terça-feira, 31 de agosto de 2010

A-11.

Andar. Andar até cansar.

Todos os dias, todas as horas. Até cansar, até me deixar cair em uma pilha de entulho nestas ruas esquecidas por tudo e todos.

Menos por mim...que ainda tenta encontrar alguma espécie de saída, alguma coisa de diferente, algo que vá me...salvar, resgatar. Não sei de nada. Não mais.

A trilha das folhas está completamente esbranquecida já fazem dias agora. Dias? Meses? Não sei dizer, não mais. Parei de contar, parei de me preocupar. Parei de comer e de beber. Pareço mesmo não precisar de nada disso por aqui. Não sinto nad. Nada, além de um imenso vazio.

Engraçado como as coisas mudam. Quando o mundo era ainda o que fora, em minhas horas vagas, eu também escrevia bobagens, tentava contar histórias e dar minha opinião sobre coisas...tudo em um daqueles sites gratuitos da agora extinta internet. Alimentava alguma vã esperança que alguém pudesse se interessar pelo que escrevia, quem sabe, arrumar um emprego como escritor, ao invés daquela carreira militar odiosa e vazia.

Lembro-me vividamente o dia em que resolvi desistir de tal sonho vago. Um de meus melhores amigos, que dizia ler o que eu escrevia, um belo dia me vem e me fala que não lia nada, só ia pulando os parágrafos.

Aquilo bastou para ser o último prego em meu caixão de resignação perante a vida que me fora destinada. A vida de um peão inútil, uma peça descartável na grande equação.

Se uma pessoa, que dizia ser meu amigo, não estava nem aí para mim, o que mais eu poderia esperar das outras pessoas, que nem meus amigos eram?

Hoje em dia me pergunto se nas atuais circunstâncias, tal desapontamento me serviria de mola propulsora para que eu afinal de contas abraçasse meu destino de nada ser. Pois é isto que continuo sendo, um nada. Mesmo no meio deste monte de nada, pouco coisa de diferente pode ser constatada neste ser vivo, neste ser humano que nada mais é que alguém que espera sua vez de se tornar um nada, oficialmente.

Já deveria ter morrido, entretanto. Ando e ando, nestas ruas que nunca acabam. Parece que estão gozando de minha cara, pois isto não faz o menor sentido. Eu ando e ando e ando mas não chego alugar algum. As ruas não acabam e parecem se repetir diante de meus olhos.

Digo tudo isto em voz alta, apenas para ter o que ouvir. Para conseguir escutar um último sopro de humanidade no meio desta imensidão de lixos e vento, de nada sobre nada, onde um nada por ali caminha.

Algumas vezes eu grito, apenas para ver se alguém me escuta. Para ver se alguma voz misericordiosa me responda, "você não está sozinho".

Sim, estou. O vento vazio me assegura disto.

Jamais estive tão sozinho assim, e olha que já fui o mestre de me sentir desta maneira no meio da multidão de final de tarde que circulava por estas ruas, por esta cidade, uma verdadeira manada de gente e mais gente, se acotovelando, esbarrando em meus ombros e nem sequer pedidndo desculpas; eu me sentia como se não houvesse ninguém ali.

Penso e penso e falo alto, e ando e ando, não chego a lugar algum. Sigo as folhas, que há muito deixaram de ser amarelas. O que me preocupa é que me parece que tais folhas estejam desaparecendo, à medida que ando. Parecem estar mais escassas.

Estou exausto, estou esgotado. Não sinto nada além de vontade de dormir. Não como nada, não procuro nada, não irei beber nada. Mais um dia, mais uma noite.

Onde estou...e porque isto está acontecendo? Será este meu inferno pessoal? Será isto?

Vejo, a alguns metros de distância, outra daquelas coisas estranhas que tenho visto nesta minha eterna peregrinação a lugar algum. Uma porção de luzes estranhas, multicoloridas, que formam uma massa de cores e sons, que fica pairando ali por alguns instantes, para depois desaparecer e só tornar a surgir daqui a dois, três, sei lá quantos dias.

Eu havia ficado alarmado com tais aparições, mas hoje em dia nem ligo mais. Como tudo ao meu redor, não passam de um nada. Uma promessa de algo, mas mesmo assim, som,ente promessas. Falsas promessas. Nem me importo mais.

Fecho os olhos e espero. Sei que o sono virá em breve, e por momentos, me esquecerei de todo este vazio. Pena que eu não sonhe mais. Ao menos poderia me distrair um pouco de tudo isto...de toda esta cinzenta inexistência.

Durmamos, esperemos. O que mais posso fazer?

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Adendum.

Estou tão retardado de sono aqui hoje que esqueci-me de outro título que foi por nós assistido na sessão de cinema trash em casa, que precedeu FrankenGirl vs Vampire Girl. A sequência completa fica organizada de tal forma:

1 - Robo Geisha
2 - Zombie Strippers
3 - MegaShark vs Giant Octopus
4 - Matadores de Vampiras Lésbicas
5 - FrankenGirl vs Vampire Girl
6 - Zombieland.

Matadores de Vampiras Lésbicas é um filme sem a menor pretensão de ser sério, coisa que por muitas vezes irrita em filmes trash, que fazem força de tentar extrair alguma seriedade dos absurdos por eles veiculados naturalmente. É uma produção britânica, e conta com hilárias sequências e engraçadíssimos diálogos, bem no estilo britânico de se fazer comédia através de nonsense. Infelizmente, não ocnseguimos ver o filme todo, uma vez que os famosos DVDs paraguaios vendidos nos Xópis Ois da vida estão sujeitos a estarem arranhados ou nem sequer serem gravados apropriadamente, como foi o caso deste. Como é de fato uma comédia, a história não despontou, mas não recomendo a exibição deste título para marmanjos que só se interessem pelo filme pelo título. Não, caros mancebos: não é um filme pornô, apesar de ter cenas que quase chegam a ser provocantes, mas que irão francamente desapontar qualquer tarado que se preze. Como não foi possível assistir o filme até o final, não chegarei a dar uma nota final, mas eu diria que gira em torno dos 8 a 8,5.

Sessão Cineplex 2010 de cinema em Casa: #3.

E então o final de semana se foi. Infelizmente, tudo que é bão tem de acabar, como dizem por aí, como podemos notar claramente no decorrer dos dias e meses e anos que cá passamos, neste manicômio esférico. Enfim, há que se fazer o possível para tornar a jornada um tanto menos penosa para nós, em especial para aqueles que como eu, sabem que nunca se darão por satisfeitos com coisa alguma, em nenhuma altura destes parcos anos que cá temos que comparecer.

Enfim, neste final de semana eu e meus velhos companheiros de guerra dos tempos memoriais da já extinta fase biológica de minha vida, estivemos em massa diante de uma tela televisiva e por meio dela nos libertamos de várias de nossas agruras da vida hedionda, muito nos rindo de pérolas cinematográficas especialmente feitas para alegrar os seres como nós, estranhos seres. E com efeito, podemos afirmar que tal manobra deu resultados; ao menos eu posso afirmar que não pensei em nada chato enquanto degustava coxinhas, pães de queijo e outros quitutes de rápido preparo, validade duvidosa e sabor garantido.

A vida se assegura de, muitas vezes, nos enganar e fazer parecer que tudo vai dar errado. O evento parecia que não iria se concretizar. No final de semana em questão, meus companheiros que moram láááá longe de minha casa, foram surpreendidos com uma excepcional corrida de São Pedestre ou algo que o valha, que aconteceu nalguma hora do sábado, e que quase os preveniu de cruzarem a cidade para que a sessão começasse. Demoraram umas duas horas ou mais para fazê-lo, devido à zona que nosso já caótico trânsito se tornou.

Felizmente, no final tudo deu certo: eles chegaram um tanto atrasados, mas em tempo de ainda assistirmos os dois primeiros títulos antes que o sono me arrebatasse por completo e me prevenisse de assistir ao terceiro filme.

Os títulos da oitava arte - aquela que fica um tiquinho acima do cinema dito ordinário - escolhidos para o evento em questão foram os seguintes:

1 - Robo Geisha
2 - Strippers Zumbis(não o pornô, e sim o trash)
3 - Mega Shark vs Giant Octopus(?) - [Este eu dormi, infelizmente.]
4 - FrankenGirl vs VampireGirl(?) - (algo assim)
5 - Zumbilândia

O grande favorito do evento era Robo Geisha, que já prometia momentos da mais pura diversão trash, conforme anunciado pelo trailer do filme, que já conhecíamos desde o meio do ano passado, se não me engano. Filmes japoneses como este são verdadeiros tesouros para os cinéfilos da oitava arte como nós. Infelizmente, não foi o grande vencedor da noite: o filme conta com excelentes momentos, daqueles de se dobrar de tanto rir diante dos absurdos mostrados na tela. Mas o filme me pareceu tentar explicar muito detalhadamente os absurdos exibidos, e alguns momentos cheios de muito blah blah blah (que não faziam o menor sentido, quer seja pela patética história ou pela tradução bizarra exibida nas legendas), se tornaram puramente chatos. Mas em geral, as cenas mais dantescas do filme salvaram, quer seja pela presença inexplicada de um exército de Geishas que se transformavam em robôs e faziam ameaças a outras pessoas, quer seja com serras circulares saídas das bocas de tais robôs ou seja pela presença de bizarros armamentos como mamilos superdesenvolvidos(?!) nos peitos das agentes e que emitiam jatos de leite (!) ácido, salvaram o filme. Outros destaques foram a presença de lutas absurdas entre as geishas, que contavam com armas especialis, feito as katanas de bunda. O pagode(a construção, não o "estilo" musical) gigante(que as protagonistas custaram a avistar, mesmo que estivesse diante dos olhos delas), que se transformou em robô gigante estilo Jaspion e saiu dando murros em prédios, que além de serem destruídos...sangravam. Este foi o primeiro robô que consegue vomitar da história dos filmes, creio eu. No geral, é um bom filme, apesar da presença desnecessária de sequências paradas e cheias de explicações desnescessárias a uma história já devidamente absurda para começar. Eu dou nota 7 em 10.

