Berlim, 20 de abril de 1945.
Minha divisão chegou ontem a este...antro. Esta capital da podridão humana. Da loucura, da megalomania. Nunca me senti tão próximo de um abismo, de toda a denominação do mal, como me sinto agora. Quase tenho nojo de estar respirando este ar, este mepesteado ar que já passou pelos pulmões desta...corja, destes seres.
Não achava que fosse sentir tal coisa, ao menos não do povo alemão em si, pois alguns generais mais experientes, mais idosos falaram aos Soldados do Povo, camaradas defensores da Pátria e enfatizaram este ponto. Muitas vezes os civis não necessariamente acompanham os delírios de seus comandantes.
Parece não ser o caso aqui. Pois no caminho de Varsóvia até aqui, eu vi muitas coisas que me deixaram embasbacado, mesmo aterrorizado: crianças no front. Pequenos alemães, se matando e matando em nome de Hitler. Um deles chegou a destruir um de nossos tankes com uma panzerfaust que era quase maior que o pirralho.
Tenho arrepios de pensar no que aconteceu depois, quando o detestável infante caiu no chão após o disparo. Todos os camaradas atiraram granadas em sua direção.
Quase todos. Não consegui fazê-lo.
E o pior, o pequeno rato ainda conseguiu atirar de volta umas duas delas, antes de ser despedaçado pelas explosões das outras que não apanhou a tempo, ferindo gravemente um camarada. A cena não saiu de minha cabeça por umas duas horas. Tivesse isto acontecido anos atrás, creio que teria enlouquecido.
Por estes dias, nem mesmo uma coisa grotesca como esta amortiza meu ódio por esta corja. Por esta escória humana que ainda resiste ferozmente aos nossos esforços em aniquilá-los. Eu sei que me dedico a esta causa com uma paixão quase avassaladora. Quero que todos eles morram. Bando de loucos, animais imundos. Assassinos covardes, traidores. Porcos hediondos.
Por vezes, quando o combate amorna e quando tenho tempo para fantasiar, imagino que serei eu que irá ser o primeiro a entrar no covil do maior monstro que a europa já produziu. Tenho quase prazer ao construir mentalmente tal cenário: serei eu que irá desferir o primeiro tiro contra aquele crânio que encerra o pior cérebro humano jamais nascido, se é que podemos chamar aquilo de ser humano.
O progresso de invasão desta cidade é lento, pois eles estão empregando todas as forças restantes para tentar defender sua capital. Achei que jamais poderia atirar contra crianças, contra velhos, contra seres aparentemente inocentes, mas já vi muitos destes "anjinhos" atirarem impedosamente contra Soldados do Povo caídos nas ruas. Por mais que isto manche minha alma, eu já nem me importo mais. Arranco um pino de uma granada e atiro em direção aos odiosos ratos mirins ou seniôres...e fecho os olhos.
Ainda resta um pouco de nojo de mim mesmo por dentro, creio eu. Mas eu empurro tal fraqueza com as botas, afogo-a na lama que se tornou minha alma em si. Não tenho muito mais com o que se importar.
Suspiro profundamente ao escrever tais linhas em meu diário. Bem sei que já fui diferente. Que já fui...humano, por assim dizer. Mas quando recebi a notícia que os alemães haviam massacrado parte de minha família ao invadirem a Pátria-Mãe, eu chorei minhas últimas lágrimas. Após sofrer por dois dias uma lancinante dor, algo como jamais havia sentido antes, não senti mais nada além de uma determinação em enterrar até o último destes animais.
Abandonei relutantemente mas decididamente meu emprego na fábrica estatal e fui me apresentar ao posto de recrutamento. Empenhei-me como ninguém a superar as dificuldades do escasso treinamento e aprendi rapidamente a manejar meus instrumentos de trabalho.
Nas primeiras semanas eu ainda fazia contagem de quantos porcos eu matava por dia, naquelas batalhas sujas e frias. Bem certo foi que quase senti o restante de meu espírito já quebrantado fraquejar quando efetivamente tirei uma vida alheia, mas tive sangue-frio o suficiente para conseguir me manter frio e determinado, e após meu primeiro dia de guerra propriamente dita, já havia arrastado vinte e dois porcos para o eterno abismo que lhes esperava.
Não senti nenhum remorso, não senti nada além daquele primeiro tremelique ao exterminar o primeiro de muitos daqueles pestilentos animais. Dormi feito uma criança na primeira noite de combate; mesmo que tenha sido por muito pouco tempo, algo girando em torno de menos de uma hora, creio eu.
Explosões e gritos abundam ainda ao meu redor, nesta madrugada sangrenta em que meus camaradas e eu avancamos por uma divisão destes porcos, não deixando nenhum sobrevivente para trás. Estamos chegando perto do reduto final do monstro-mor, do líder desta raça subhumana, que se proclamou ser sobre-humana. Que ironia.
Queria muito ser eu o primeiro a disparar um tiro contra Hitler. E sei que seria apenas o primeiro disparo. Creio que meus camaradas fariam carne moída com este monstro. Disapararíamos toda nossa munição contra aquele super-homem de araque, aquele maluco, facínora, megalomaníaco ser.
Mais alguns dias, sinto que terei que esperar. Querem apanhá-lo vivo, mas bem sei que nehum russo que se preze irá conseguir segurar sua ânsia em pressionar o gatilho. E sei que nossos superiores nos repreenderiam mas entenderiam. Aposto que eles mesmos almejam exterminar o monstro sem dar nenhum julgamento. Nenhum direito de se defender.
Preciso sair, caminhar um pouco. Até diria respirar um pouco de ar fresco, mas isto não existe nesta cidade empesteada do demônio. Esperarei ansiosamente minha oportunidade de matar mais algumas destas baratas humanas. E finalmente poder retornar a meu lar.
