Não consigo dormir....Já fazem quatro dias agora.
Dizem muita coisa a respeito de guerras. Meu pai me falava muita coisa a respeito, muitas outras pessoas do meu ambiente familiar me contavam histórias, contos absurdos sobre feitos heróicos e acontecimentos da Grande Guerra, em 1914.
Mas ninguém nunca me disse que seria assim. Algo tão...brutal, avassalador.
Tão amedrontador. Jamais senti tanto medo em minha vida. Quando eu e meus companheiros nos preparávamos para saltar de nosso avião, eu já tremia descontroladamente. Quando nos aproximamos do espaço aéreo da Normandia, e avistamos todo aquele fogo cerrado, vários de nós tiveram um ataque de pânico. Alguns vomitaram, outros fumavam tantos cigarros que chegavam mesmo a sufocar. O ronco dos motores dos aviões era quase abafado pelo som das explosões e da artilharia pesada contra nós. Quando estávamos prester a saltar, assim que abriram a porta, pude assistir a um dos espetáculos mais dantescos de minha vida, vendo aquelas rajadas de fogo derrubando um de nossos aviões.
Fiquei ali, atônito, por um átimo de segundo, mas um berro atrás de mim e um empurrão me devolveu à realidade. Eu precisava saltar. E enquanto eu caía em direção ao desconhecido que nos aguardava no solo, eu pude ouvir os berros de outros companheiros no ar...as rajadas de fogo anti-aéreo partiram em pedaços vários de nós, pelo que disseram. Eu fechava os olhos e esperava minha vez, mas ela não chegou. Quase perdi a hora de me preparar para o impacto no solo, mas felizmente isto não aconteceu.
De repente, me vi no chão, numa pequena plantação, perto de uma fazenda. Estava a salvo, mas nem tanto assim. Na mesma hora que embolei o pára-quedas, me dei conta que estava em território inimigo, com alemães por todos os lados, escondidos na negridão da noite. Já ouvia alguns tiros na distância, e para lá me dirigi, encontrado um outro soldado aliado, mas de companhia diferente da minha. Todos nós ficamos separados uns dos outros na queda, aparentemente.
O pânico ainda tentava tomar conta de mim, mas inconscientemente eu sabia que se deixasse tal coisa acontecer, eu seria presa fácil dos malditos krauts. E estava determinado a não deixar tal coisa acontecer. Estou determinado, ainda. Fazem dias agora que as coisas esfriaram um pouco e pudemos ter um pouco de paz, um pouco de silêncio.
Mas os sons não saem de minha cabeça. Os sons e as imagens. Os tiros. Gritos. Explosões. A cara de surpresa e dor dos inimigos que tivemos que exterminar naquela noite, no dia seguinte. Granadas voando em nossa direção, companheiros tombando mortos ou quase, e os gritos, por Deus, os gritos de dor lancinante daqueles que foram alvejados mas que não morreram na hora, lá ficando agonizando no solo. Tudo se funde em uma imensa confusão em minha mente, nada faz sentido.
Nestas horas sinto-me de certa forma aliviado por não ter participado da invasão por terra. As coisas ali foram imensamente mais brutas, mais horrendas. Eu cheguei a ver de relance algumas valas comuns, com tantos corpos que mais parecia...não sei com o que aquilo se parecia. Não existem palavras que conseguem descrever o que é isto tudo, todo este absurdo.
O que estamos fazendo aqui? Por quê tudo isto está acontecendo?
Não sei dizer. Decidi começar a escrever este diário, para tentar, de certa forma, tirar um pouco deste peso de minha cabeça. Mas sinto que isto será algo que irá me acompanhar pelo resto de meus dias nesta vida. Eu tento dormir e tudo que vejo são as caras dos alemães, os tiros zunindo perto de nós, a adrenalina instantaneamente começando a fluir em minhas veias. Não consigo repousar, não posso relaxar. Não mais.