Zombie Strippers - este título parece ser comum a outro filme, de natureza um tanto quanto mais...educativa, por assim dizer. Sim: existe um filme pornô que envolve zumbis, e não me surpreendo com tal informação, uma vez que a regra 34 é inexorável: sem exceções. Mas o filme que nós assistimos, apesar de contar com momentos questionáveis para a formação de crianças de até quatro anos de idade(hoje em dia, meninos de doze anos de idade já têm PhD em pornografia, caso tenham acesso à internet), não é um filme educativo sobre sexo entre zumbis e humanos, mas sim uma épica comédia trash sobre o mesmo tema: contando com aquelas histórias absurdas e inexplicadas de como um zumbi vai parar num clube de strip e acaba infectando suas strippers, o filme tem hilárias sequências. Aparentemente, as mulheres, mesmo enquanto zumbis, têm inveja uma das outras e se atracam de maneira bem inusitadas durante todo as partes realmente interessantes do filme. Alguns dos destaques: a stripper que come o..."entusiasmo" do primeiro marmanjo inusitado a ser presenteado com um lap dance undead, a stripper gótica que quase vira helicóptero numa disputa de pole dancing, e a ironia do único zumbi que pede para se morto...e é capturado pelo inexplicável time de militares que parecem sempre estar envolvidos com zumbis, neste tipo de filme. Dou nota 8.

MegaShark vs Giant Octopus: Eu não assisti tal pérola, pois como o evento atrasou muito, e estava devidamente cansado por ter tido de fazer extensa faxina para receber meus amigos, eu estava muito cansado, já tendo pescado bastante durante a exibição dos dois primeiros títulos do evento. Conforme disseram meus companheiros, é um filme meia-boca: com algumas cenas realmente psicodélicas, como um tubarão que abocanha um avião em pleno voô. Hu-há. A nota por eles proferida para tal filme é 5.

FrankenGirls vs Vampire Girl - o título desta película é obscuro(não achei trailer para tal nome no youtube), pois é um destes filmes que só um país feito o Japão poderia nos oferecer. De fato, a cultura nipônica é das mais bizarras do planeta, e não estou exagerando. Este foi o primeiro filme por nós visto no domingo. Nada melhor para abrir um bom dia do que assistir a abjeta história de um colégio onde vampiros a la Twilight(eca) existem, vampiros que não temem cruzes nem a luz do dia, e que possuem sangue que...se mexe por conta própria, assume forma de seta enquanto estão em um tubo de ensaio, onde um pacato professor assume a identidade secreta de um bizarro Dr. Frankenstein travestido de...sei lá que diabos era aquela roupa, e duas garotas disputam pelo amor de um japa, que acaba se tornando vampiro, apesar do ódio mortal da filha do dr. Bizarro-san. Seria um péssimo filme, uma comediazinha romântica, se não houvessem cenas como a vampirinha do filme(uma japa mignon pra carai), descascando - literalmente - a caveira de uma FrankenGirl, para depoois arrancar tal caveira e empilhar com outras duas. Aliás, a primeira destas garotas-robôs criadas no filme é fantástica, que arranca seu próprio braço para brigar com sua rival, sendo que tal braço se torna um bumerangue, e depois ainda serve de hélice para que tal garota se torne um...helicóptero. Fantárdigo. O filme é uma maravilha da oitava arte, e grande campeão do evento. Dou nota 9.

Zumbilândia - foi o filme mais...sóbrio do evento, apesar de ser uma produção recente de Hollywood focada no tema mundo-pós-apolipse -de-zumbis. Conta com um elenco mais bem-pago e portanto, um tanto mais...sério que o da maioria dos filmes por nós apreciado, contando mesmo com Woody Harrelson(que faz um papel hilário de durão em busca do último Twinkie do planeta) e uma ponta de Bill Murray, este fazendo papel dele mesmo, maquiado de zumbi e ainda vivendo em sua mansão em Beverly Hills, ou seja lá onde for aquilo. Não foi dos filmes que mais nos fizeram rir, mas nem de longe é um filme chato. Apesar de darmos preferência para filmes mais avacalhados, foi bom ver um título mais bem-produzido sobre o tema, tão execrado por tantos ditos atores mais sérios. Dou nota 7,75.

De resto, eu curti muito o evento, e espero ainda termos outros antes do final do ano, apesar dos desencontros gerais que estão rolando neste péssimo ano de 2010. Fiquemos no aguardo então, e retornemos para a vaca-fria da segunda-feira maldita, com sua enxaqueca matinal, que já está me enchendo o raio do saco aqui.

Mais novidades no decorrer dos acontecimentos...

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Aproximação.

...e eis que sentia que o final de semana se aproximava, e isto lhe dava muito ânimo, pois sabia que o final de semana, que se aproximava, era importantíssimo para sua saúde mental. Mas uma vez que sabia que o final de semana estava se aproximando, ele sabia que poderia confiar em tudo mais, mais nada importava, uma vez que o final de semana se aproximava, cada vez mais e mais e mais. Sabendo que o final de semana estava chegando, ele também sabia que chegava a época de bons amigos, boas risadas, relaxamento e quejandos.

Tudo isto graças ao final de semana que se aproximava, e que ele tinha fé que lhe salvaria saber que o final de semana se aproximava, cada vez mais. Uma vez que o final de semana se aproximava, ele poderia esquecer de todo o resto, de Sumpaulo, da dívida e tudo mais, uma vez que era cada vez mais inexorável a chegada do final de semana, que se aproximava. Sabendo que o final de semana estava logo ali, ele poderia ficar à espera do final de semana que se aproximava, tentando fazer de tudo para que o dia de sexta passasse o mais rápido possível, uma vez que o final de semana se aproximava, a cada instante, a cada momento.

E na posse dessa vital informação(o final de semana se aproximava), ele poderia tolerar de bom grado as dez horas escrotoriais que lhe separavam da chegada do final de semana. E se sentia muito bem, sabendo que o final de semana se aproximava e o evento de filmes, muitos filmes trash, na companhia de outros amigos ansiosos pela chegada do final de semana, seria muito bom. Uma vez que chegava o final de semana, ele sabia que a proximação do final de semana seria ideal, ideal para se libertar de toda esta merda que nos acompanha nos dias úteis, tão inúteis.

Sabendo que se aproximava o final da semana, ele poderia descansar, ele poderia ficar de boa, beber e muito se rir, das tentativas frustradas para uns, mas não aos assistintes(?) de fazer uma sétima arte que beirava a oitava, distinta, diferenciada, assim como o final de semana que se aproximava. E como se aproximava(o final de semana), ele sentia cada vez mais e mais disposto. Mais animado. Mais repleto de forças para acabar com suas forças durante o vindouro final de semana, que se aproximava, que chegava. Mais e mais e mais.

O final de semana se aproximava. Era tudo que precisava saber naquele dia em que a aproximação do final de semana(que chegava) era cada vez mais concreta. Trabalhadores servis do meu mundo, uni-vos em júbilo, uma vez que vos afirmo, veementemente, que o final de semana se aproxima.

Mais e mais, ele se aproxima. O final de semana. Ele vem, ele vem. Para nos salvar. Nos libertar!

O final de semana se aproxima. Spread the word, for it is approaching. The weekend.





Feels good man.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

B-3.

Não aguento mais.

Todas as noites, é a mesma coisa. Eu sou conduzida a meu quarto, triuinfante e cheia de idéias, e quando me vejo sozinha, o remorso começa a surgir.

Pensei que poderia contornar tal sentimento mergulhando de cabeça na pesquisa, mas...algo dentro de mim sabe, sempre soube, que tudo isto que fazemos aqui...é uma atrocidade. Um verdadeiro estupro mental naquelas pobres pessoas.

Dentro desta solidão silenciosa destes cubículos à prova de sons que são nossas celas, o remorso sempre aparece. Creio ser este o motivo de isolarem acusticamente nossos...aposentos. Depois de fazermos toda a vontade abominável de nossos "protetores", o silêncio das celas nos aguarda para uma noite absolutamente opressiva. As paredes parecem mesmo se fechar por cima de nós, criando uma estranha claustrofobia.

às vezes, é possível escutar gritos abafados, vindos de algum outro quarto ao meu redor. Creio que não sou a única que tem dilemas morais em relação à nossa pesquisa obscura.

Minha principal..."paciente" parece estar se comportando de maneira estranha por estes dias. O outro subconsciente nela transplantado parece estar causando alguma espécie de reação adversa em seu córtex cerebral. Verificamos alguns sinais de deterioração celular em áreas periféricas do cérebro.

Parece que a pessoa sabe que está sendo violentada mentalmente. Os chips orgânicos que contêm a personalidade transplantada não apresentaram nenhum sinal de deterioração, entretanto. Não que isto me surpreenda: um artefato daqueles é bem diferente de um cérebro que já foi vivo um dia.

Vivo...e livre. Creio ser este o pior tipo de pós-vida que uma pessoa possa ter.

Me parece que o subconsciente original da paciente, ainda tenta, por vezes, retomar o controle das funções neurais. Reclamar para si o domínio daquilo que sempre foi seu por direito...Podemos ver isto claramente fazendo uma leitura do eletroencefalograma dela, que mostra picos de atividade neural quando tais episódiso de revolta interna aparecem.

Não sabemos ao certo como a coisa está se manifestando visualmente na realidade virtual por nós instalada na mente dela. Só temos controle absoluto sobre os parâmetros do mundo irreal que algum dos bioengenheiros planejou para este experimento. Na mente do sujeito inserido em tal realidade, já se passaram sete meses que ele foi "despertado" de um equipamento criogênico para descobrir um mundo arrasado,, por nós criado.

Os reflexos de tal embate mental entre a mente original da hospedeira e a transplantada estão começando a ser somatizados no restante do corpo dela. Os rins tiveram alguma necrose nada usual nestes últimos dias. O aparelho gastrointestinal está se contorcendo de maneira inusitada também. Não me surpreendo com nada disto. O copro dela está reagindo contra um invasor.

Um invasor...por nós posto, por nós arquitetado. Uma autêntica monstruosidade.

Estou ficando viciada na mais nova bebida oferecida por nossos "protetores"...uma que possui doses ainda mais altas de efedrina, eu presumo. É a única maneira de me manter acordada. E como fico extremamente trêmula por conta desta coisa, sou obrigada a tomar um relaxante muscular muito poderoso por cima.

