust and whatever people may have...deposited across the glassy surfaced over the days, over the years, you saw. You saw the most unusual thing.

While everyone else was staring at the TV screen placed carefully inside the bus, while they were busy checking their texts and whatnot, there it was, for people like you to see. For people that don't belong along, for people that simply aren't there.

People that don't live here, amongst us.

Only this kind of people notices such things. Only these fools care about these things.

Fools. They live here, but they're not here at all. They seem to be alive, but they're not. They're long gone. Dead. Dust to dust, ashes to ashes. Only a shell of a human being.

Only a shadow of what's expected to be a human being.

They don't like to talk about small things. They don't like to discuss everyone else's lives, they don't care about clothing, about style. They follow no trends, they follow no church. They have no God.

Can you imagine a soulless person like this?

Can you picture how hollow is to be like that?

They don't like to be at the spotlight. They don't want to be famous, at least not like the winner of the decade-old reality show. They don't want to be on the cover of Caras. They have no ambition, no drive.

They don't care about money, they don't care about cars. They purchase only the things they truly love, such idiotic items, pencils, picks. Guitars. Pedal effects. Papers, inks. They have no desire to buy the finer stuff in life. Ferraris. Calvin Klein shirts. Ray-Bans. Things that really matter, that really makes us unique.

They go on and on, displaying their lifeless faces, they are so empty inside. They are so wrong. They think twice before saying things that may harm other people. They care about friends; they even think they have actual friends!

When you're really alive, you realize that you are unique, you are your best buddy, and no-one else will ever love you like you love yourself, no matter how ambiguous and wrong that sentence may sound. You just know that money is love. That the things you buy define yourself as a person, a refined gentleman.

Such barbaric fools. They are so naive. They really think that human beings should care about this nonsense. They think that we're just as moronic as they are.

And when they realize that they are nothing but stupid, idealistic people, that's when they begin to die. And after a few decades, they're as good as dead. Vagrants of a human body, real human hobos. They think they're so special. So full of contempt with their so-called "higher values" and some other bullshit like that. In the 60s, they were hippies.

Now they are just...human waste. Nonproductive human beings, parasites. With all their ideals and shit like that. In the end, they go on living until they realize they are utterly alone in this world. In this humanity.

In the end, their fraternal friends, those that are really smart, abandon them to their fate, their certain doom. These friends they once valued so much, they just realize how foolish it is to behave like that. So they leave, they change their ways. They evolve. They progress.

And the soulless men, they remain there, sitting alone in a bus, looking through a dirty window, seeing a pair of red pants dangling from the high-security fence across the street. Only these fools would notice a dumb thing like that.

What is the purpose of noticing such things? What good will that do? Noticing these useless things won't get them laid. Won't make them any richer. Won't give them enlightenment or some crap. Won't get them nowhere.

And yet, the dead man still stares at the scene. The idiotic scene.

Such a waste of life. No wonder everyone that ever hung around these fools eventually abandon them. And that is so ironic, they actually think they are doing something good, remaining faithful to their twisted beliefs.

They're just pushing everyone else away. No one likes an old grunt. No one likes a negative person. No one likes to be friends to a fool that won't ever admit defeat, won't ever face the fact that their imaginary world won't never, ever, come true.

Well, it is just poetic justice. It is an evolutionary thing: they will be extinct someday; after all, they won't be able to breed. Thank our God for that.

Someday we'll be rid of these downers. Of these human nuisances, theses empty, broken robots that wander around the earth, trying to bring us down. Trying to show us that we should be like this or like that.

Someday, they won't be around no more.

And then, we shall rejoice.


terça-feira, 20 de julho de 2010

Quatrismos.

Quatrocentos e quatro,
não encontrado,
indefinido,
esquecido,
apagado.

Quatrocentos e quatro;
idéia não encontrada,
idéia rejeitada,
idéia com acento errado,
certo, certo. Idéia,
nenhuma.

404, não importa,
não deixo escrito,
nada vezes nada,
noves fora,
coisa nenhuma.

Quem fez disto uma idéia
um cerne, um assunto sobre o qual escrever?
Quem fez da desesperança sua moeda,
seu mais-valia, sua matéria do dia?

Quem disse que é legal escrever
sobre não ter idéias,
sobre não ter vida,
sobre ser o monstro do teto?
Quatrocentos e quatro monstros,
quatrocentos e quatro nóias
quatrocentos e quatro dias vezes nove anos
vezes todo o tempo do mundo

Dias e dias, quatrocentos e quatro é fichinha.
Dois mil cento e noventa para mais,
para menos, para cá, para lá,
sem ser, sem entender,
sem aparecer.

Quatrocentos e quatro, e cinco
cinco
cinco
cinco
Dez mil vezes eu, dez mil vezes dez mil vezes
Quatrocentos e quatro.

Quanto tempo, quantos anos, quanta década passada
repassada, desaprendida, desenganada?
Quantas vezes acordar para o nada?
Tentar escrever algo, e não dizer
nada

Quatrocentos e quatro.
Idéia não encontrada.
Estado rejeitado,
idéia proibida,
vida sem sentido,
acabada no nada,
quatrocentos e quatro vezes
vezes mil
vezes mim.

Quatrocentos e quatro coisas,
todos por mim,
eu contra mim
eu contra todos
quatrocentas e quatro vezes,
um milhão de vezes.
um bilhão de dias.

Sem me ver, sem saber,
sem acontecer, sem ser
sem querer saber,
sem sequer existir,
monstro no teto,
estranho no ninho,
estranho no mundo.

Quatrocentas e quatro vidas,
acabadas num só dia, num só instante.
Quatrocentos e quatro, erro fatal,
Aqui não estou, aqui nada acontece,
aqui vai tudo mal,
apesar de estar
tudo bem.

Bom dia.
Boa noite.
Como estás, como vai?
Que bom.

Quatrocentas e quatro lamúrias,
cale a boca,
volte a inexistir.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Um. Mil. Anos.

Sei, sei. Que despertei. Mas ainda durmo. Não aqui, não na mesa, não na frente disto, por detrás da vida, detrás dos minutos, detrás de atrás disto tudo, do que foi do que aconteceu, quiçá do que está por acontecer, mas por tudo que fui e que não fui, até o momento, até então.

Dormi sem despertar, ainda não, ainda não é o momento de acontecer, não é o minuto final, o derradeiro sopro de consciência de aqui estar sem nem ao menos poder se dar conta disto: estar sem ficar, ficar sem estar, acontecer sem nem saber, sem nem se importar. Passa, passou, passará.

Sei que ouvi a voz, alguma voz digna de ser chamada, de ser escutada, a salvação no meio da tempestade, no olho do furacão, voz esta que me procurou, me encontrou, me embalou em e levou, daqui para outro lugar, daqui para ali, sem nem saber, sem nem ter que saber, sem se importar com todo o resto, por mais pútrido que seja ele, seja o resto, pequeno e fraco ou o Resto, que tanto me consome, que tanto me devora sem nem ao menos me consumir por deveras assim o fazer, sem saber. Sem ser.

