segunda-feira, 19 de julho de 2010

Um. Mil. Anos.

Sei, sei. Que despertei. Mas ainda durmo. Não aqui, não na mesa, não na frente disto, por detrás da vida, detrás dos minutos, detrás de atrás disto tudo, do que foi do que aconteceu, quiçá do que está por acontecer, mas por tudo que fui e que não fui, até o momento, até então.

Dormi sem despertar, ainda não, ainda não é o momento de acontecer, não é o minuto final, o derradeiro sopro de consciência de aqui estar sem nem ao menos poder se dar conta disto: estar sem ficar, ficar sem estar, acontecer sem nem saber, sem nem se importar. Passa, passou, passará.

Sei que ouvi a voz, alguma voz digna de ser chamada, de ser escutada, a salvação no meio da tempestade, no olho do furacão, voz esta que me procurou, me encontrou, me embalou em e levou, daqui para outro lugar, daqui para ali, sem nem saber, sem nem ter que saber, sem se importar com todo o resto, por mais pútrido que seja ele, seja o resto, pequeno e fraco ou o Resto, que tanto me consome, que tanto me devora sem nem ao menos me consumir por deveras assim o fazer, sem saber. Sem ser.

Não deixo de escutar a salvação sonada, sonante, sonora, irradiante, pulsante, eletrizante, atordoante, a retumbar em meus opuvidos, vibrando não somente meus ouvidos mas também algo mais, algo que clichês enumeram em genêros em demasia por entre a má poesia, o mau momento, o solene acontecimento mais recente do submundo musical que se estende diante de minhas cansadas e obsequiantes orelhas: quanto tempo elas procuraram em vão por tal sonoridade, por tais melodias, para assim do acaso as encontrar na dobra da semana, no final dos dias, no final da noite que se encerrou em notas nada magras, mas muito recheadas da carne estranhamente palatável das sônicas dimensões etéreas do além-mar, do além-mundo, onde após muito procurar, houve o encontro tanto dantes adiado de minhas expectativas com o que foi realmente tocado ali naquele obscuro momento, naquele exato instante.

Se aqui nunca estive antes, se tais notas nunca escutei antes, é por alguma falha no universo que me circunda: é como se esta música sempre existisse em mim, sinto-me assim, por demasia, por escesso, por estranho desespero, nada vulgarizado, sempre almejado, enfim encontrado.

O que isto me diz, o que dizes tu, ó sonoro momento, ó estranho acontecimento, único sentido para o ocaso de uma inexistência dominical, sabadal, por assim dizer, por assim ter sido? O que significas? O que queres de mim? Siga o som, me dizes, siga o som, assim entendo. Interprete e aconteça: não se deixe arrefecer, não se deixe. Lembre-se que sou perfeito, assim como também não sou; que existo com defeitos, e com mais qualidades, que aqui existo e aconteço dentro de potenciais e arranhões, entre a luz e sua ausência, sem sua onisciência, mas com sua onipresença: algo que em ti sempre existiu, sem que nem ao menos desses conta disto.

O que sou eu? Apenas o que se gravou, em um dado instante, em mero instante, em tanta fuga e vento, em todo este momento que aconteceu, que aqui esteve a partir deste momento, mas que sempre existiu em você. É o que amas, é o que queres ser, o que sempre foi, o que sempre em tu esteve, sem que nem ao menos fosse percebido, fosse escutado, fosse realizado. Até este momento.

Continuo vivo, por sua existência. Continuo vivo para escutar tal essência. Continuo vivendo, por almejar momentos como este, por almejar acontecimentos como este. Continuo; pois creio que mais momentos como este podem, devem existir, em mim ou além de mim, para mim e para outrem, para que todos nós possamos assim existir. Possamos justificar estarmos aqui.

Obrigado por salvar-me, por ao menos tentar me salvar, por ao menos um pouco de esperança me dar, para que aqui possa permanecer, ficar, sem ser sem acontecer, mas ao menos podendo dos deuses as vozes gravadas escutar, ao menos para mim, ao menos para mim, assim me parece, assim me pareceu, assim me soou.

Assim como o café e as vulgas substâncias que me mantém em funcionamento, assim o és para esta alma malfazeja que aqui acontece de existir, de se fazer escutar, ao tempo e ao vento, ao que houve em mim sem nem ao menos ter deveras acontecido. Sinto-me mais sólido, um tanto menos estólido, um tanto mais recarregado, energizado, por assim dizer.

E se a manhã é cinza, um yom de ouro a mais foi por mim depositado na espera por mais dias como estes que se passaram, sem existir nem acontecer, mas embalados na sonora lembrança, na sublime existência, no exato momento de ali estar para poder escutar, de ali estar para poder apreender, dali estar dem nem ao menos se dar conta, de existir sem nem acontecer. Sem ser.

Mas sendo, existindo, através de ondas sonoras, por outrem criadas mas que me espelham notas e refletem faces que nunca existirão assim como o ar que respiro, sendo sem ser, mas sendo assim mesmo. Sem perfeição, sem nem ao menos tentar, mas ainda assim o sendo.


Obrigado, obrigado, muitas vênias.



I found a reason to live again.

-----Adam Franklin, Birdsong.