Eu sinto...e sei...que isto está acabando comigo. Mas não posso fazer nada. Não consigo mais dormir. Não tenho mais calma. Não tenho mais paz. Especialmente sabendo que outro dia, apanharam um de meus colegas fazendo um registro escrito do que está vivenciando aqui, da mesma forma que escrevo estas linhas neste antiquado caderno.

No dia seguinte, ele não apareceu. Disseram que ele teve uma emrgência médica. Apendicite.

Bem sei que apendicite é esta.

O efeito do relaxante está passando, mas a efedrina ainda domina meu sangue. Quase não consigo mais escrever nada direito. E sei que os pesadelos mentais virão, em breve. Dizem ser um dos efeitos colaterais do abuso desta droga, mas creio que no meu caso, seja diferente.

Bem sei que minha moral, enterrada pelo peso das pesquisas, pela excitação dos resultados deste odioso experimento, se vê livre das amarras quando entro neste quarto.

Ninguém precisa me torturar. Eu mesma me encarrego disto. Todas as noites.

Até quando?

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Multipass onerosus est.

Está feito. Agora é oficial. Não sou mais tão brasileiro assim, e aqui está a prova.

Mas foi custoso. Muito custoso.

Ontem, eu e minhas irmãs fomos pela terceira vez para Sumpaulo, a fim de finalmente resolvermos esta questão internacional. Era para termos finalizado esta peleja desde o ínicio de julho, data em que iríamos receber o passaporte tcheco, mediante visita a esta cidade e o pagamento dos devidos emolumentos e custas referentes à confecção do mesmo. Entretanto, quando lá chegamos, fomos gentilmente informados que o sistema estava fora do ar, que teríamos de ali voltar outro dia.

Muito obrigado por nada.

Enfim, são águas passadas do gelado mês de julho, eu não me importava mais com isso, apesar da experiência ter me arruinado financeiramente. Pois bem, passados quase dois meses, a atual cônsul iria dali se retirar, então corremos para de uma vez resolver tal parada. Marcamos, agendamos, enchemos o saco dos funcionários do consulado para que não repetissem a proeza de nos fazer gastar muito dinheiro e perder um dia de serviço em vão. Caso acontecesse de dar errado desta vez, eu já havia prometido a mim mesmo arrancar a cabeça do pessoal de tal instituição com os dentes.

Não aconteceu: chegamos uma hora antes do previsto e já fomos atendidos, uma vez que o pessoal ficou sinceramente envergonhado da palhaçada da visita anterior, que nada rendeu além de débitos. Resolveram tudo e apanhamos os tais documentos.

Vitória.

Nem tanto.

Aconteceu um pequeno imprevisto. Como deixamos para resolver as coisas meio que em cima da hora, o voô que costumávamos pegar para retornar estava esgotado, e minha irmã, na correria de resolver tudo para voltarmos no mesmo dia - eu não queria ficar dois dias naquela cidade do inferno de maneira alguma - cometeu um leve deslize, enquanto olhava a possibilidade de pernoitarmos lá(proposta por mim rejeitada e por meu emprego também).

A passagem de volta não constava nos registros da companhia horrenda.

(Nota: não, NÃO voe pela porra da companhia Webjet. É uma verdadeira merda de companhia, péssimo atendimento e tarifas idiotas para casos assim. Antecipar voô? Claro, mediante o pagamento de 110 renais por pessoa + diferença de tarifa.)

Havíamos, inadvertidamente, agendado uma passagem para...o dia seguinte, 24 horas depois.

Como fazer então? Eu já estava zerado de crédito no banco, contando com a estrondosa e onírica quantia de dez reais em minha conta. Precisaríamos pagar os tais 110 reais para cada. Me lembrei de uma modesta poupança que possuía na Caixa Econômica. Já estávamos esbaforidos, desesperados nesta corrida contra o tempo e contra o débito. Fomos correndo para os terminais existentes no aeroporto. Adivinha se não estavam funcionando. Claro que não. Corre para o banco 24 Horas. Tarifas absurdas, mas era uma emergência. Felizmente havia o necessário na minha modesta poupança, que deixou de existir.

Volte para o terminal da merda da companhia, que nos fez enfrentar a fila toda de novo. A esta altura, eu já estava trnasferindo minha promessa de arrancar as cabeças dos atendentes do consulado para a filha da puta no balcão da porra da empresa. E eu não era o único. Todos que estavam naquela fila queriam matar os atendentes da companhia. Havia um baiano que estava quase puxando a peixera e pondo os fatos da mulé para fora dos compartimentos usuais.

Pois não. Ah sim, vou ter de abrir o voô. Terão de pagar a taxa de...já sei, vagabunda. Eu pago, resolva meu problema. (dez minutos depois) Senhor, infelizmente não é possível fazer tal manobra, o senhor teria de comprar as passagens de volta e cancelar a do dia seguinte. Evidentemente, só restituiremos 50% do valor que vocês pagaram. Quanto custam as passagens? Quatroceintos e noveinta(paulistês) e oito reais, senhor.

Eu tenho dez reais no banco. Ficar até o dia seguinte? Sem dinheiro nem para comprar uma bolacha nesta merda de cidade, ter de pernoitar nesta porra de aeroporto no cu do mundo, onde uma fatia de pizza custa vinte reais??

Nem FUDENDO.

Existe endividamento, cheque especial, para estas horas.

Lá vou eu correndo para o terminal do Bradesco. Empréstimo. Quatrocentos reais. Câmera lenta, especialmente selecionada para momentos de extrema pressa como este. Nhec nhec nhec. Etapas desnecessárias, telas cheias de informações inúteis sobre como o banco irá comer meu rabo nos juros. Blah blah blah, FODA-SE!!! Libera minha grana, caralho!!! A quantia estará disponível em momentos. Tela inicial por momentos que pareceram vinte minutos. Perco a paciência, já bufando de extremo ódio pela sequência digna de uma comédia(aposto que havia alguém muito se rindo disto tudo), vou para o terminal do lado. Nhec nhec nehc. Saque. Nhec nhec nhec. Serviço indisponível.

Resistir tendências para rasgar minhas roupas todas e esfrangalhar os terminais, as pessoas ao meu redor e começar um incêndio. Pronto. Volto para o outro terminal. Saque. Nhec nhec nhec. Mais uns cinco minutos de espera até as notas saírem; voltar correndo, desviando dos meros obstáculos que são todas aquelas pessoas.

"Hell is other people." - Jean Paul Sartre. Confirmado, caríssimo.

Voltar, tolerar petulância de atendente ameaçada de extinção por minha pessoa. Pagar quinhentos contos. Correr para o terminal, ignorar a fila, uma vez que já havíamos sido atendidos. O voô? Sai em vinte minutos. O atendente, felizmente não faz caso de termos ido direto a ele, apesar de não ter sido a mesma que havia nos atendido na primeira tentativa frustrada de check-in. Olha para o monitor por instantes demorados, que me pareceram horas. E eu já pensando, "deu merda de novo, quer ver?"

"Bagagens?" - "Não." - "E de mão?" - "Isto." - "Certo. Embarque imediato, portão 21."

Suspiro breve de alívio. Corre corre corre.

Pessoas. Sempre no caminho, pessoas. Malditas pessoas.

Detector de metal. Pi pi pi. É a PORRA do meu relógio. Toma, filho da puta. Vai pra merda e me libera. Corre corre corre, MALDITAS PESSOAS!!! Saiam do caminho! Terminal vinte e um. Nada. Painel elctrônico: voô 6774, embarque imediato, portão 17. Corre corre corre, porra de merda do caralho do inferno do cu do judas de pessoas em nosso caminho! Marcela espanta uma velha com um bater de palmas, sai da minha frenta, caralho!!! Eu saio rindo diante da reação indignada da velha. Portão 17. Nada. Atendente: "Não, é no portão 21A."

Voltemos, correndo, desejando imensamente ter trazido uma serra elétrica para eliminar os obstáculos que são os idiotas que te veêm correndo e não saem do caminho.

Atendente, novamente. "Sim é aqui, mas ainda não chamaram." Ah, ao menos isto. Esperemos, esbaforidos. "Embarque imediato, voô da MERDJET 6774. Façam duas filas, de lugares ímpares e pares. E eu me pergunto, por quÊ, mas nem tenho forças mais para protestar.

Eu só quero sair desta merda de cidade. Desta amosta grátis de inferno.

Embarcamos. Assim que embarcamos, eu faço questão de mandar toda a cidade tomar no cu com gestos obscenos que proferi para a janela. Neste momento, já estava esperando o avião dar pane e explodir, para encerrar com chave de ouro a divina comédia que foi esta epopéia de tentar retornar para casa. Seria perfeito para o tal onisciente que tanto se diverte com enfezados naturais como eu.

Não aconteceu. O restante foi quase todo certo, com exceção da discussão que se seguiu assim que chegamos em casa, "Mas que absurdo, como você foi fazer isso? Pare de viajar, aterrisse, blah blah blah." E eu só assistindo, tentando ser conciliador. Não rolou.

A esta altura, eu nem mais me importava com nada. Estou absolutamente fudido de grana doravante, até sabe-se lá quando, mas está resolvido, está encerrado. Não mais terei de voltar para aquela PORRA de cidade infernal, a não ser daqui a dez anos, data em que a validade do oneroso documento expira.

Foda-se também. Estou vivo, o dia de ontem foi uma merda, mas acabou. Eu não acabei, apesar de ter me aproximado dum infarto fulminante causado pelo mais puro ódio diante de tanta merda junta.

Ou seja, apesar dos pesares, eu ganhei. Foda-se o resto.

Mas quero muito que este ano dos infernos acabe, mais que nunca. Pra merda, chega.

E devo retornar ao normal aqui. Só queria relatar o caso...coisa que não fazia há tempos porraqui.

Assim, assado. Depois tem mais né?

(Espero que não mais episódios desta natureza, entretanto.)


segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Nada melhor.

Nada melhor do que uma corrida atrás de cachorros fujões para se despertar numa segunda-feira pela manhã.

Inda mais em uma segunda nauseabunda.

Nada melhor que um final de semana longe de casa para evitar que rixas familiares muito primitivas tomem novas proporções.

Nada melhor que um café, meio litro de, ou mais, para se conseguir distinguir um fiapinho de lógica às segundas feiras pela manhã.