Não deixo de escutar a salvação sonada, sonante, sonora, irradiante, pulsante, eletrizante, atordoante, a retumbar em meus opuvidos, vibrando não somente meus ouvidos mas também algo mais, algo que clichês enumeram em genêros em demasia por entre a má poesia, o mau momento, o solene acontecimento mais recente do submundo musical que se estende diante de minhas cansadas e obsequiantes orelhas: quanto tempo elas procuraram em vão por tal sonoridade, por tais melodias, para assim do acaso as encontrar na dobra da semana, no final dos dias, no final da noite que se encerrou em notas nada magras, mas muito recheadas da carne estranhamente palatável das sônicas dimensões etéreas do além-mar, do além-mundo, onde após muito procurar, houve o encontro tanto dantes adiado de minhas expectativas com o que foi realmente tocado ali naquele obscuro momento, naquele exato instante.

Se aqui nunca estive antes, se tais notas nunca escutei antes, é por alguma falha no universo que me circunda: é como se esta música sempre existisse em mim, sinto-me assim, por demasia, por escesso, por estranho desespero, nada vulgarizado, sempre almejado, enfim encontrado.

O que isto me diz, o que dizes tu, ó sonoro momento, ó estranho acontecimento, único sentido para o ocaso de uma inexistência dominical, sabadal, por assim dizer, por assim ter sido? O que significas? O que queres de mim? Siga o som, me dizes, siga o som, assim entendo. Interprete e aconteça: não se deixe arrefecer, não se deixe. Lembre-se que sou perfeito, assim como também não sou; que existo com defeitos, e com mais qualidades, que aqui existo e aconteço dentro de potenciais e arranhões, entre a luz e sua ausência, sem sua onisciência, mas com sua onipresença: algo que em ti sempre existiu, sem que nem ao menos desses conta disto.

O que sou eu? Apenas o que se gravou, em um dado instante, em mero instante, em tanta fuga e vento, em todo este momento que aconteceu, que aqui esteve a partir deste momento, mas que sempre existiu em você. É o que amas, é o que queres ser, o que sempre foi, o que sempre em tu esteve, sem que nem ao menos fosse percebido, fosse escutado, fosse realizado. Até este momento.

Continuo vivo, por sua existência. Continuo vivo para escutar tal essência. Continuo vivendo, por almejar momentos como este, por almejar acontecimentos como este. Continuo; pois creio que mais momentos como este podem, devem existir, em mim ou além de mim, para mim e para outrem, para que todos nós possamos assim existir. Possamos justificar estarmos aqui.

Obrigado por salvar-me, por ao menos tentar me salvar, por ao menos um pouco de esperança me dar, para que aqui possa permanecer, ficar, sem ser sem acontecer, mas ao menos podendo dos deuses as vozes gravadas escutar, ao menos para mim, ao menos para mim, assim me parece, assim me pareceu, assim me soou.

Assim como o café e as vulgas substâncias que me mantém em funcionamento, assim o és para esta alma malfazeja que aqui acontece de existir, de se fazer escutar, ao tempo e ao vento, ao que houve em mim sem nem ao menos ter deveras acontecido. Sinto-me mais sólido, um tanto menos estólido, um tanto mais recarregado, energizado, por assim dizer.

E se a manhã é cinza, um yom de ouro a mais foi por mim depositado na espera por mais dias como estes que se passaram, sem existir nem acontecer, mas embalados na sonora lembrança, na sublime existência, no exato momento de ali estar para poder escutar, de ali estar para poder apreender, dali estar dem nem ao menos se dar conta, de existir sem nem acontecer. Sem ser.

Mas sendo, existindo, através de ondas sonoras, por outrem criadas mas que me espelham notas e refletem faces que nunca existirão assim como o ar que respiro, sendo sem ser, mas sendo assim mesmo. Sem perfeição, sem nem ao menos tentar, mas ainda assim o sendo.


Obrigado, obrigado, muitas vênias.



I found a reason to live again.

-----Adam Franklin, Birdsong.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Ovelha.

Quarta feira, dia 14.

Perdão.

Eu suplico pelo perdão de Deus.

Ontem deve ter sido o pior dia de minha vida, decididamente. O que aconteceu, por que aconteceu, não sei bem ao certo. O que fiz, que pecado cometi antes de tal dia treze, não sei, não me lembro de ter feito nada, cometido nenhum pecado para que Deus me inflingisse tamanho castigo.

Mas como diz meu pastor, a vontade Dele é superior, e ele quase sempre age de maneiras misteriosas. Amém. Devo aceitar tudo que Ele quer para mim. Devo ser Sua serva na terra, Sua serva fiel, não questionar Sua palavra, e sempre tentar entender as provações a que Ele me submete.

Mas por mais que eu tente, não consigo entender como tudo o que aconteceu ontem pode fazer parte de um plano Dele para minha salvação.

Logo ao chegar no meu emprego, o safado do Ateneu veio querendo me xavecar de novo. Já tinha dito para ele inúmeras vezes que ele não tinha chance comigo nem mesmo antes que eu conhecesse A Verdade, mas ele sempre vem atrás de mim do mesmo jeito. Ontem notei o quanto ele ficou contrariado por tê-lo rejeitado mais uma vez.

Logo em seguida, ao sair do vestiário, vejo os olhos do Zé cruzarem com os meus, e dali eles não largaram, por um instante que demorou uma eternidade para passar. Como sinto falta dele. Mas ele é um pecador, um maconheiro, um perdido na vida. Rejeitou A Verdade e minha nova vida com quase a mesma veêmencia que professo meu amor pelo Senhor. Ficou mesmo me gracejando quando terminamos, por acreditar que eu estava é me deixando ser enganada pelos pastores de minha Santa Igreja, por eles me cobrarem o dízimo. Tínhamos mesmo que nos separar.

Mas como dói. E como sinto falta dele, de seu amor...e mesmo chego a sentir falta de tudo que fazíamos, de tudo que compartilhei com ele, mesmo aquelas vezes que fumei e...Não, não devo, não devo deixar o diabo me tentar. Vade Retro, Satanás! Eu sou uma serva de Deus!

Mas sinto falta dele, eu sei. Eu achava que tinha encontrado meu futuro marido naquele homem, naquele pecador que rejeitou a Palavra. Como dói.

Porquê, eu ainda me pergunto, porquê. Por quê aquela mulher, aquela pecadora rica foi me aparecer ali naquela biboca de supermercado num dia em que minha alma estava tão quebrantada assim? Ela me tratou feito uma cachorra, uma serviçal; eu resisti à tentação o máximo que pude, mas depois de tanto destrato, de tantas atribulações eu não aguentei e me exaltei com tal distinta senhora, chamando-a de madame com uma pronúncia bem puxada.

Para quê? Ela armou o maior escarcéu, chamou o Ateneu, que na mesma hora custou a esconder a satisfação de ter encontrado uma maneira "legal" de se vingar de mim, de minha resistência em ceder a seus "encantos". E chamou também o Zé, e também o demitiu, bem na frente de tal madame. Eu não conseguia fazer nada. Eu me sentia absolutamente vazia, não entendia nada.

Saí dali com o chão a me faltar por debaixo dos pés, e caminhei a esmo por muitas horas. Acho que o demônio tomou conta de mim de fato, pois tenho vagas lembranças sobre o que se sucedeu. Lembro-me de ter ido atrás do Goiaba. Ele foi buscar um baseado para mim, e eu apanhei uma coisa que estava em cima de sua mesa, e escondi na bolsa.