Dizem que isto passa com o tempo, mas não sei. Eu não consigo ter paz dentro de mim, após tudo aquilo, após todo aquele desespero, toda aquela arripilante sequência de acontecimentos. Eu, que nunca havia em minha vida fumado, jamais tinha tido vontade de fazê-lo, já estou fumando quase meio maço por dia. Ainda assim, não consigo encontrar repouso.
Vários de meus amigos ainda não apareceram. Espero que estejam bem, mas não alimento esperanças. Parece-me mesmo que tal coisa morreu dentro de mim. Queria acreditar nas palavras de encorajamento dos oficiais, em toda aquela conversa que estamos fazendo o que é certo.
Não.
Isto não é certo, não pode ser, nunca poderá ser. Nada disto, tanto de um lado quanto de outro. Nunca, jamais quis matar alguém, e nem sei quantos eu tive de abater nestes poucos dias que aqui me encontro. Não faço contagem, pois não quero ficar ainda mais desesperado. Não quero me sentir ainda pior do que estou me sentindo no momento.
Agora são quase três horas da matina e ainda não sinto sono, não sinto cansaço. Meu corpo está em estado de alerta permanente, e não consigo desligar. Não quero tomar remédios, não quero me embriagar para tentar adormecer. Mas sei que preciso de dormir, se quiser continuar vivo, se quiser sobreviver a toda esta loucura.
Meus cigarros acabaram. Acho que irei dar uma volta no acampamento, procurar alguém mai que, como eu, não consegue desligar. Eu sei que existem muitos como eu, assim como sei que existem os companheiros que dormem feito bebês e ainda se orgulham de ter matado vinte ou quarenta krauts por aí. Tiram os relógios, colecionam troféus.
Eu não consigo fazer isto, mas sei que não estou sozinho; sei que existem os insones como eu lá fora. Acho melhor me juntar a eles, tentar falar de outra coisa que não seja todo este horror.
Tentarei manter este diário, mas não posso prometer nada, uma vez que nada aqui é garantido, tudo pode acontecer, e não sei nem mesmo se sairei vivo desta...coisa em que fomos nos meter.
Até a próxima anotação, aqui me despeço de seja lá quem for.
Mas ninguém nunca me disse que seria assim. Algo tão...brutal, avassalador.
Tão amedrontador. Jamais senti tanto medo em minha vida. Quando eu e meus companheiros nos preparávamos para saltar de nosso avião, eu já tremia descontroladamente. Quando nos aproximamos do espaço aéreo da Normandia, e avistamos todo aquele fogo cerrado, vários de nós tiveram um ataque de pânico. Alguns vomitaram, outros fumavam tantos cigarros que chegavam mesmo a sufocar. O ronco dos motores dos aviões era quase abafado pelo som das explosões e da artilharia pesada contra nós. Quando estávamos prester a saltar, assim que abriram a porta, pude assistir a um dos espetáculos mais dantescos de minha vida, vendo aquelas rajadas de fogo derrubando um de nossos aviões.
Fiquei ali, atônito, por um átimo de segundo, mas um berro atrás de mim e um empurrão me devolveu à realidade. Eu precisava saltar. E enquanto eu caía em direção ao desconhecido que nos aguardava no solo, eu pude ouvir os berros de outros companheiros no ar...as rajadas de fogo anti-aéreo partiram em pedaços vários de nós, pelo que disseram. Eu fechava os olhos e esperava minha vez, mas ela não chegou. Quase perdi a hora de me preparar para o impacto no solo, mas felizmente isto não aconteceu.
De repente, me vi no chão, numa pequena plantação, perto de uma fazenda. Estava a salvo, mas nem tanto assim. Na mesma hora que embolei o pára-quedas, me dei conta que estava em território inimigo, com alemães por todos os lados, escondidos na negridão da noite. Já ouvia alguns tiros na distância, e para lá me dirigi, encontrado um outro soldado aliado, mas de companhia diferente da minha. Todos nós ficamos separados uns dos outros na queda, aparentemente.
