terça-feira, 17 de agosto de 2010

A-10.

Está tudo pronto.

Nem sei se irei precisar disto tudo...de toda esta tralha que acumulei neste tempo em que estive aqui nos destroços desta cidade. Mesmo assim, levarei tudo que achar que possa ser útil. Não sei aonde o caminho irá me levar.

Saio na rua com minha improvisada mochila e olho ao meu redor, as árvores desfolhadas, as ruas atapetadas de amarelo. Meu rio, o rio Porão, saindo de baixo deste prédio que me serviu de abrigo nos dias e dias que aqui estive.

Será que estive mesmo? Pensei a respeito de todo aquele treinamento...todo aquele blahblahblah preparatório naquele galpão, aquela palestra sobre pontes neurais, e todo aquele estranho jargão médico que tanto me confundiu e me serviu de canção de ninar naquela remota tarde. Dormi a palestra inteira.

Me lembro de ter ouvido algo sobre sonhos induzidos mesmo, alguma técnica nova de manutenção cerebral...ao que me pareceu, os tecidos se deteriorariam se não fossem adequadamente estimulados durante o processo da criogenia. Algo assim.

Mas não acredito que nada disso possa ser um sonho, nem um pesadelo.

Apesar de que nada faz muito sentido por aqui, não consigo acreditar nisto, não sei por quê. Não entenderia o motivo de alguém causar uma pessoa a sonhar semelhante coisa...semelhante deserto.

Por isto, resolvi abandonar este meu "posto avançado" e tentar achar...algo, alguém, não sei.

A inócua e deserta cidade parece tentar me englobar com toda sua ruína. Não.

Aqui não ficarei. Dou mais uma olhada no cenário que por tanto tempo se transformou em meu lar, e avanço passo a passo por cima do tapete amarelo de todas aquelas folhas mortas. Não olho para trás, e tento não pensar em todo o risco que estou correndo, ao abandonar esta fonte de água e comida que se tornou meu oásis particular nesta escangalhada cidade.

Ando por muito tempo, até que começam a surgir pontos brancos no meio da amarelidão reinante no chão. A rua em que caminho parece nunca ter fim...e me é completamente estranha. Tudo ao meu redor me é completamente estranho. É como se toda esta merda estivesse viva, mudando a cada instante. Não sei que diabos é isso.

Ando e ando, até minhas pernas cansarem, e a noite começar a cair. Aí sou obrigado a parar. Faço um improvisado abrigo debaixo de uma marquise, acendo um foguinho e me instalo diante dele, pensando.

Nem sei bem em que pensar. Por quê isto? Por quê continuo aqui? Por quê não tive coragem de acabar com toda esta merda, todo este ofensivo silêncio, este agressivo e hediondo silêncio que tanto grita em meus ouvidos a cada voz que não escuto, a cada fala que não falo. Tudo é vazio. Tudo é silêncio.

Não saberia dizer se foi realmente covardia de minha parte não ter dado o derradeiro passo, ou se realmente existe alguma esperança a ser perseguida neste local arruinado. Não sei.

Acho que nunca saberei ao certo...ou melhor dizendo, acho que nunca saberia ao certo se não tentasse seguir o caminho que se esbranquece. Olho ao redor, olho para a rua metros adiante. Lá estão elas, as folhas brancas, em meio às amarelas.

O que significa isto? É a única coisa que tenho em mente, é meu objetivo. Tornei isto em meu objetivo. Seguirei, até onde conseguir. Tentarei achar alguma razão em meio a este caos de nada sobre nada.

Devo dormir. Amanhã continuarei.