Fui atrás do Ateneu, tentei implorar para ele não fazer aquilo comigo, mas ele muito se riu de mim, mas afirmou que pensaria no meu caso se... Eu deixei que o mal tomasse conta de mim, pois fiz tudo que ele pediu, tudo, tudo. Não me lembro direito em que momento apanhei a arma na bolsa e apontei para aquela coisa horrenda que ele diz ser de homem, e disparei. Eu não sei como ele ainda teve forças para me informar o endereço da mulher, estando daquele jeito. Eu queria matá-lo, mas não consegui, apenas me limitando a quebrar a garrafa de pinga que ele tomava sem parar enquanto me usava, cortar sua cara e jogar o restante da pinga por cima de seu ex-pinto e sua cara. Ele desmaiou e eu fui embora.

Tentei achar o Zé, mas parecia que ele não estava em casa, apesar da Dona Elvira ter me dito, apavoradamente, que ele estava em casa, que ele tinha bebido a noite inteira. Ela tremia feito vara verda. Eu estava coberta de sangue, mas não tremia. Dali, fui a pé até a casa da tal dona, e os cachorros do bairro todos latiam para aquela mulher coberta de sangue que por ali passava. Parei na frente do portão da dita e seus cães de guarda quase me morderam as mãos, que seguravam aquelas grades altas que protegiam aquela mansão.

Eu matei os três cachorros, um após o outro. Não sentindo nada enquanto disparava. Senti até uma certa demoníaca satisfação ao fazê-lo.

Logo em seguida, aquela bruxa surgiu no jardim, aos gritos, aos berros de que haviam matado "seus filhinhos" e nem sequer se deu conta que eu estava ali. Ela só olhava para os corpos daqueles cães do diabo.

Nem deixei que ela chegasse perto deles. Descarreguei o resto daquela arma naquela vaca. Fiz questão de me lembrar dos tempos de moleca que eu dava tiros de chumbinho em passarinhos e mirei bem na cabeça dela. Não senti nada na hora. Mas pude ouvir as sirenes ao longe, os gritos dos vizinhos, a comoção dos empregados por ela escravizados. Eu queria morrer, mas nem me lembrei de ter reservado uma bala para mim mesma.

Não me mexi até que a polícia me cercasse e me ordenasse a largar a arma. Deixei aquilo cair no chão, mas não fiz mais nada. Acho que desmaiei. Acordei horas mais tarde numa sala, cercada de policiais, que fizeram turnos em me surrar, para que eu confessasse, sem nem ao menos me deixar falar nada. Me afirmaram que eu apodreceria na cadeia, que aquela era uma mulher poderosa, seu marido era rico.

Não me importava. Eu estou resignada a cumprir minha pena, a sofrer pelo plano que meu Deus quis que eu executasse na noite passada. Porque foi Ele que quis. Ele que me permitiu. Eu sei que foi. Ele me controla, pois eu sou Sua serva. Eu faço o que ELE me manda.

Confesso ter feito tudo, policial. Confesso ser uma Serva de meu Deus. Amém.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Carnes.

Dia 13. Tinha que ser um dia treze mesmo né. Ô joça dos infernos de dia ruim do caralho. Perdi a porra do meu emprego hoje, me mandaram embora ao menos. Ao menos pude pegar a grana do FGTS e fazer uma festinha particular. Vou te contar, depois estranham que eu fico sempre de cara amarrada, sempre de mau humor. Só acontece merda na minha vida, putz.

Apareceu uma dona, mó granfa, aquelas dondoca mesmo lá no trampo hoje querendo lagosta. Porra! Lagosta num supermercado que é mais um supermerdardo que tudo?? Tá doida, dona? Foi o que disse pra ela. Acho que foi o que disse pra ela, puta merda, eu chapei demais hoje. Nem sei como tô conseguindo escrever alguma coisa aqui. Bem, eu tive que segurar pra não mandar a piranha à merda depois dela ainda fazer uns muxoxo de pouco-caso quando eu disse que nem fudendo que a gente teria lagosta. Ficou lá, achando ruim, fazendo cena. Eu só fechei a cara e saí de perto daquela bruaca, se tivesse ficado ali mais uns dois segundos eu teria esganado aquela vaca metida a besta.

Que inferno esse povo rico viu. Fazem muita propaganda que são isso e aquilo, são todos uns tronchos, uns bostas. Essas branquelas azedas então nem se fala. Ficam se achando pra caraio por serem desbotadas. Oras! Minha vó já dizia, quando trabalhava de diarista nas casa dessas puta aí, "São todas umas vagabundas, nem mesmo levar o copo pra pia elas levam, esperam que a gente faça tudo pra elas". E é assim mesmo, essa vadia de hoje só me atrapalhou a vida. Agora quero ver como vou pagar o aluguel desse barraco aqui.

Felizmente, eu pude encontrar o Goiaba e comprar umas parada na mão dele, depois inda fui lá no bar do Pé e paguei cerva pra toda minha galera. Se é pra ir pra merda, ao menos um pouco de curtição tem que ter no caminho, é oque sempre digo. Torrei boa parte da minha grana do auxílio desemprego do mês no buteco. Ah! Mas que se foda também, sabe. Eu tô vivo, porra! Quero mais é curtir enquanto puder.

Mas vou te falar viu, que vontade que deu de esganar aquele merda do Ateneu na hora que ele veio me buscar lá no açougue pra fazer aquela ceninha toda lá. Imbecil. Eu sei que ele arruma essas merda só pra tentar fazer o filme dele com o Leonardo, o gerentão lá. Porra, dá a bunda pro cara logo duma vez, carai! Se quer subir no emprego, sobe na vara, fedaputa. Odeio gente que faz isso, tenta fazer o filme queimando o dos outros. De certa forma, é até bão que eu saí daquela merda de emprego. Fico livre daquele imbecil.

Agora, ele foi muito pilantra em demitir a Carol também. A vaca da mulé lá ficou falando que Carol chamou a dita de madame altas veiz. Ora! E o que ela é? Madame, madame, madame, cretina dos infernos. Aposto que o idiota do Ateneu fez isso pra se vingar da Carol, que não quis dar pra ele pra subir de posto ali. Aposto.

Falo isso, mas nem sei viu. A Carol e eu já tivemo um caso, ela é uma mulher boa, de bunda e como pessoa, mas queria que queria casar comigo. Nem fudendo. Tenho estrutura pra guentar um rojão desses não. Tô querendo saber de filho nem nada, tenho cacife pra bancar um negócio desses não.

Puta merda, minha cabeça tá doidaraça até agora! Que esquema dubão que o Goiaba me passou viu. E tenho que admitir que eu bebi pra carai também. Nem sei por que cargas d'água eu tô aqui escrevendo essa merda até agora. Eu cheguei e capotei no sofá, bateram altas vezes na minha porta, eu acordei mas fiquei quietinho...se for a dona do aluguel, eu nem quero saber dessa vaca, inda mais que tô mega-quebrado e desempregado agora. Aposto que a vaca já ficou sabendo, fofoqueira do jeito que é.