O pânico ainda tentava tomar conta de mim, mas inconscientemente eu sabia que se deixasse tal coisa acontecer, eu seria presa fácil dos malditos krauts. E estava determinado a não deixar tal coisa acontecer. Estou determinado, ainda. Fazem dias agora que as coisas esfriaram um pouco e pudemos ter um pouco de paz, um pouco de silêncio.
Mas os sons não saem de minha cabeça. Os sons e as imagens. Os tiros. Gritos. Explosões. A cara de surpresa e dor dos inimigos que tivemos que exterminar naquela noite, no dia seguinte. Granadas voando em nossa direção, companheiros tombando mortos ou quase, e os gritos, por Deus, os gritos de dor lancinante daqueles que foram alvejados mas que não morreram na hora, lá ficando agonizando no solo. Tudo se funde em uma imensa confusão em minha mente, nada faz sentido.
Nestas horas sinto-me de certa forma aliviado por não ter participado da invasão por terra. As coisas ali foram imensamente mais brutas, mais horrendas. Eu cheguei a ver de relance algumas valas comuns, com tantos corpos que mais parecia...não sei com o que aquilo se parecia. Não existem palavras que conseguem descrever o que é isto tudo, todo este absurdo.
O que estamos fazendo aqui? Por quê tudo isto está acontecendo?
Não sei dizer. Decidi começar a escrever este diário, para tentar, de certa forma, tirar um pouco deste peso de minha cabeça. Mas sinto que isto será algo que irá me acompanhar pelo resto de meus dias nesta vida. Eu tento dormir e tudo que vejo são as caras dos alemães, os tiros zunindo perto de nós, a adrenalina instantaneamente começando a fluir em minhas veias. Não consigo repousar, não posso relaxar. Não mais.
Dizem que isto passa com o tempo, mas não sei. Eu não consigo ter paz dentro de mim, após tudo aquilo, após todo aquele desespero, toda aquela arripilante sequência de acontecimentos. Eu, que nunca havia em minha vida fumado, jamais tinha tido vontade de fazê-lo, já estou fumando quase meio maço por dia. Ainda assim, não consigo encontrar repouso.
Vários de meus amigos ainda não apareceram. Espero que estejam bem, mas não alimento esperanças. Parece-me mesmo que tal coisa morreu dentro de mim. Queria acreditar nas palavras de encorajamento dos oficiais, em toda aquela conversa que estamos fazendo o que é certo.
Não.
Isto não é certo, não pode ser, nunca poderá ser. Nada disto, tanto de um lado quanto de outro. Nunca, jamais quis matar alguém, e nem sei quantos eu tive de abater nestes poucos dias que aqui me encontro. Não faço contagem, pois não quero ficar ainda mais desesperado. Não quero me sentir ainda pior do que estou me sentindo no momento.
Agora são quase três horas da matina e ainda não sinto sono, não sinto cansaço. Meu corpo está em estado de alerta permanente, e não consigo desligar. Não quero tomar remédios, não quero me embriagar para tentar adormecer. Mas sei que preciso de dormir, se quiser continuar vivo, se quiser sobreviver a toda esta loucura.
Meus cigarros acabaram. Acho que irei dar uma volta no acampamento, procurar alguém mai que, como eu, não consegue desligar. Eu sei que existem muitos como eu, assim como sei que existem os companheiros que dormem feito bebês e ainda se orgulham de ter matado vinte ou quarenta krauts por aí. Tiram os relógios, colecionam troféus.
Eu não consigo fazer isto, mas sei que não estou sozinho; sei que existem os insones como eu lá fora. Acho melhor me juntar a eles, tentar falar de outra coisa que não seja todo este horror.
Tentarei manter este diário, mas não posso prometer nada, uma vez que nada aqui é garantido, tudo pode acontecer, e não sei nem mesmo se sairei vivo desta...coisa em que fomos nos meter.
Até a próxima anotação, aqui me despeço de seja lá quem for.