Nada melhor que ouvir o rádio por quarenta minutos enquanto estamos em trânsito, para se perceber que não estamos perdendo nada nunca escutando tal aparato.

Nada melhor que analisar o modo de vida dos aborrescentes mudernos, xingar a música, os cabelos, o modo de ser deles para nos darmos contas que estamos ficando de fato velhos.

Nada melhor que uma ida ao nosso eterno "retiro espiritual", os locais que cada um de nós elege para nos reenergizar ao longo de nossa vida.

Nada melhor que uma conversa com nossos velhos amigos.

Nada melhor que café, dez mil litros de, pelas segundas matinais setentrionais etissetera com flocos crocantes e o delicioso...não. Nada melhor que café, puro café. Muito café.

Segundas, ó segundas. O que me aguarda neste enigmático dia designado por algum sádico qualquer?


sexta-feira, 20 de agosto de 2010

B-2.

Mais uma noite insone neste cubículo.

O quarto que nos "oferecem" por aqui é uma coisa ridiculamente pequena. Quase opressivo, sufocante. Gostaria de saber se nos outros blocos continentais do mundo que ainda se degladiam entre si, os cientistas estão sendo tratados desta mesma maneira.

Me falavam que era perigoso saber demais certas coisas. Alguns de meus amigos de infância eram suficientemente inteligentes para serem meus colegas nas ciências, mas abandonaram todos os estudos quando as coisas começaram a ficar complicadas.

Eu sempre tive ambições nesta área. Ignorei todos os avisos...e, sinceramente, esperava que por agora, as coisas já estariam melhores. Quando me vi no meio de meu primeiro doutorado, já era tarde. Já estavam de olho em mim. E, por vaidade ou simplesmente por ambição científica mesmo, nunca sequer cogitei a possibilidade de parar tudo e abandonar o país, como meus pais fizeram...

Confesso que acho que, se tivesse de abandonar meu trabalho e ter de fazer algo mais manual, acho que morreria de tédio.

Especialmente depois destes últimos dois meses.

Por mais incongruente que possa ser, meu trabalho aqui está sendo minha única motivação para não acabar com tudo, não sair daqui batendo a porta, ingerindo algum composto letal do laboratório de análises.

Meu antecessor nesta unidade de pesquisa relutou muito, discutiu as repercussões de se fazer pesquisa com seres humanos, mas acabou sendo vencido pela força dos agentes daqui e seus métodos de nos obrigarem a fazer as coisas...mas creio que ele também acabou sendo seduzido pela pesquisa em si, no final de sua vida.

Meu "paciente" principal é uma mulher de 30 anos, que está em estado suspenso há dez anos. Creio que era uma das dissidentes que fez parte das manifestações que culminaram em mais de dois mil mortos e milhares de feridos. E aparentemente, os sobreviventes desta confusão se tornaram cobaias do governo.

Esta mulher está sendo o foco principal de um program de manipulação de identidades, onde conseguimos alterar toda a realidade percebida pelo cérebro do paciente em seus sonhos. As pesquisas do falecido doutor deram muitos resultados, todos fascinantes do ponto de vista científico...mas muito questionáveis em todos outros aspectos.

Para se ter uma idéia, conseguimos inserir nos sonhos dela uma realidade completamente diferente. Ela está sonhando que é um homem. Um voluntário de um programa de criogenia desenvolvido pela inteligência governamental, que acorda em um mundo pós-apocalíptico. Não sei de onde o tal doutor tirou tal idéia, mas pelo que podemos ver nos resultados preliminares, tal realidade se tornou absoluta no cérebro dela.

Creio que se a despertássemos, ela não mais acreditaria na realidade em si. A julgar pelas leituras dos padrões neurais dela, acho que ela nem mesmo iria crer que é de fato uma mulher, e não um homem.

Os resultados são siceramente...emplogantes para um cientista, mas não consigo nunca me esquecer do que é que de fato estamos fazendo com ela. Ela era uma pessoa, hoje é apenas o recipiente natural para a preservação do cérebro em que conduzimos tais estudos.

E então me lembro em que me transformei...em que me fizeram transformar. Enquanto estou no laboratório, analisando os dados e inspecionando a realidade paralela que inserimos dentro da cabeça da pobre coitada, eu me empolgo, e me deixo levar pelo calor da pesquisa, pela "aventura" do conhecimento, como dizia o falecido doutor.

Depois, quando me vejo sozinha e trancada neste quarto, me dou conta do que estou fazendo. Aquilo era uma pessoa. Era uma mulher como eu. Não sei mais nada de sua vida, apenas sei que agora ela crê ser uma pessoa completamente diferente. E a "mente" que ali inserimos era de outra pessoa, que já sucumbiu aos experimentos.

O que estamos fazendo aqui? O que eu estou fazendo?

Nas primeiras semanas, eu quis muito encerrar tudo. Quis me matar, sinceramente. Mas estava sempre sendo vigiada. O tempo foi passando, fui me resignando a apenas obedecer, dizendo a mim mesma que não faria mais nada além de obedecer, sem de fato contribuir com meu pensamento, minhas idéias para a melhoria da pesquisa.

Mas o tempo foi passando, e eu fui ficando ligada à pesquisa, mesmo por que se tornou meu único objetivo na vida...e meu único "conforto" aqui, por assim dizer. E me deixei corromper. Comecei a contribuir ativamente para o progresso das pesquisas. Foi graças a uma idéia minha que o dito "transplante" de personalidade foi possível de ser feito.

Nós só teríamos de matar o cérebro do doador, só isso.

Eu matei uma pessoa. Indiretamente, mas matei. E acabei com a vida de outra, inserindo ali uma realidade por nós manipulada, alterada para atender nossa pesquisa. E fiquei empolgada no decorrer das pesquisas, animada com os resultados. Como se estivesse lidando com meros ratinhos, e não pessoas.

Em que me transformei?

Tento esquecer tal coisa, mas simplesmente não consigo. Tento justificar de todas as maneiras, mas...eu sei que não existem justificativas.

Minha cabeça já alteja, e meus olhos se marejam. Tenho que parar. Tenho que dormir. Mas não consigo. Todo os dez anos de sono initerrupto daquela mulher se tornaram minhas noites de insônia.

Em que me transformei? O que estou fazendo?

Devo parar, não sei nem que horas são, mas creio que em breve virão me buscar para que eu continue...a torturar aquela pobre mulher, e aquilo que um dia já foi a mente de um homem.

O que estou fazendo?

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

404 #6578674856E+45.

Tá frio demais pra escrever alguma coisa. Saco.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

B-1.

Me presentearam com este diário no meu último aniversário. Este ambiente de trabalho opressivo que vivemos aqui nestes porões de segurança máxima governamentais não permite muitas brincadeiras, mas esta eles deixaram passar. A política daqui é o máximo de seriedade possível, o tempo inteiro.

Para ser sincera, o clima reinante aqui é sempre de medo. Temos que fazernosso trabalho mas como se estivéssemos em um regime militar, com todos seus documentos censurados e a polítca de "não pergunte nada, apenas obedeça" é imperativa.

O colega que me deu este antiquado caderno, me conhece bem. Sabe que eu não aprecio ter de trabalhar aqui. E sabe que não posso agir de outra forma. Eu detesto todo este governo que nos obriga a fazer estas...coisas nestes laboratórios secretos aqui. Têm todo seu discurso que é para o bem da humanidade, pesquisas avançadas de psicologia e parapsicologia e tudo mais, mas todos nós sabemos que o que eles querem mesmo é exercer ainda mais sua dominação sobre seu povo.

É uma maneira estranha de começar um diário, mas creio que não posso muito detalhar minhas anotações, nem devo. Levei um bom tempo procurando um esconderijo ideal para este caderno antes mesmo de começar a escrever...a desabafar. Não posso deixar que nenhum dos guardas jamais me veja anotando estas coisas aqui.

E pensar que nós todos já fomos renomados cientistas, que poderíamos ser realmente denominados benfeitores da humanidade e tudo mais. O governo, depois que se tornou o que é, foi seletamente capturando os melhores cientistas e os obrigou a se recolherem nestes galpões, onde somos obrigados a fazer tudo que eles querem.

De uma forma ou de outra. Se não fizermos, eles nos injetam com aquela coisa horrenda que nos transforma em zumbis obedientes. Eles mesmo evitam ao máximo de usar o soro, uma vez que o rendimento da pessoa afetada por tal droga cai bastante, e mesmo dias depois que o efeito principal passa, os efeitos colaterais aparecem. Náuseas, tonteiras, queda de pressão.

Há rumores de que um cientista resistiu tanto ao soro que sofreu uma overdose, pois os gorilas da segurança foram administrando mais e mais doses no pobre coitado, enquanto ele resistia. Dizem que todos seus órgãos internos tiveram uma hemorragia maciça. Ele morreu em duas horas.

Dizem muita coisa, também. Já nem sabemos o que é verdade e o que são apenas histórias para nos aterrorizar. Mas nenhum de nós quer pagar para ver. Todos sabemos o que é sentir dor. E alguns de nós têm parentes sob "proteção " deste maldito governo. Bem sabemos que espécie de proteção é esta.

Eu, graças aos céus, não tenho ninguém para que eles ameaçem. Toda minha família está longe deste continente. Saíram daqui quando os rumores de revolução começaram a surgir. Eu, que sou uma estúpida, fiquei. Tinha de terminar de escrever minha tese, mais um artigo, outros tantos afazers científicos. Meu pai me avisou, meus irmãos suplicaram para que eu os acompanhasse.

Não o fiz, por pura vaidade...ou seja lá o que me subiu à cabeça. E, em questão de semanas após a posse do atual Ditador, começamos a sentir as mudanças. Os departamentos de pesquisa neurais, onde somente existiam pessoas trajando alvos jalecos e outras roupas do quotidiano laboratorial, começaram a se manchar de preto. Homens de terno com ferrados semblantes e nenhum maneirismo ameno nos encaravam, nos estudavam, dia após dia.

Em um mês, as fronteiras foram fechadas. Ninguém entrava ou saía, a não ser se devidamente autorizado pelas autoridades. Depois de uns seis meses, os homens do governo começaram a nos "recrutar" para estas pesquisas hediondas destes galpões.