Porra, eu quero dormir. Porque não consigo? Acho que vou fazer mais uma parada ali pra me acalmar os nervos. Vou ter que começar a procurar emprego de novo, haja saco. Nem quero pensar nisso. Não agora, porra.

Xô arrumar um esquemão ali então. Tô precisando, daqui a pouco os galo começa tudo a cantar.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Babão.

Terça-feira, 13 de julho.

Que diazinho miserável. Algumas vezes acho que deveria ter seguido o conselho de minha mãe e ter aceitado casar com aquela véia rica que veio xavecando pro meu lado uns anos atrás. Como a gente é burro quando temos apenas dezoito anos. Como fui bobinho: hoje em dia bem sei o que é certo, o que deveria ter feito. Ah, se a gente pudesse voltar no tempo...Dizer pra a versão mais nova da gente, "Para de ser burro mané, encara as pelanca e faz uma grana por cima."

Hoje mesmo lá no supermercado, apareceu uma dona toda chique, com aquelas roupa estranha que só as mulheres de classe usam, reclamando que a Carol tinha "faltado com o respeito". Eu, na minha condição de sub-gerente da loja, tive que mostrar serviço, inda mais pra uma madame como aquela. Quem sabe né, de repente a véia tá carente, precisando duns agrado aí...eu não cometo o erro que cometi quando moço, nem fudendo. Se aquela véia passasse de novo por aqui, eu passava o ferro. Pena que ela já até morreu. Feliz foi o Fagundes, que casou com ela e levou uma bolada, ah fedaputa dos infernos.

De qualquer forma, eu mostrei serviço e otoridade pra véia que pipocou no serviço hoje: eu mandei a Carol e o Zé pro olho da rua. Foi até bão também, o Zé era mesmo um encrenqueiro, que caçava briga com todo mundo que perguntava qualquer coisa pra ele. E a Carol...vadia, put reles. Nem quis me dar atenção naquela festinha do outro dia. Se ela tivesse dado pra mim eu teria dado pra ela um cargo melhor que o de caixa de doze volumes. Agora, ela que amargue o desemprego. Bom pra ela aprender não amarrar mixaria pros chefes dela.

Arrependi de não ter dado o meu cartão pra madame. Às vezes, ajo devagar demais. Eu deveria ter sido todo galante, adoro essa palavra chique, e me oferecido para ajudá-la a escolher as verdura fina que ela queria lá, e de quebra perguntar, "A senhora gosta de ver duras então né?" e oferecido casualmente pra dar um trato na véia. Ah, ela iria comer na minha mão, e eu na dela, pegando altos presente por fora, e quem sabe né. Um golpe do baú sempre pode ser aplicado, inda mais hoje em dia, que não sou mais o bobão dos dezoito anos, que só queria as cachorra com as bunda empinada, com os peito fino e tudo mais, mas sem um puto no bolso também.

Quero saber de sustentar ninguém não, já me fartei de ter que pagar pensão praquela vadia que dei o azar de engravidar anos atrás. Merda, a vaca sempre consegue me achar, faz o maior escândalo e eu tenho que pagar alguma merreca só pra calar a boca dela. Ah, se eu conseguir juntar uma grana eu juro que ainda mando o Goiaba apagar essa puta viu. Vou ver se faço até uma poupança pra juntar essa grana. Vadia. Nem sei se aquele filho lá é meu porra nenhuma.

Mas de qualquer forma, armei terreno com a mulé chique lá hoje, se ela aparecer de novo por lá eu farei questão de informar que os empregados sem-educaçãos foram demitidos, que não mais incomodarão a digníssima senhora. É, Carol chorou pra caraio quando mandei ela arrumar as trouxa dela. O Zé só me olhou com uma cara de putaço mas não fez nada. Também, quem ele acha que é. Nem pode fazer nada, um pé rapado daqueles lá.

Porra, estão batendo na porta. A esta hora? Só não ser a vadia da Carol com choradeira...Bem, se for, quem sabe ainda arrumo um jeito de traçar aquela putchanga lá, com a vaga promessa de tentar arrumar o emprego dela de volta né. Saco, tão batendo com força. Espero que não seja a outra vaca lá. Xô ir lá ver de colé.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Madame.

Terça-feira, 13 de julho de 2010.

Hoje fui humilhada, em plena luz do dia. Minha mãe bem dizia para eu nunca frequentar estes locais onde as classes mais baixas da sociedade se abastecem de seus horríveis víveres, aquelas cervejas baratas, pão seco e duro e todas aquelas coisas baratas e infinitamente inferiores às que costumo comprar no Caríssimus daqui do bairro. Gente pobre é meio que animalesca demais para meu gosto, bem entendido.

Mas aconteceu de que meu supermercado preferido estava fechado devido à algum fato inda por mim não definido, e o incompetente de meu chofer não sabia de nenhum outro estabelecimento digno de receber uma pessoa de minha refinada estirpe em seu interior, então fui forçada a ir ter àquele antro de pessoas sub-humanas em sua existência embrutecida por sua ignorância, sua má índole e seu baixo poder aquisitivo. Coisas que somente uma desgraçada como eu tenho que enfrentar em meus jantares. Dorinha Daspu nunca teve que enfrentar tamanho constrangimento, aposto.

Enfim, a hora de meu soberbo jantar se aproximava e não tive escolha: tive de ir naquele Supermercado do Povão, mesmo sabendo de antemão o que iria encontrar ali, toda aquela gente maltrapilha e barulhenta, sem um pingo de educação. Minha cunhada, assistente social nas horas vagas, me diz que tenho que conviver mais com este tipo de gente, para me sentir mais humilde e mesmo para valorizar mais minha vida distinta nesta sociedade. Após esta visita a tal estabelecimento, creio que me afastarei o máximo possível deste tipo de gente.

Eu precisava de comprar endívias, couve de bruxelas e lagostas, coisas que sempre encontro no Caríssimus. Errei feio em crer que este povinho teria se educado a degustar alimentos mais dignos dos seres humanos mais requintados, eis que não somente não consegui encontrar nenhum dos itens por mim ansiados, mas fui destratada pelos ignorantes funcionários de cada sessão. Nem mesmo camarão fresco havia na seção da infame peixaria de tal pocilga. Quando comentei que o funcionário que me atendia estava sendo muito grosseiro para com minha pessoa, recebi escandalizada um xingamento digno de um pedreiro, de um jagunço nordestino, algo assim.

Lembrei-me de meus conselhos de minha psiquiatra e resolvi não dar asas à minha raiva, e ignorei solenemente tal brutamontes, dirigindo-me triunfante para a seção de hortaliças. Ali, por algum milagre, consegui encontrar algumas endívias, que estavam marcadas erroneamente como almeirão. Já a couve de bruxelas foi impossível de ser encontrada. Como queria sair dali o mais breve possível, me dirigi apressadamente ao caixa, onde muito me irritei: a atendente que ali trabalhava conversava muito com todas as pessoas à minha frente. Eu fiquei pigarreando deveras, para ver se tais criaturas se tocavam e abandonavam aquela conversa frívola de novelas e filhos cobertos de catarro, mas mesmo assim uns bons quinze minutos se passaram até que minha vez chegasse.