Meu vazio lar, graças a estes animais imundos.
Não achava que fosse sentir tal coisa, ao menos não do povo alemão em si, pois alguns generais mais experientes, mais idosos falaram aos Soldados do Povo, camaradas defensores da Pátria e enfatizaram este ponto. Muitas vezes os civis não necessariamente acompanham os delírios de seus comandantes.
Parece não ser o caso aqui. Pois no caminho de Varsóvia até aqui, eu vi muitas coisas que me deixaram embasbacado, mesmo aterrorizado: crianças no front. Pequenos alemães, se matando e matando em nome de Hitler. Um deles chegou a destruir um de nossos tankes com uma panzerfaust que era quase maior que o pirralho.
Tenho arrepios de pensar no que aconteceu depois, quando o detestável infante caiu no chão após o disparo. Todos os camaradas atiraram granadas em sua direção.
Quase todos. Não consegui fazê-lo.
E o pior, o pequeno rato ainda conseguiu atirar de volta umas duas delas, antes de ser despedaçado pelas explosões das outras que não apanhou a tempo, ferindo gravemente um camarada. A cena não saiu de minha cabeça por umas duas horas. Tivesse isto acontecido anos atrás, creio que teria enlouquecido.
Por estes dias, nem mesmo uma coisa grotesca como esta amortiza meu ódio por esta corja. Por esta escória humana que ainda resiste ferozmente aos nossos esforços em aniquilá-los. Eu sei que me dedico a esta causa com uma paixão quase avassaladora. Quero que todos eles morram. Bando de loucos, animais imundos. Assassinos covardes, traidores. Porcos hediondos.
Por vezes, quando o combate amorna e quando tenho tempo para fantasiar, imagino que serei eu que irá ser o primeiro a entrar no covil do maior monstro que a europa já produziu. Tenho quase prazer ao construir mentalmente tal cenário: serei eu que irá desferir o primeiro tiro contra aquele crânio que encerra o pior cérebro humano jamais nascido, se é que podemos chamar aquilo de ser humano.
O progresso de invasão desta cidade é lento, pois eles estão empregando todas as forças restantes para tentar defender sua capital. Achei que jamais poderia atirar contra crianças, contra velhos, contra seres aparentemente inocentes, mas já vi muitos destes "anjinhos" atirarem impedosamente contra Soldados do Povo caídos nas ruas. Por mais que isto manche minha alma, eu já nem me importo mais. Arranco um pino de uma granada e atiro em direção aos odiosos ratos mirins ou seniôres...e fecho os olhos.
Ainda resta um pouco de nojo de mim mesmo por dentro, creio eu. Mas eu empurro tal fraqueza com as botas, afogo-a na lama que se tornou minha alma em si. Não tenho muito mais com o que se importar.
Suspiro profundamente ao escrever tais linhas em meu diário. Bem sei que já fui diferente. Que já fui...humano, por assim dizer. Mas quando recebi a notícia que os alemães haviam massacrado parte de minha família ao invadirem a Pátria-Mãe, eu chorei minhas últimas lágrimas. Após sofrer por dois dias uma lancinante dor, algo como jamais havia sentido antes, não senti mais nada além de uma determinação em enterrar até o último destes animais.
Abandonei relutantemente mas decididamente meu emprego na fábrica estatal e fui me apresentar ao posto de recrutamento. Empenhei-me como ninguém a superar as dificuldades do escasso treinamento e aprendi rapidamente a manejar meus instrumentos de trabalho.
Nas primeiras semanas eu ainda fazia contagem de quantos porcos eu matava por dia, naquelas batalhas sujas e frias. Bem certo foi que quase senti o restante de meu espírito já quebrantado fraquejar quando efetivamente tirei uma vida alheia, mas tive sangue-frio o suficiente para conseguir me manter frio e determinado, e após meu primeiro dia de guerra propriamente dita, já havia arrastado vinte e dois porcos para o eterno abismo que lhes esperava.
Não senti nenhum remorso, não senti nada além daquele primeiro tremelique ao exterminar o primeiro de muitos daqueles pestilentos animais. Dormi feito uma criança na primeira noite de combate; mesmo que tenha sido por muito pouco tempo, algo girando em torno de menos de uma hora, creio eu.
Explosões e gritos abundam ainda ao meu redor, nesta madrugada sangrenta em que meus camaradas e eu avancamos por uma divisão destes porcos, não deixando nenhum sobrevivente para trás. Estamos chegando perto do reduto final do monstro-mor, do líder desta raça subhumana, que se proclamou ser sobre-humana. Que ironia.
Queria muito ser eu o primeiro a disparar um tiro contra Hitler. E sei que seria apenas o primeiro disparo. Creio que meus camaradas fariam carne moída com este monstro. Disapararíamos toda nossa munição contra aquele super-homem de araque, aquele maluco, facínora, megalomaníaco ser.
Mais alguns dias, sinto que terei que esperar. Querem apanhá-lo vivo, mas bem sei que nehum russo que se preze irá conseguir segurar sua ânsia em pressionar o gatilho. E sei que nossos superiores nos repreenderiam mas entenderiam. Aposto que eles mesmos almejam exterminar o monstro sem dar nenhum julgamento. Nenhum direito de se defender.
Preciso sair, caminhar um pouco. Até diria respirar um pouco de ar fresco, mas isto não existe nesta cidade empesteada do demônio. Esperarei ansiosamente minha oportunidade de matar mais algumas destas baratas humanas. E finalmente poder retornar a meu lar.
Meu vazio lar, graças a estes animais imundos.