E eu, vi toda minha teimosia, minha vaidade, gerarem os frutos da amrgura, do dissabor de ter de obedecer a estes protocolos odiosos. Toda esta pesquisa invasiva e agressiva. Não existe mais nenhuma ética. Cobaias? Seres humanos.

Passei semanas tendo vontade de simplesmente me matar, acabar com tudo. Não contribuir com esta monstrosidade que se desenrola diante de meus olhos. Mas sou muito...covarde. Não consigo ter coragem para simplesmente acabar com tudo. Não consigo.

Ouço o guarda fazendo a ronda do lado de fora de meu quarto...ou melhor dizendo, minha cela. Acho melhor parar por aqui hoje. Continuarei depois.


terça-feira, 17 de agosto de 2010

A-10.

Está tudo pronto.

Nem sei se irei precisar disto tudo...de toda esta tralha que acumulei neste tempo em que estive aqui nos destroços desta cidade. Mesmo assim, levarei tudo que achar que possa ser útil. Não sei aonde o caminho irá me levar.

Saio na rua com minha improvisada mochila e olho ao meu redor, as árvores desfolhadas, as ruas atapetadas de amarelo. Meu rio, o rio Porão, saindo de baixo deste prédio que me serviu de abrigo nos dias e dias que aqui estive.

Será que estive mesmo? Pensei a respeito de todo aquele treinamento...todo aquele blahblahblah preparatório naquele galpão, aquela palestra sobre pontes neurais, e todo aquele estranho jargão médico que tanto me confundiu e me serviu de canção de ninar naquela remota tarde. Dormi a palestra inteira.

Me lembro de ter ouvido algo sobre sonhos induzidos mesmo, alguma técnica nova de manutenção cerebral...ao que me pareceu, os tecidos se deteriorariam se não fossem adequadamente estimulados durante o processo da criogenia. Algo assim.

Mas não acredito que nada disso possa ser um sonho, nem um pesadelo.

Apesar de que nada faz muito sentido por aqui, não consigo acreditar nisto, não sei por quê. Não entenderia o motivo de alguém causar uma pessoa a sonhar semelhante coisa...semelhante deserto.

Por isto, resolvi abandonar este meu "posto avançado" e tentar achar...algo, alguém, não sei.

A inócua e deserta cidade parece tentar me englobar com toda sua ruína. Não.

Aqui não ficarei. Dou mais uma olhada no cenário que por tanto tempo se transformou em meu lar, e avanço passo a passo por cima do tapete amarelo de todas aquelas folhas mortas. Não olho para trás, e tento não pensar em todo o risco que estou correndo, ao abandonar esta fonte de água e comida que se tornou meu oásis particular nesta escangalhada cidade.

Ando por muito tempo, até que começam a surgir pontos brancos no meio da amarelidão reinante no chão. A rua em que caminho parece nunca ter fim...e me é completamente estranha. Tudo ao meu redor me é completamente estranho. É como se toda esta merda estivesse viva, mudando a cada instante. Não sei que diabos é isso.

Ando e ando, até minhas pernas cansarem, e a noite começar a cair. Aí sou obrigado a parar. Faço um improvisado abrigo debaixo de uma marquise, acendo um foguinho e me instalo diante dele, pensando.

Nem sei bem em que pensar. Por quê isto? Por quê continuo aqui? Por quê não tive coragem de acabar com toda esta merda, todo este ofensivo silêncio, este agressivo e hediondo silêncio que tanto grita em meus ouvidos a cada voz que não escuto, a cada fala que não falo. Tudo é vazio. Tudo é silêncio.

Não saberia dizer se foi realmente covardia de minha parte não ter dado o derradeiro passo, ou se realmente existe alguma esperança a ser perseguida neste local arruinado. Não sei.

Acho que nunca saberei ao certo...ou melhor dizendo, acho que nunca saberia ao certo se não tentasse seguir o caminho que se esbranquece. Olho ao redor, olho para a rua metros adiante. Lá estão elas, as folhas brancas, em meio às amarelas.

O que significa isto? É a única coisa que tenho em mente, é meu objetivo. Tornei isto em meu objetivo. Seguirei, até onde conseguir. Tentarei achar alguma razão em meio a este caos de nada sobre nada.

Devo dormir. Amanhã continuarei.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

De repente.

E de repente, frio. Muito mas muito frio. De onde veio, o que quer de nós?

Quero que saiam daqui, saiam de suas casa, vão para o trabalho, vão para o inferno!

Ah, mas eu até preferia, ir para lá. É quente, ao menos.

Acho que perdi metade da hora de acordar, aquele maravilhoso momento em que não entendemos nada de nada devido ao estado de estupefação causado por ter de aqui neste realidade retornar, tentando cogitar o que de fato estava acontecendo, por que estava acontecendo.

Após um final de semana de amenas temperaturas, na virada do domingo para a segunda - eram exatas doze as horas em meu relógio - a temperatura começou a declinar rapidamente, indo de 16 para 14 em menos de meia hora. E continuou a cair até chegar nos 9.

E dali de cima mesmo dava para encarar o semblante sarcástico da segunda incipiente, que pairava por sobre os restos mortais, os derradeiros instantes do extinto final de semana, onde muito foi visto, em telas televisivas, em companhia das mulheres de minha vida, sendo que uma delas estava devidamente enfermizada pela pequena cirurgia que muito incomoda.

E hoje, as férias acabaram, o retorno ao lar de meu torto sobrinho me aguarda. Não o maldigo, eis que tem sido uma de minhas mais fixas companhias, um de meus poucos refúgios levemente sociais de mim mesmo, do que me tornei em péssima companhia de mim mesmo.

Procuremos as poucas que ainda toleram-me em meio ao redemoinho de tanta coisa confusa. Do lado de fora, do lado de dentro. Assim e assado, de um jeito ou de outro, é o que é.

Esquentemos as enregeladas mãos na caneca de meio litro de café e vejamos o que vem em seguida.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

A-9.

Tão alto.

Tudo parece tão pequeno, ínfimo. Deve ser a forma que nos enxergam lá de cima. Eles, que tudo decidem, eles que tudo resolvem. Eles, que existem mas não existem, por assim dizer.

Dias e dias, andei e procurei por este local. Este ponto mais elevado de todos.

Não sei mais o que fazer. Não tenho nada mais o que fazer.

Não aguento mais.

Acordo sempre do mesmo jeito, no mesmo lugar, não importa o que eu faça. Todos os dias, as ruas se fecham por cima de mim com seu silêncio agressivo. Sua multidão de ninguéns gritando todo aquele horrendo silêncio por cima de mim.

Ninguém. Ninguém.

Passaram-se meses, anos, não sei. Desde que aqui estou, nada muda, tudo é estranho. Continuo sonâmbulo, andando e escrevendo garranchos ilegíveis nos papéis que distribuo pelo deserto dos prédios, dos restolhos de civilização.

As árvores amarelas se desfolharam, atapetando toda a cidade extinta com uma passarela de matéria morta...tão bonitas aos olhos de um casual transeunte desta cidade, enquanto estivessem vivos. O espectador e a cidade.

Nada do que escrevo faz sentido, também.

No meio da passarela amarela, existia um caminho, entretanto. Um pedaço sem cobertura de mortas folhas. Segui tal caminho, o mais feio deles.

Reencontrei a praça do álcool eterno, de dias atrás....dias...meses? Não sei. Reencontrei a praça, o edifício. O único que ainda se mantem alto, que possui sua integridade, desde o primeiro andar até o último...onde me encontro agora. Subi e subi, degraus ainda funcionais, ao contrário dos extintos elevadores deste outrora tão imponente arranha-céu.

2076 degraus depois, cá estou. No topo do mundo, se pudesse assim ser tão cheio de glamour, este último espigão do mundo. Se é que isto é mundo, de fato.

O vento aqui é mais forte. As vozes que ele sussura são mais intensas aqui. Mas nada me dizem.

Chego à beirada, segurando este bloco, anotando tudo que se passa. Nada se passa. Nada, além de vento e desespero. Não existem grades. Não existem redes. A antena está arruinada, não existem transmissões. Nem indo, nem vindo, nada.

Vento.

Vejo, vejo tudo lá embaixo, do jeito que eu deixei, do jeito que deixaram, sabe-se lá quantos anos atrás, quantos milênios atrás. Ruas amarelas, desprovidads de gente, mas carpetadas do mais sublime tapete de mortas folhas destas...destas estranhas árvores, que nada me trazem além deste sentimento de imensidão, de ser a gota d'água na atmosfera de Júpiter.

Nada que escrevo faz algum sentido. E o que procuro aqui? O que estou fazendo aqui?

Será que consigo voar? Talvez. Talvez todos tenham se ido deste planeta para não obscurecer minha glória de ser o primeiro homem a conseguir voar, sem asas, sem motores, sem nanotecnologia. Todos devem ser poupados deste dantesco espetáculo.

Chego à beirada e olho para baixo. "Se contemplares o abismo, o abismo vos contempla de volta?" Estou certo? Metros e metros, lá embaixo, estão me esperando todas as folhas que me servirão de túmulo.

Ergo os braços e grito. Grito como jamais gritei antes em minha vida. A cidade parece escutar.

Mas nada me diz.

O vento, o vento assobia em meus ouvidos. Fecho os olhos. Mais um passo adiante. Mais um passo. Quantos mais existem até a última beirada?

Passo. Passo. Vento, vento. Não abro os olhos. Vento, vento.

Outro som aparece em meus ouvidos. O que foi?

Nada ao redor. Nada. Vento e ar.

Olho para baixo. Estou mais perto da beirada que imaginava, e sinto a devida vertigem, mas nem de longe é tão forte quanto na época em que...estava vivo. Na época que eu e outros estávamos vivos.

No meio da amarelidão das ruas...vejo pontos brancos que se fundem numa só cor...que reúne todas as outras e parece não ter cor, não ter sabor.

Uma rua branca, no meio do degradê dos amarelos nadas.

É hora de descer daqui. Pelas escadas.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Confa.

...Dias intensos, cheios de brigas familiares. Hu-há. E onde anda o ânimo nestas horas? Lá pros lados do Kazakistão, eu presumo. Mas sem o bom humor de Borat, infelizmente. Talvez eu esteja precisando de um pouco do potássio da terrinha onde o ânimo se escondeu, bem longe do bom senso, este desconhecido por estes dias, aparentemente.