A caixa, que já havia me olhado com olhos irritados momentos antes, creio que por não aceitar minhas sugestões para o incremento de sua agilidade na estúpida função que ali desempenhava, foi extremamente grosseira comigo, e chegou mesmo a se irritar quando questionei o preço de tal endívia, que estava muito amassada pelo contato com todas aquelas mãos rudes daquele povão que ali frequenta, e teve a audácia de me chamar jocosamente de madame.

Naquela hora, me exaltei e chamei o gerente daquele infecto estabelecimento. Expus-lhe todas minhas agruras ali passadas; as injúrias por mim desferidas pela caixa e pelo açougueiro, e reclamei da falta de agilidade dos atendentes e do risível estoque de víveres decentes ali existente. O gerente, este uma exceção à regra do local, vendo minha posição social mais elevada e mais digna de ser tratada diferenciadamente, ficou a meu favor, muito se desculpou e prometeu agir energicamente em relação aos seu dissidentes funcionários.

Saí dali muito contrariada, mas triunfante. Sei que fiz valer meus direitos de cidadã preferencial, com posses e educação refinada, contra àquela selva de animais que se encontrava naquele supermercado infame.

Meu jantar foi um sucesso, e como costuma recomendar minha analista, cá estou escrevendo sobre as experiências do dia, ainda que tenham sido deveras enervantes. Mas sei que devo manter minha cabeça erguida e ignorar os ignorantes, os pobres de riquezas e de espírito que abundam neste país que vivo, tão diferente da europa. Um dia ainda convencerei meu marido a mudar para lá.

Os malditos cães de guarda estão latindo muito esta noite. Creio que os gatos de minha vizinha estejam novamente passeando nos muros que me protegem desta realidade sórdida deste povinho que me circunda. Penso em acordar meu motorista para os enxotar, mas não irei fazê-lo: minha terapeuta diz-me que devo ter mais iniciativa e tentar resolver as coisas por minha própria iniciativa. Irei ver o que é e depois me recolherei.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Ser.

Segunda feira. Esfregar olhos, olhar para os lados, não querer sair da cama. Não não não, daqui não sairei, ninguém sentirá miunha falta, ninguém se importará, caso daqui não saia eu, não saiamos nós, não saiam vocês, entenderam? Fiquemos e fiquemos, nos embasbaquemo-nos com tudo que acontece, que poderá deixar de acontecer, caso daqui não saiemos. Saiamos? Quem sabe, quem se importa?

Mas é preciso sair, é preciso integrar-se, fazer parte, existir, coexistir. Belas palavras, o que significam? Existirá significado para tudo isto, para todo este absurdo que sempre precede a semana, que sempre antecede a queda de uma pessoa? Que sempre existiu, mas nunca consentiu que fosse, que existisse, oculto sob as penas da lei , da moral e dos bons costumes, da TFP, especialmente T, meio que sem F, quase sem P, e com muito M, que nem ali se encaixou, por assim dizer, por assim saber.

Segunda-feira. Dia sem eira nem beira. E à porta da feira, da imensa feira que é a quitanda humana, espero minha vez de, como os vegetais expostos aos gulosos olhos dos transeuntes, espero minha vez de ser consumido ou simplesmente apodrecer e ser atirado ao lixo, à vala comum dos demais legumes descartados pela alheia cozinha de Ofélias, de Dirceus e Ateneus.

Segunda feira. Muito aconteceu, mas nada mudou. Muito se foi visto, nada apreendido, nada aprendido. Hei de levantar, de ir ter ao Trânsito, de apanhar flores e levar o dinheiro, que poderá me ser útil na caminhada rumo ao que não entenid nada ao assistir tal película. Quem era e o que era, aquilo tudo que caía e se desmanchava? Era eu? Era ela? Eram as inacabadas histórias dela, rejeitadas, incompreendidas, inacabadas? Ou era só um filme que não entendi direito?

Segunda. Levante-se, ganhe o mundo, perceba que ele é todo alheio, entretanto. Que tudo que você deve fazer é ser o que você é, mesmo que isto lhe repugne todo seu interior, já massacrado voluntariamente, dia após dia, assim e assado. Dias e dias e meses e horas e anos e décadas, tudo em vão, pois não é permitido, não é acontecido, é escondido, assim e assado, assim deve ser, mesmo não podendo ser. Mesmo que não queira tu, não queiram vós não queiramos nós, aqueles que existem sem existir, sem saber para quê respiram. Até quando existirão, até quando respirarão, existirão sem que sequer saibam o que são, por deveras serem o que não querem ser.

Levante-se, ganhe o mundo, faça valer, faça acontecer. Mesmo sendo não sendo, sendo o que não és, o que nunca julgou ser possível ser, sendo assim ,assado, querências, ausências, mentiras, alheias existências.

Erga-se, é segunda. Deves se juntar aos outros. Deves ser como os outros, mesmo não sendo.

Eia, é segunda, seja sem ser.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

O cerco final.

(Fragmentos do diário de Alexander Morozov)

Berlim, 20 de abril de 1945.

Minha divisão chegou ontem a este...antro. Esta capital da podridão humana. Da loucura, da megalomania. Nunca me senti tão próximo de um abismo, de toda a denominação do mal, como me sinto agora. Quase tenho nojo de estar respirando este ar, este mepesteado ar que já passou pelos pulmões desta...corja, destes seres.

Não achava que fosse sentir tal coisa, ao menos não do povo alemão em si, pois alguns generais mais experientes, mais idosos falaram aos Soldados do Povo, camaradas defensores da Pátria e enfatizaram este ponto. Muitas vezes os civis não necessariamente acompanham os delírios de seus comandantes.

Parece não ser o caso aqui. Pois no caminho de Varsóvia até aqui, eu vi muitas coisas que me deixaram embasbacado, mesmo aterrorizado: crianças no front. Pequenos alemães, se matando e matando em nome de Hitler. Um deles chegou a destruir um de nossos tankes com uma panzerfaust que era quase maior que o pirralho.

Tenho arrepios de pensar no que aconteceu depois, quando o detestável infante caiu no chão após o disparo. Todos os camaradas atiraram granadas em sua direção.

Quase todos. Não consegui fazê-lo.

E o pior, o pequeno rato ainda conseguiu atirar de volta umas duas delas, antes de ser despedaçado pelas explosões das outras que não apanhou a tempo, ferindo gravemente um camarada. A cena não saiu de minha cabeça por umas duas horas. Tivesse isto acontecido anos atrás, creio que teria enlouquecido.

Por estes dias, nem mesmo uma coisa grotesca como esta amortiza meu ódio por esta corja. Por esta escória humana que ainda resiste ferozmente aos nossos esforços em aniquilá-los. Eu sei que me dedico a esta causa com uma paixão quase avassaladora. Quero que todos eles morram. Bando de loucos, animais imundos. Assassinos covardes, traidores. Porcos hediondos.

Por vezes, quando o combate amorna e quando tenho tempo para fantasiar, imagino que serei eu que irá ser o primeiro a entrar no covil do maior monstro que a europa já produziu. Tenho quase prazer ao construir mentalmente tal cenário: serei eu que irá desferir o primeiro tiro contra aquele crânio que encerra o pior cérebro humano jamais nascido, se é que podemos chamar aquilo de ser humano.

O progresso de invasão desta cidade é lento, pois eles estão empregando todas as forças restantes para tentar defender sua capital. Achei que jamais poderia atirar contra crianças, contra velhos, contra seres aparentemente inocentes, mas já vi muitos destes "anjinhos" atirarem impedosamente contra Soldados do Povo caídos nas ruas. Por mais que isto manche minha alma, eu já nem me importo mais. Arranco um pino de uma granada e atiro em direção aos odiosos ratos mirins ou seniôres...e fecho os olhos.

Ainda resta um pouco de nojo de mim mesmo por dentro, creio eu. Mas eu empurro tal fraqueza com as botas, afogo-a na lama que se tornou minha alma em si. Não tenho muito mais com o que se importar.

Suspiro profundamente ao escrever tais linhas em meu diário. Bem sei que já fui diferente. Que já fui...humano, por assim dizer. Mas quando recebi a notícia que os alemães haviam massacrado parte de minha família ao invadirem a Pátria-Mãe, eu chorei minhas últimas lágrimas. Após sofrer por dois dias uma lancinante dor, algo como jamais havia sentido antes, não senti mais nada além de uma determinação em enterrar até o último destes animais.

Abandonei relutantemente mas decididamente meu emprego na fábrica estatal e fui me apresentar ao posto de recrutamento. Empenhei-me como ninguém a superar as dificuldades do escasso treinamento e aprendi rapidamente a manejar meus instrumentos de trabalho.

Nas primeiras semanas eu ainda fazia contagem de quantos porcos eu matava por dia, naquelas batalhas sujas e frias. Bem certo foi que quase senti o restante de meu espírito já quebrantado fraquejar quando efetivamente tirei uma vida alheia, mas tive sangue-frio o suficiente para conseguir me manter frio e determinado, e após meu primeiro dia de guerra propriamente dita, já havia arrastado vinte e dois porcos para o eterno abismo que lhes esperava.

Não senti nenhum remorso, não senti nada além daquele primeiro tremelique ao exterminar o primeiro de muitos daqueles pestilentos animais. Dormi feito uma criança na primeira noite de combate; mesmo que tenha sido por muito pouco tempo, algo girando em torno de menos de uma hora, creio eu.

Explosões e gritos abundam ainda ao meu redor, nesta madrugada sangrenta em que meus camaradas e eu avancamos por uma divisão destes porcos, não deixando nenhum sobrevivente para trás. Estamos chegando perto do reduto final do monstro-mor, do líder desta raça subhumana, que se proclamou ser sobre-humana. Que ironia.

Queria muito ser eu o primeiro a disparar um tiro contra Hitler. E sei que seria apenas o primeiro disparo. Creio que meus camaradas fariam carne moída com este monstro. Disapararíamos toda nossa munição contra aquele super-homem de araque, aquele maluco, facínora, megalomaníaco ser.

Mais alguns dias, sinto que terei que esperar. Querem apanhá-lo vivo, mas bem sei que nehum russo que se preze irá conseguir segurar sua ânsia em pressionar o gatilho. E sei que nossos superiores nos repreenderiam mas entenderiam. Aposto que eles mesmos almejam exterminar o monstro sem dar nenhum julgamento. Nenhum direito de se defender.

Preciso sair, caminhar um pouco. Até diria respirar um pouco de ar fresco, mas isto não existe nesta cidade empesteada do demônio. Esperarei ansiosamente minha oportunidade de matar mais algumas destas baratas humanas. E finalmente poder retornar a meu lar.

Meu vazio lar, graças a estes animais imundos.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Encruzilhada.

(Excerto dos escritos de Johan von Zimmermann)

Bastogne, 15 de dezembro de 1944

Sieg heil.

Pouco significam tais palavras para mim, nestes dias tão sombrios. Bem sei que seria executado aqui mesmo, neste buraco esquecido por quase todos, se me apanhassem escrevendo estas coisas. Não me importo. Queimarei estas notas, assim como tenho queimado todas as outras que tenho escrito por estes dias.

Estou cansado da guerra. Estou cansado deste dever que me impingiram, por ser "ariano". Por ser austríaco como der Führer. Por ser "superior" a todos estes ditos porcos que estão nos cercando. Nos acuando. Estou cansado de tudo isto. Tenho saudades de Vienna, das noites aconchegantes ao lado do fogo com minha Hanna.

Fazem dois anos agora que estou em combate contra os inimigos do Reich. E nunca, jamais concordei com nada disso. Para mim Hitler sempre foi apenas um histérico, um louco. Conquistou a nação toda com gritos e promessas, estranhas promessas de dominação, hegemonia e outros tantos papos furados.

Escrevo isto e muito me rio, pois se me flagrarem aqui neste celeiro desta cidade fantasma, escrevendo tais...blasfêmias, como diriam meus superiores, eu seria linchado, esfolado. Não me importo. Estou cansado, estou derrotado. Quero que tudo isto acabe logo. Quero que todos os ditos "porcos imperialistas" que nos cercam invadam esta droga de encruzilhada dos infernos e acabem logo com isto.

Mas não quero morrer, não. Quero ainda um dia voltar para Vienna, para Hanna. Quero me casar, ter filhos. Já vi demais de toda a miséria humana, e tudo que um louco pode levar um povo a fazer em seu nome. Já vi muitas mortes, já vi muito de tudo aquilo que esta loucura pode proporcionar aos olhos de um homem que não tenha sido contaminado pela loucura inflingida por meu compatriota. Meu superior, meu deus, ocmo costumam tratá-lo. Sim, deus.

Não para mim. Nunca. Jamais.

Graças a esse maluco, estou aqui quase congelando meu traseiro enquanto escrevo com sobressalto e repugnância tais linhas. Graças a esse doido varrido, muitas pessoas que eu gostava, que tinha amizade, já sumiram no mapa da Europa. Já foram extraditados para os Campos da Morte, onde a solução final lhes espera. Eu sei de tudo isto,pois quase fui "voluntariamente" recrutado para servir em tais abjetas criações de nosso dito líder. Escapei, felizmente: prefiro morrer em combate, inútil combate do que assistir à toda aquela bárbarie.

Um arrepio passa por minha alma toda vez que penso na palestra que ministraram aos "voluntários" para os campos. Felizmente, apanhei uma gripe horrenda na semana de embarque aos "abatedouros de judeus", e fui erroneamente diagnosticado como tuberculoso, muito para minha fortuna. Fui dispensado e quase desenganado, mas infelizmente melhorei ainda no hospital e fui novamente incorporado.

Escapei dos campos, ao menos.

Mas tive que lutar na praia de Omaha. Tive que trucidar muitos soldados inimigos. Descarreguei muita munição pesada contra homens. Assisti à agonia de muitos deles naquela praia sangrenta. Assisti muitas coisas horrendas, que me acompanharão pelo resto de minha vida. Tive que fazê-lo, fui obrigado a fazê-lo. Felizmente, meu oficial do abrigo, era covarde o suficiente para nos levar a uma fuga desenfreada momentos antes dos aliados tomarem controle de toda a praia. Ele está tendo que responder por crimes de traição. Será provavelmente executado, a meu ver.