E o que é pior, brigas em que você está errado e mesmo assim alguma vozinha irracional lá dentro fica só te impulsionando a não largar o osso em prol do "absurdo" que se desenrola diante de seus olhos. Tudo se torna estúpido e ignorante, incluindo você e sua boca grande.

Ai ai. Hoje o dia promete ser cheio de comiserações e arrependimentos. Cheio de conjeturas imaginadas e cenarios inexistentes. Em suma, uma merda.

Ô semana custosa da porra viu.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Roque bôtommm.


....almost there, almost there.

A-8.

Nem mais me importo em tentar registrar aqui mais nada sobre a passagem do tempo. O que é o tempo, por aqui, se não uma sucessão de claro e escuro? Dia e noite. E ninguém, absolutamnete ninguém.

Lembrei-me ironicamente do tal questionário para se entrar neste tipo de porjeto. Por mais que a coisa estivesse planejada de durar algumas semanas, talvez uns poucos meses, o tempo aqui teve relevência. Para me anular, me transformar no último cara vivo neste deserto que se tornou este planeta, esta cidade, não sei.

Dizia o pré-requisito para o programa, que queriam pessoas descompromissadas, com pouco vínculo familiar, afetivo, com outras pessoas. Lá fui eu, quebrado e fudido, "quando você está na lama, ninguém lhe quer." Quem sabe se, depois de todo este processo, eu iria conseguir ter um dinheiro a mais. Para me sentir menos lixo, mais humano. Mais digno de sobreviver, de manter, uma vida no mundo. Amparar alguém, constituir famíla, etc. Ao invés de apenas me consumir em minha inexistência.

Agora, vejo todo este amontoado de detritos ao meu redor, e muito me pasmo em perceber que pouca coisa mudou em minha existência. Eu continuo sendo o mesmo cara sem amigos, sem família, sem ninguém, que eu era antes de embarcar naquela canoa furada de projeto.

Fui dormir não tendo nada, acordei na mesma, senão pior que dantes. Além de não ter nada, não ter ninguém agora era apenas um reflexo da realidade de ser o último, o que ficou para trás.

O que aconteceu por aqui, não sei, não creio que irei descobrir. Mas a verdade é que estou cada vez mais e mais louco, tendo alucinações já. às vezes penso ter visto a tal árvore branca, numa imensa cratera, mas dois dias depois, nem sombra da coisa eu vejo. A tal praça do quearto secreto num prédio adjacente? Nem sinal, nunca mais.

E no entanto, meus auxiliares para um bom sono, os álcoois e os cigarros, lá estão em algum lugar da zona de meus recintos, sem que eu nem saiba onde estão, nem ao menos saiba como eles não acabam.

Estou ficando doido, mesmo.

Em outras andanças por estes dias, voltei a encontrar os tais papelinhos amarelecidos pelo tempo, com garranchos ininteligíveis, espalhados por aí. Agora, eu fiquei encucado uns dias quando voltei a encointrar tais coisas, mas depois de uns dois dias matutanto, eu descobri o que estava acontecendo.

Mais um reflexo de minha iminente loucura. Descobri que tais papéis saíram de meus próprios pertences...de alguns blocos de papel que estavam armazenados no fundão de minhas coisas. Resolvi investigar e descobri que alguns deles tinham páginas arrancadas. Apanhando estas páginas que encontrei em meio aos escombros, eu verifiquei que todos eles se encaixavam perfeitamente naos canhotos restantes nos blocos por mim esquecidos.

Ou seja, eu estive arrancando estas páginas, escrevendo toda aquela miríade de coisas inúteis ali, e sonambulei por ali, espalhando estas coisas ao meu redor, como se fosse um joguinho. Uma distração. Sonâmbulo. Que maravilha.

Os dias e dias passam sem que eu nem ao menos perceba. Em minhas semans iniciais por aqui, eu tentei de todas as formas lutar contra a barba que ia crescendo em minha cara, queria me manter limpo, asseado. Queria manter um registro de tudo, ser racional.

Para quê? Para quem? Para mim? Eu, que não era nada antes, e agora sou o nada absoluto?

Para quê? Para quê? Para quê? Para quê?

Somente o uivo do vento me responde.

Até quando?

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Três. Gramas. Três.

Vinte e cinco toneladas.

Assim como a atmosfera de Saturno. Estive cogitando isto. Talvez tudo esteja aqui e eu não, e não o contrário; talvez seja tudo assim, do jeito que deve ser, e não do jeito que achamos que deve ser. Tem sido assim, não? Talvez.

Talvez seja por que nos achamos, demais por vezes, mas sequer nem sabemos onde estamos, o que somos, e ficamos todos fazendo esta pergunta feito imbecis, enquanto oportunistas tomam o governo na Malásia. Eurásia, Lestásia. Ignorância é força.

É preciso, é preciso, deixar de ser o que se é para se ser aquilo que se almeja ser? É preciso ter de fazer o que fazem para ser como assim, como assado? É preciso deste líquido tomar, para assim se despertar, do sono sonhar, sem nem mesmo aqui estar, sendo o que não és, sendo o que não queres ser, apenas por que sim.

Tomam a vida àqueles que deveriam ser mantida, levam aqueles que não deveriam levar, somos o que fazemos de nós mesmos, a vida é o que é para que a ganhemos, para que a façamos, espartanos, gregos e troianos. Faz bem não querer ser tudo sendo nada.

Que se limpem os mecanismos, que se levantem os algarismos de numeração arábica, existencial de nada, sendo sem ser, o que querem, o que quiseram, o que nada quis para si, de si para si, além disto, de aquilo, de tudo mais.

E que a terça siga adiante, sem o menor sentido até a mesa de café. Dois litros, por favor. Sem açúcar. Curto. E mais três Red Bulls de meio litro. Pagarei no meu túmulo. Assim, assado.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Sumário.

Em pauta:

-Segunda feira.

Em falta:

-Ânimo, disposição, animação, vontade.

Resumo:

-É segunda. Blah. Que merda.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A-7.

Dias desde a última anotação: ?

Cada dia que passa, é como se uma vida inteira estivesse se desenrolando diante de meus olhos. Diante de meu nariz. Poir debaixo desta pele, destes osso, as coisa parecem mesmo estar fossilizadas, esquecidas.

Não escrevo nada desde sei lá quando, talvez dois dias, talvezum mês, um ano. Não entendo mais nada do que se passa neste local. Alguns dias estou relaxando à beirada de meu rio, e de repente eu pisco e já é noite fechada, faz frio. Como se tivessem dado um corte seco de seis, sete horas em meu dia.

Não consigo mais dormir sem ser inebriando-me com aquele escasso estoque de álcool que trouxe daquele lugar que....bem, ou não existe ou ficou perdido para sempre no meio do labirinto deste deserto urbano que um dia já foi uma cidade. Apesar de ser um modesto suprimento de garrafas que consegui angariar naquele extinto recinto, elas parecem não ter fim.

Lembro-me quase nitidamente que vou tentar dormir, rolo e rolo no meu estrado improvisado, me levanto exasperado e apanho no escuro mesmo alguma garrafa aleatória na prateleira defronte. Bebo e bebo, e depois tateio os apetrechos fumacentos, quase sempre acho um dos maços de cigarros, que também parecem nunca acabar. Bebo e fumo, até desmaiar.

E acordo como se nada houvesse acontecido. As garrafas voltam magicamente para a mochila, bem como os cigarros. E me levanto, checo as armadilhas, cozinho os bichos, como, bebo água, tomo um banho no rio, me sento para secar e...

De repente, noite.

Assim, do nada.

Ao menos aquele episódio das vozes parece ter se extinguido para sempre. Presumo que tenha realmente sido alguma espécie de intoxicação alimentar causada pelas rações de nutritivo isopor...Algo assim.

Mas a verdade é que nada faz sentido por aqui. Em minhas andanças, tenho visto que as árvores amarelas estão cada vez mais frondosas, repletas de botões. Suponho que teremos uma certa "primavera" por aqui em breve.

Ando e ando, bato pernas todos os dias por estas ruas, tudo parece igual. Nunca mais consegui retornar àquela praça em que encontrei o tal prédio do álcool. E tento quase todos os dias achar aquilo, pois está me encucando. Quase parei de explorar as ruínas, entretanto. Não tenho tido paciência, nem sei bem precisar por quê.

Entretanto, ontem descobri uma coisa inusitada. Enquanto fazia minha peregrinação diária pelas ruas, avistei ao longe uma coisa que me parecia ser uma espécie de declive mais adiante, como se fosse uma ladeira, algo assim na rua. Olhando de longe, para ser sincero, mais parecia ser o bordo de uma imensa cratera. me aproximei cautelosamente, pois algo de muito estranho pairava em torno daquele lugar que me era ainda desconhecido.

Fui chegando lentamente à beirada da tal cratera, e me embasbaquei.

De fato, eu só poderia classificar tal buraco como uma cratera: a forma e as bordas não me permitiam chegar à outra conclusão. Por um segundo apenas pensei ter encontrado a fonte de toda a destruição ao meu redor, mas tal sensação se dissipou assim que firmei os olhos em direção ao centro de tal buraco.

Lá embaixo, metros e metros abaixo do nível do solo, havia uma imensa árvore...branca. Não apenas nas flores que ostentava em seus galhos: toda ela era de um tom leitoso, as folhas, o tronco.

Desci cautelosamente até chegar ao pé de tal vegetal, que era de fato muito imponente, assim como aquele imenso buraco no qual ela fazia parte. De perto, ela se parecia muito com as demais árvores amarelas espalhadas pelos arredores de Ruin-town, a não ser pelo tamanho - deve ter uns vinte e cinco metros de altura para mais, no mínimo - e pelo tom esbranquiçado.

Fiquei ali contemplando aquela imensa árvore e pensando. Alguma coisa de muito estranha estava no ar naquele lugar, e mesmo assim...a sensação que aquele paquiderme vegetal me transmitia era estranhamente serena, quase incongruente com todo o absurdo ao redor, toda aquela destruição, aquela crater que parecia ter sido causada ou por uma imensa bomba ou gigantesco meteoro....e que tinha em seu centro apenas uma árvore, uma bizarra árvore.