Nestas horas é bom ser apenas um soldado. Fiz o que me mandaram fazer, mein Führer! Me desculpe, mein Führer! se meu superior era um covarde! Sieg Heil!

Alguém se aproxima. Melhor para por aqui e

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Para onde?

A vida é composta de irregularidades.

Não existem duas árvores simétricas; lado a lado tudo parece diferente, e bem o é. Assim como tudo mais ao redor: não me importa se temos tal simetria bilateral, biologicamente falando. Ainda assim, um lado não é igual ao outro. Tudo diferente, irregular. Faz parte da vida, ao que me parece. Faz parte e deveria ser algo natural aceitar isto, de forma natural, de forma normal.

Mas, sendo tudo irregular, as pessoas também o são, e algumas não aceitam uma naturalidade óbvia desta com naturalidade, pleonasmo por pleonasmo, repetição por repetição. Isto é normal, por assim dizer: assim com existem pessoas que gostam de chocolate, outras não o toleram; assim como existem seres que realmente curtem algo como o fanque carioca, a outros ouvidos tal abjeção soa como se estivessem atarraxando um parafuso em seus ouvidos.

Hoje mesmo, eu poderia continuar minha "escrevissão" acerca do tema iniciado nesta semana, mas depois do dia de ontem, senti mais necessidade de um pouco filosofar por aqui. Irregularidade nos temas. Já visto dantes, já experimentado, consumado. Assim o é. Em minhas circunvoluções desta massa encefálica, tudo se processa a milhões de pensamentos irregulares por segundo, e bem esperava eu que pudesse encontrar ajuda profissional junto ao meu plano de saúde, mas novamente fui levado a crer que planos de saúde mais tiram sua saúde que a salvam.

Não, não irei dar prosseguimento a algo que, a meu ver, só irá me trazer mais confusão e mais despesa, com estranhos fármacos a me constipar e, de certa forma, piorar ainda mais o que já existe nesta imensidão caótica que é este universo que reside encerrado nesta cachola. Uma vez por mês? Meia hora por vez? O que é isto? Uma piada?

Medicamente falando, deveriam ter é vergonha de oferecer semelhante "auxílio" e ainda cobrarem caro por isto. Mas não significa isto o fim de minha busca por uma certa sanidade, há muito perdida e há muito procurada. Existem alternativas; um tanto mais salgadas, é verdade, mas é um investimento necessário, a meu ver. Veremos.

Poderia continuar a residir nesta galáxia de mim mesmo, população: eu, pelo resto da vida, mas mesmo os mais eremitas dos humanos por vezes têm que admitir que, sozinhos, não valem nada.

Lado outro, existe algo teimando em buscar tal solidão, por estranhamente, erroneamente. Bem sei , bem sabem, como já se cansaram de ler aqui, vários pares de olhos.

Prossigamos, irregularmente, erroneamente. Não sei para onde ir, não sei de quase nada mais, mas toquemos o bonde. Dia pós dia, bizarrice após bizarrice. Algumas vezes, milagres acontecem, pessoas se encontram após procurarem anos e anos e anos a fio, encontram algo que julgavam não ser possível para suas existências, e se surpreendem. Dizem, e já vi. Ontem mesmo eu vi e ouvi.

E se tais mudanças são possíveis, são também irregulares como restante das coisas. Acontecem muitas vezes ao acaso, e outras tantas vezes a coisa pode vir no momento mais desesperador, como já disse o refrão musical:

You can lead a horse to water
But faith is another matter
So don't you surrender
'Cause sometimes salvation,
in the eye of the storm.

---Black Crowes, Sometimes Salvation.

Então, esperemos, busquemos, pensemos. Alguma saída deve existir, há de existir. Algum sentido nisto tudo, ainda que no momento nada faça muito sentido. Enquanto isso...paciência e resiliência é tudo que peço, tudo que preciso, ao que me parece.

Ou não.

Malditas sejam estas duas palavras.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Para o leste.

Algum lugar a leste de Saint-Quentin, França, 05 de dezembro de 1944.

Como faz frio neste lugar esquecido de Deus.

Estamos todos espalhados em abrigos improvisados por estas florestas, e marchamos para o leste, mas não sei bem para onde, não nos disseram. E sinceramente, não quero saber. Não tenho ânimo para questionar nada mais, não tenho forças. Quase não consigo escrever direito neste papel surrado que me arranjaram. Meus dedos estão praticamente enregelados. A todo momento, tenho que esfregar e sacudir minhas mãos, em uma vã tentativa de lhes devolver alguma sensibilidade.

Muito do que escrevi já se perdeu, tamanho é o caos de todo este absurdo que participo. Muitos dos companheiros me zombam por ainda assim eu insistir em minhas anotações, mas eu sei que é algo que preciso fazer, algo que tenho que fazer, se quiser manter minha sanidade, que sinto definhar mais e mais, a cada dia que passa, a cada tiro que disparo, a cada morte que presencio.

Fui designado a ser atirador de elite por saber caçar, por ter de caçar desde menino, na terra de onde venho. Aprendi a fazê-lo para garantir alimento para minha família, e me tornei bem eficaz no manejo de armas de longa distância, chegando mesmo a ganhar torneios de tiro ao alvo em quermesses na minha terra. Atirando contra latas...alvos pintados na madeira...jamais imaginei que um dia eu usaria minhas ditas habilidades para...arrebentar os miolos de outras pessoas.

Ainda estou tendo algum problema para dormir, não somente por não conseguir apagar de minha memória o rosto de todos aqueles krauts que tive que abater, rostos que habitarão minha memória pelo resto de minha vida, ao que posso pressentir. Mas não consigo dormir também devido a este desumano frio que está fazendo neste branco e cinza inferno em que fui me meter. Mesmo assim, por vezes, meu corpo simplesmente desliga e durmo um sobressaltado sono, sendo muitas vezes acordado pelo ronco da Luftwaffe passando por cima de nós ou simplesmente por gritos na distância.

Alguns de nós já perderam a sanidade e tiveram de ser retornados às pressas para algum lugar longe daqui. Sinto certa inveja deles. Bem sei que o que digo é, de certa forma, maldoso, mas...Dia após dia, noite após noite, tudo vai cada vez mais perdendo o sentido. Mas eu me mantenho firme em minhas faculdades mentais. Não fiz como um cabo que, do nada, passou a ver seus companheiros como inimigos e disparou vários tiros contra eles, ferindo vários, quase matando um deles. Não sei o que aconteceu com ele. Dizem que um de seus companheiros matou-o a sangue frio após o episódio.

Todos se tornam meio que animais nesta insanidade. E bem sei que é necessário, de certa forma, bizarra forma. Existe algum instinto primordial que é despertado nos homens durante a guerra, ao que me parece. Algo dentro de nós nos dita o que fazer, o que ignorar, como proceder, se quisermos sobreviver a tudo isto. E nem sempre o que fazemos é algo...humano, por assim dizer.

Bem sei que já senti este apelo muitas vezes nas últimas semanas; e não pude, não consegui ignorar as ordens por ele ditadas. É como se cada um de nós tivesse em sua cabeça um impertinente e autoritário general a nos ditar ordens: não as questione, apenas obedeça, se quiser sair desta vivo, soldado!