Não resisti por muito tempo. Estendi meus braços, apanhei alguns dos galhos mais baixos e comecei a escalar a dita. Subi e subi, mas parecia nunca chegar no topo dela. Mesmo porque os galhos mais altos pareciam ser muito frágeis. Em certa altura, parei. Inspecionei o tronco do galho que meus pés estavam, me certifiquei que era uma parte realmente sólida da planta, e resolvi ali me recostar.

Sentei-me, já esperando aquele desconforto típico que tal macaquice costuma causar em humanos, especialmente se eles já estão suficientemente envelhecidos por décadas e décadas, ou mesmo milhares de anos (sabe-se lá quanto tempo estive desacordado). Mas o tal "assento" me foi surpreendentemente confortável.

Não sei precisar quanto tempo fiquei ali, tampouco sei explicar o que me causou fazer tal coisa, mas fechei os olhos e lá fiquei.

Me sentia estranhamente sereno ali. Como se fosse um local de descanso mesmo, algo que me recarregasse as energias, nem sei dizer. Abri os olhos depois de um tempo indefinido, já esperando encontrar alguma bizarrice diversa diante de mim ou já estar novamente englobado pelo negro envelope da noite fechada, mas...

Não havia nada de incomum naquele incomum mundo ao meu redor. Nada de diferente. E o tempo nem parecia ter passado. Resolvi descer e voltar para casa, poois eu sentia sede. Somente sede, não sentia nem fome nem cansaço.

Saí da cratera, e fui apanhando no chão alguns destroços suficientemente coloridos para me servir de guia. Eu queria voltar àquele lugar novamente. Fui espalhando tais marcadores pelo chão, até encontrar uma de minhas ruas já mentalmente mapeadas. E cheguei ao meu rio, ao meu lugar.

Me sentia muito bem. A noite caiu e não tive problemas para dormir ontem. Acho que sonhei com alguma coisa, mas não me lembro o que era.

Hoje acordei e decidi retomar meus escritos, para registrar aqui os acontecimentos estranhos deste tempo de bizarros acontecimentos, no meio deste deserto. Tentarei achar a cratera novamente hoje. Sinto que ali se encontra alguma parte importante deste mundo como ele é agora, depois de tanta destruição, de tanto abandono.

Veremos.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

A-6.

Dias desde a última anotação: vários.

Minha cabeça lateja. Por onde começar?

Abandonei estes escritos por um bom tempo. Perdi grande parte do que já havia escrito, devido a meus devaneios destes últimos tempos.

Não me orgulho do que fiz, mas também não sinto nenhum remorso.

Estou ficando meio doido já, pelo visto. Bem, comecemos do princípio. Alguns dias depois de ter encontrado aquela esquecida guitarra, minha insônia voltou. Com força. Fiquei uns três dias sem nem ao menos me sentir cansado, mas mesmo assim, eu queria dormir de qualquer maneira. O sono é um excelente passatempo quando as horas são completamente livres e sua única obrigação é manter-se vivo.

Ao fim da terceira noite em que velei incessantemente noite afora, até o raiar do dia, eu saí cedo daqui de "casa" e me pus a andar a esmo pelas ruas. Quando o sol já estava alto e a fome começou a aparecer, me dei conta que não sabia onde estava. Havia andado tanto tempo apenas olhando para o chão, no piloto automático, que passei do ponto e estava numa área por mim ainda desconhecida. Nenhum ponto de referência.

Como tenho o senso de orientação digno de um cachalote em terra firme, acabei me perdendo mais e mais a medida que tentava encontrar algum modo de voltar ao meu canto. Depois de várias horas rodando e rodando, me vi diante de um monumento carcomido, uma espécie de praça central. Eu me lembrava daquela praça, do tempo em que as coisas ainda existiam propriamente ditas, e me espantei com o estado arruinado do monolito central, agora um monte de escombros esquecido.

Não sei ao certo o que aconteceu ali, mas afirmo que foi algo muito estranho. Enquanto contemplava o monumento, me aproximei um pouco para tentar ler o que estava escrito na placa de identificação, e...não sei.

Houve um momento em que tudo sumiu, mas...não foi bem um desmaio, não foi nada. Eu estava caminhando em direção ao monolito, e olhando para a placa, e de repente...eu não consegui mais enxergar nada.

Havia anoitecido.

Sim, estranho, muito estranho. Foi como se entre dois passos meus em direção ao monumento, passaram-se umas cinco ou seis horas. Assim, do nada. Estava absolutamente escuro.

E eu estava ainda perdido.

Felizmente, eu sempre carrego comigo uma tosca mochila com alguns petrechos, entre eles a tal lanterna de fricção que havia encontrado naquele laboratório. Depois de uns seis minutos torcendo aquela josta, consegui uma carga para no mínimo conseguir entrar num dos prédios extintos ao meu redor e me abrigar um pouco. Algumas noites, costuma haver tempestades de poeira por aqui, então resolvi não arriscar.

Dentro do tal prédio, improvisei um acampamento, consegui acender uma pequena fogueira, e lá fiquei, olhando para o fogo e tentando sentir algum sono, mas nada. Depois de um bom tempo, exasperei-me. Me levantei, fiz mais carga na lanterna e comecei a explorar o prédio.

Resolvi descer uns degraus e virar à esquerda num corredor estranho. Eu tinha uma estranha sensação de perpétuo dèja vu, como se já estivesse estado ali. Como se eu soubesse para onde ir. Entrei numa sala, aparentemente deserta, mas segui reto em direção à parede oposta e empurrei a porta aparentemente secreta que ali havia.

Como eu sabia que existia aquele compartimento escondido ali, não descobri até hoje, mas eu parecia estar meio que em transe. Supus que fosse culpa do período estendido de insônia.

Bem, dentro daquele quarto secreto...Havia uma imensa quantidade de garrafas. Vinhos. Vodkas. Whiskys. Tudo que se possa imaginar no univeros das bebidas destiladas. Várias garrafas vazias jaziam ao chão, mas haviam muitas, mas muitas garrafas fechadas, novinhas. Apesar de toda a poeira reinante.

Examinando o restante do quarto, descobri que ali não era apenas uma adega secreta, mas também uma tabacaria de primeira. Charutos. Fumo de rolo. Havia uma empoeirada mesa com tampo de vidro que encerrava um curioso cachimbo, aparentemente muito velho. Muito precioso.

Duas horas depois que havia encontrado aquilo tudo eu estava cantando feito um bobo alegre nos corredores daquele prédio. Resolvi descontar todos aqueles anos de abstinência, seguidos daqueles dias de absoluta solidão, me encharcado naquelas esquecidas relíquias. Enchi a cara até não mais poder, fumei uns três charutões, arranquei o cachimbo de sua perpétua redoma e o pus em funcionamento também. Eu tossia a não mais poder, e minha cabeça girava e girava, mas eu não me sentia mal. Estava muito bem.

Era muito bom se desligar. Ligar o foda-se. Afogar todas aquelas mágoas, toda aquela branca e imensa existência de nada sobre nada.

No dia seguinte, acordei de novo na tal praça, com um sobressalto. Me levantei cuidadosamente, já esperando a má onda da ressaca me atingir, mas...Eu estava me sentindo muito bem. Não estava com dores de cabeça, não estava entupido de catarro devido ao fumo...era como se nada houvesse acontecido. Mas eu estava trajando roupas agora estampadas por diversas manchas roxas, prova de que eu havia babado algum vinho.

Achei o prédio, entrei no saguão, achei minhas coisas lá esquecidas. Tudo em ordem. Juntei tudo, e resolvi tentar achar meu caminho de volta ao rio Porão. Mas quando ia saindo, lembrei-me da sala secreta. Será que eu deveria carregar algum daqueles líquidos esquecimentos, aquelas fumacentas distrações? Ou será que eu deveria deixar tudo ali, para não entrar na tentação de encher a cara todos os dias até morrer?

Meu lado mais fraco falou mais alto, e lá fui eu procurar a tal sala, em busca de algumas garrafas, alguns cigarros, alguns charutos. Foda-se, eu merecia: era o último ser humano por ali, quem iria me julgar? Eu mesmo? Meu determinismo de mandar tudo à merda estava em alta. Dane-se tudo.

Acontece que a tal sala não existia. Nem o corredor comprido o qual havia circulado na noite anterior. Rodei, rodei, procurei e procurei, só me detive quando percebi que as horas estavam passando, e eu estava quase morto de fome. Tinha que achar meu acampamento, e rápido. Saí esbaforido do prédio e circulei um bom tempo até encontrar um de meus marcadores numa esquina; virando à direita, encontrei a trilha que buscava. Estava salvo.

Alguns passos adiante, encontrei o rio. Segui adiante, e lá estava minha "casa". Meu cantinho na sombra, tudo certo. Fui imediatamente procurar uma de minhas conservas de carnes toscamente defumadas; estava de fato faminto. Me fartei daquela carne sem sabor, mas que havia se tornando estranhamente suculenta devido ao meu estado de crescente fome.

Fui apanhar minha garrafa pequena de água em minha mochila e muito me espantei quando a abri. Lá estava o cachimbo, alguns maços de cigarros, alguns charutos, duas garrafas de alguma vodka aparentemente "da boa", duas garrafas de vinho e uma de rum.

Não me lembro de ter colocado nada daquilo ali. Não me lembro de ter carregado todo aquele peso, tampouco me lembro de ter sentido diferença no peso quando apanhei minhas coisas naquela manhã.

Entretanto, lá estavam elas.

Hoje, eu acordei no lugar de sempre, ao lado de minha já extinta fogueira, tudo em ordem. Mas as garrafas estão pela metade. Eu me lembro de ter enchido a cara ontem, mas...não me sinto mal. Não tenho ressaca. Uns doze cigarros sumiram. Não estou todo entupido, com nenhuma falta de ar. Nunca havia conseguido fumar nada antes sem passar muito mal, sem ter asfixias, tosses eternas e todo aquele maravilhoso catarro.

O que está acontecendo neste mundo? O que está acontecendo comigo?

Não sei dizer, não mesmo.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

A-5.

Dias desde a última anotação: 3.

Pléin. Plém. Plomn.

Estou aqui fora, sentado numa pedra convenientemente sombreada, perto do meu rio particular, que sai de meu prédio particular, segurando uma carcomida guitarra elétrica que encontrei abandonada num canto qualquer em minhas andanças por aí, neste deserto humano, nesta imensidão de vazias habitações.

Eu nunca mexi com instrumentos musicais, nem tenho idéia do que fazer com eles, mas apanhei a coisa assim mesmo. Estou sentado aqui, depois de tomar um banho nestas águas meio que geladas do rio Porão. Após muito apreciar um imenso banquete de cobras e lagartos - sim, os rastejantes répteis também são nutritivos, apesar de terem um gosto de isopor da porra.

Fico aqui, brincando com este instrumento, que já arrebentou duas cordas quando fui tentar mexer nas tarraxas da coisa. O tempo é inexoravelmente inimigo do rock and roll, eu diria.

Tarde preguiçosa. Não tenho vontade de fazer nada, não quero inventariar destroços, não quero caminhar a esmo por aí. Não existe nada de novo mesmo.

Os dias têm se arrastado de maneira cada vez mais devagar, e minha certeza de que estou aqui abandonado para todo o sempre se apodera de mim nestes momentos. Nunca fui um sujeito muito popular, inclusive quando me inscrevi no negócio lá, um dos requisitos do programa era justamente que eu fosse um cara meio que solitário. Sem muitos laços com ninguém.

O que tinha eu a perder? Sem muito dinheiro e sem nenhuma possibilidade, sem muitas perspectivas em outras áreas...Sem esposa nem filhos, sem muita coisa na vida. Era uma excelente oportunidade de ganhar uma grana a mais e...

Agora que paro para pensar, o que iria eu fazer com aquela grana? Nem planejei nada. Não estava muito precisando de dinheiro, é verdade. "Mas nunca sabemos o futuro, o futuro..."

O futuro me reservou uma passagem só de ida para um lugar onde dinheiro não existe. Onde nada existe aléma das sombras do que já foi uma meca do consumismo moderno. Dinheiro nenhum me serve para nada aqui, a não ser se for usado como material de auxílio na queima de madeiras mais finas para que as madeiras mais grossas de minha fogueira realmente peguem fogo...

Olho para o céu, não existem nuvens, apenas azul azul azul. Não existe nada. Nada. Apenas eu e os animais que por aqui ainda vivem.

O que estou fazendo aqui? Se todos morreram, de que me adianta estar aqui, estar vivo, rei supremo de nada neste deserto de tudo, nesta imensidão do que já foi e nunca mais será.

E eu, que sempre vivi sozinho, agora vejo como nunca fui tão sozinho como me proclamava ser, nas eventuais reuniões com meus escassos amigos. Sempre existia uma réstia de alguma extinta ambição de não o ser, de algum dia ser mais do que aquilo que eu era, de algum dia eu conseguir ser como os outros.

Nunca consegui ser nada além do último cara nesta cidade.

Jogo um pouco de água na minha cara, a frigidez deste insípido líquido me faz bem, me afasta um pouco as idéias tortas. De nada me adianta fazer todo este debate mental. Estou vivo, estou sozinho. Fim de papo. Tenho que me manter vivo, nem que isto seja apenas uma justificativa para me manter são, me manter ocupado, ter o que fazer.

Acho que vou aproveitar o resto do dia e ir para o norte. Tenho que tentar fazer um mapa desta região toda, para melhorar meu intventariado dos lixos diversos que algum dia me possam ser úteis. Tenho que me manter ocupado.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

A-4.

Dias desde a última anotação: 6.

Parece que o tempo não passa por aqui, neste deserto em que me encontro. Nesta imensidão de quase silêncio, um silêncio que chega a gritar nas noites. Não se escuta nada por todos os lados.

Se minhas contas estão mais ou menos certas, agora faz quase um mês que estou perambulando por estas ruas arruinadas, por estes prédios esquecidos, por esta imensidão de nada dentro do próprio nada. Tenho procurado me manter o mais ocupado possível, fazendo armadilhas, circulando por aí, indo de prédio em prédio e estudando minunciosamente seus interiores, aanotando tudo que porventura neles existam e algum dia possa me vir a ser útil. Apanho ferramentas, utensílios.

Estou virando um rato. Fazendo meu ninho de lixo e trapos. Acumulando porcarias para eventualmente fazer alguma gambiarra que possa me ajudar nisto e naquilo. Tenho me tornado um bom caçador também. Desde que a comida de plástico rareou, tive que realmente me virar e arrumar algo para comer, e no primeiro dia mesmo já me vi mastigando um rato extremamente crocante que assei mal-e-mal na fogueira. Ficaou uma verdadeira droga, algo quase insuportável de se comer.

Mas o buraco no meu estômago falou mais alto. Desde então, tenho aprimorado minhas jaulas toscas e alçapões, tudo que possa eventualmente capturar um destes lagartos ou ratos por aí. Tudo tem gosto de nada, ao contrário do sabor intragável que achei que tal carne pudesse vir a ter. Felizmente. Antes comer isopor do que carnes nefastas.

Não tive coragem de tentar cozinhar cães e nem gatos. Ainda me apego à idéia que poderiam ser animais de alguém...É uma idéia idiota, eu sei, mas por enquanto eu evitarei de consumir tais animais. Os ratos e calangos estão muito bons. Hum. Delícia. Merda.

Não voltou a acontecer nada do naipe do que descrevi na última vez que fiz aqui algumas anotações, nada de sons estranhos onde só existe o silêncio nem cores onde só impera os tons de cinza e de pátina suja. Por dias e dias tenho aguardado algo estranho acontecer. Mas parece que aquilo foi apenas um incidente isolado, de fato.

Entretanto, uns dias atrás eu achei algo muito estranho. Quando circulava no saguão imenso de um imenso e destroçado edifício, uma coisa aconteceu ali. Eu passava inocentemente no meio das ruínas, quando um tom de cor contrastante com a monotonia reinante em volta passou no meu canto do olho: um pedaço de papel amarelecido num canto. Não especificamente num canto: estava como que cuidadosamente depositado num vão da parede, quase como se alguém o tivesse posto ali coom o intuito de proteger aquele pedaço de papel.

Era um papel amarelecido pelo tempo como os demais que achei por aqui nesta cidad-fantasma, mas haviam anotações nele. E a julgar pelos sulcos do lápis e pela intensidade dos negros traços riscados ali, eu diria que é algo mais...recente. Mais fresco, como se tivesse sido escrito num intervalo de poucos dias para trás.

Existiria mais alguém por ali, alguém que estivesse se escondendo de mim? Eu chamei em vão por alguém em todas as áreas em que pude adentrar-me no tal prédio, mas não obtive nenhuma resposta, nem ao menos tive nenhuma dita "interferência" externa enquanto por ali circulei.

E detalhe, as anotações no tal papel são inintelígiveis. Não consegui sequer reconhecer algum caractere conhecido no meio daqueles garranchos todos. Não tenho idéia do que seja aquilo. Resolvi deixar a coisa ali mesmo, e depois de alguns dias ali retornar e novamente checar. Talvez exista mesmo alguém por aí, alguma pessoa no meio destes escombros.

Seria até bom ver alguém no meio desta destruição toda.

Bem, devo checar minhas armadilhas, ver se os tratantes não roubaram minhas iscas e me deixaram sem alimento. Estes calangos são espertos, os tratantes. tEnho que aprimorar minha técnica de caça se quiser arrumar mais carne. Como tenho fome.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Reunião.

-Bom dia.
-Olá Fagundes.
-Estou aqui, mas não estou aqui. Como é segunda, deixei meu corpo vir sem a mente.
-Estava reparando mesmo que sua voz estava desprovida de mente.
-Desta forma, eu posso descansar a mente enquanto o corpo padece.
-Sim, boa medida. Eu mesmo, aprendi a projectar astralmente minha projeção mental, assim como a projeção oriental, assegurando-me assim um aumento de 15% no flicts.
-Me desculpe, creio não estar entendendo muito bem suas lucubrações.
-É que estás desprovido de espírito; não podes discernir as surrealidades distintas entre uma frase espirituosa e uma simples proposição.
-É muito cedo para este papo cabeça. E eu, sem cabeça!
-É de facto uma lástima. Mas eis que o Ornelas se aproxima.
-Olá a todos. Como vocês são muitos.
-Mas só estamos em pares de dois aqui, Ornelas.
-Não é o Ornelas, eu sou o SalenrO. Um palíndromo de Ornelas.
-Não, não é. Não dá certo, não se lê do mesmo jeito em ambos os sentidos.
-E eu por acaso afgirmei ser uma tautologia? Não: Sou apenas uma aliteração.
-E que tal nos sentarmos aqui para resolvermos um binômio de Newton?
-Não, pesadelos com escola deixaram de fazer parte do meu escopo de nafastismos Às segundas pela manhã desde 1988!
-Como estás defasado.
-É que estou resfriado.
-Saúde. Prossigamos. Enfim. Eu iria invadir o banco nacional do povo Unido pelos Emirados Árabes às 15 horas. Logo em seguida, Ornelas iria adentrar o sétimno recinto da sala de som da redondeza de Reikjavik, e pelas dezoito, iremos forçar o nove a ser sete. Tudo certo?
-Não, ainda nem pedimos uma pizza.
-É muito cedo para pepperonis.
-Nunca é cedo demais para pepperoni.
-Estás questionando a coalição do bacon??
-Nunca! Só acho que estes aqui poderiam estar mais co-crantes.
-Ponha um pouco de sal por cima então, oras.
-Não dá certo. A topologia do HD é FAT32, não permite operações deste naipe.
-Topografia de cu é rola!
-Topo Giggio? Nossa, aquele treco era muito chato!
-Silêncio! Vamos prosseguir com a reunião! Fagundes, apague as luzes. Ornelas, distribua os travesseiros.
-Certo chefe.
-Antunes, feche e tranque a porta. Antenor, corte o fio do telefone.
-Feito e feito, chefe.
-Certo. Agora, assumam as posições.
-Pronto chefe.
-Agora sim. Todos dormindo, ao meu sinal!
-ZzzzZzZzZZZzZZZzzzZzZzZZzzzzzZZzZzzZZZzZZzZ.
-Sempre sobra pra mim dar esse sinal inútilZZZZZZzzzzzzzzZzZZZZz.

(Da porta trancada, pende o aviso: às segundas feiras, nada faz sentido.)