Frio, frio. Os cigarros andam escassos por aqui, mas sempre existe alguma boa alma que nos oferece algum. É a única coisa que nos faz desligar, por um pequenino instante, de toda esta insanidade ao nosso redor. Já fazem muitas horas desde que consegui arrumar um. As provisões estão escasseando, dizem. É o mal tempo, dizem.

Dizem tanta coisa, já não acredito em quase mais nada.

Devo procurar Reynolds, talvez ele tenha algum Lucky Strike. Que ironia, o nome deste cigarro traduz justamente o que sentimos quando obtemos um único canudo destes. Um golpe de sorte. Reynolds costumava ser como eu, mas creio que o general interno dele lhe fez valer muito mais suas ordens insanas que o meu. Ele se tornou um homem de pedra após algumas batalhas. Mesmo assim, não me ignora, não me zomba. Escuta-me com pesar, mas não diz muita coisa. Ele parece compreender, mas se encontra muito distante de minha realidade para sequer conseguir replicar algo que não soe como ofensas. Não sei.

Já escuto gritos à distância e já convocam os homens para a ação.

Até quando. Até quando?

segunda-feira, 5 de julho de 2010

D mais quatro.

Dieppe, França, 10 de junho de 1944.

Não consigo dormir....Já fazem quatro dias agora.

Dizem muita coisa a respeito de guerras. Meu pai me falava muita coisa a respeito, muitas outras pessoas do meu ambiente familiar me contavam histórias, contos absurdos sobre feitos heróicos e acontecimentos da Grande Guerra, em 1914.

Mas ninguém nunca me disse que seria assim. Algo tão...brutal, avassalador.

Tão amedrontador. Jamais senti tanto medo em minha vida. Quando eu e meus companheiros nos preparávamos para saltar de nosso avião, eu já tremia descontroladamente. Quando nos aproximamos do espaço aéreo da Normandia, e avistamos todo aquele fogo cerrado, vários de nós tiveram um ataque de pânico. Alguns vomitaram, outros fumavam tantos cigarros que chegavam mesmo a sufocar. O ronco dos motores dos aviões era quase abafado pelo som das explosões e da artilharia pesada contra nós. Quando estávamos prester a saltar, assim que abriram a porta, pude assistir a um dos espetáculos mais dantescos de minha vida, vendo aquelas rajadas de fogo derrubando um de nossos aviões.

Fiquei ali, atônito, por um átimo de segundo, mas um berro atrás de mim e um empurrão me devolveu à realidade. Eu precisava saltar. E enquanto eu caía em direção ao desconhecido que nos aguardava no solo, eu pude ouvir os berros de outros companheiros no ar...as rajadas de fogo anti-aéreo partiram em pedaços vários de nós, pelo que disseram. Eu fechava os olhos e esperava minha vez, mas ela não chegou. Quase perdi a hora de me preparar para o impacto no solo, mas felizmente isto não aconteceu.

De repente, me vi no chão, numa pequena plantação, perto de uma fazenda. Estava a salvo, mas nem tanto assim. Na mesma hora que embolei o pára-quedas, me dei conta que estava em território inimigo, com alemães por todos os lados, escondidos na negridão da noite. Já ouvia alguns tiros na distância, e para lá me dirigi, encontrado um outro soldado aliado, mas de companhia diferente da minha. Todos nós ficamos separados uns dos outros na queda, aparentemente.

O pânico ainda tentava tomar conta de mim, mas inconscientemente eu sabia que se deixasse tal coisa acontecer, eu seria presa fácil dos malditos krauts. E estava determinado a não deixar tal coisa acontecer. Estou determinado, ainda. Fazem dias agora que as coisas esfriaram um pouco e pudemos ter um pouco de paz, um pouco de silêncio.

Mas os sons não saem de minha cabeça. Os sons e as imagens. Os tiros. Gritos. Explosões. A cara de surpresa e dor dos inimigos que tivemos que exterminar naquela noite, no dia seguinte. Granadas voando em nossa direção, companheiros tombando mortos ou quase, e os gritos, por Deus, os gritos de dor lancinante daqueles que foram alvejados mas que não morreram na hora, lá ficando agonizando no solo. Tudo se funde em uma imensa confusão em minha mente, nada faz sentido.

Nestas horas sinto-me de certa forma aliviado por não ter participado da invasão por terra. As coisas ali foram imensamente mais brutas, mais horrendas. Eu cheguei a ver de relance algumas valas comuns, com tantos corpos que mais parecia...não sei com o que aquilo se parecia. Não existem palavras que conseguem descrever o que é isto tudo, todo este absurdo.

O que estamos fazendo aqui? Por quê tudo isto está acontecendo?

Não sei dizer. Decidi começar a escrever este diário, para tentar, de certa forma, tirar um pouco deste peso de minha cabeça. Mas sinto que isto será algo que irá me acompanhar pelo resto de meus dias nesta vida. Eu tento dormir e tudo que vejo são as caras dos alemães, os tiros zunindo perto de nós, a adrenalina instantaneamente começando a fluir em minhas veias. Não consigo repousar, não posso relaxar. Não mais.

Dizem que isto passa com o tempo, mas não sei. Eu não consigo ter paz dentro de mim, após tudo aquilo, após todo aquele desespero, toda aquela arripilante sequência de acontecimentos. Eu, que nunca havia em minha vida fumado, jamais tinha tido vontade de fazê-lo, já estou fumando quase meio maço por dia. Ainda assim, não consigo encontrar repouso.

Vários de meus amigos ainda não apareceram. Espero que estejam bem, mas não alimento esperanças. Parece-me mesmo que tal coisa morreu dentro de mim. Queria acreditar nas palavras de encorajamento dos oficiais, em toda aquela conversa que estamos fazendo o que é certo.

Não.

Isto não é certo, não pode ser, nunca poderá ser. Nada disto, tanto de um lado quanto de outro. Nunca, jamais quis matar alguém, e nem sei quantos eu tive de abater nestes poucos dias que aqui me encontro. Não faço contagem, pois não quero ficar ainda mais desesperado. Não quero me sentir ainda pior do que estou me sentindo no momento.

Agora são quase três horas da matina e ainda não sinto sono, não sinto cansaço. Meu corpo está em estado de alerta permanente, e não consigo desligar. Não quero tomar remédios, não quero me embriagar para tentar adormecer. Mas sei que preciso de dormir, se quiser continuar vivo, se quiser sobreviver a toda esta loucura.

Meus cigarros acabaram. Acho que irei dar uma volta no acampamento, procurar alguém mai que, como eu, não consegue desligar. Eu sei que existem muitos como eu, assim como sei que existem os companheiros que dormem feito bebês e ainda se orgulham de ter matado vinte ou quarenta krauts por aí. Tiram os relógios, colecionam troféus.

Eu não consigo fazer isto, mas sei que não estou sozinho; sei que existem os insones como eu lá fora. Acho melhor me juntar a eles, tentar falar de outra coisa que não seja todo este horror.

Tentarei manter este diário, mas não posso prometer nada, uma vez que nada aqui é garantido, tudo pode acontecer, e não sei nem mesmo se sairei vivo desta...coisa em que fomos nos meter.

Até a próxima anotação, aqui me despeço de seja lá quem for.