quarta-feira, 4 de agosto de 2010

A-5.

Dias desde a última anotação: 3.

Pléin. Plém. Plomn.

Estou aqui fora, sentado numa pedra convenientemente sombreada, perto do meu rio particular, que sai de meu prédio particular, segurando uma carcomida guitarra elétrica que encontrei abandonada num canto qualquer em minhas andanças por aí, neste deserto humano, nesta imensidão de vazias habitações.

Eu nunca mexi com instrumentos musicais, nem tenho idéia do que fazer com eles, mas apanhei a coisa assim mesmo. Estou sentado aqui, depois de tomar um banho nestas águas meio que geladas do rio Porão. Após muito apreciar um imenso banquete de cobras e lagartos - sim, os rastejantes répteis também são nutritivos, apesar de terem um gosto de isopor da porra.

Fico aqui, brincando com este instrumento, que já arrebentou duas cordas quando fui tentar mexer nas tarraxas da coisa. O tempo é inexoravelmente inimigo do rock and roll, eu diria.

Tarde preguiçosa. Não tenho vontade de fazer nada, não quero inventariar destroços, não quero caminhar a esmo por aí. Não existe nada de novo mesmo.

Os dias têm se arrastado de maneira cada vez mais devagar, e minha certeza de que estou aqui abandonado para todo o sempre se apodera de mim nestes momentos. Nunca fui um sujeito muito popular, inclusive quando me inscrevi no negócio lá, um dos requisitos do programa era justamente que eu fosse um cara meio que solitário. Sem muitos laços com ninguém.

O que tinha eu a perder? Sem muito dinheiro e sem nenhuma possibilidade, sem muitas perspectivas em outras áreas...Sem esposa nem filhos, sem muita coisa na vida. Era uma excelente oportunidade de ganhar uma grana a mais e...

Agora que paro para pensar, o que iria eu fazer com aquela grana? Nem planejei nada. Não estava muito precisando de dinheiro, é verdade. "Mas nunca sabemos o futuro, o futuro..."

O futuro me reservou uma passagem só de ida para um lugar onde dinheiro não existe. Onde nada existe aléma das sombras do que já foi uma meca do consumismo moderno. Dinheiro nenhum me serve para nada aqui, a não ser se for usado como material de auxílio na queima de madeiras mais finas para que as madeiras mais grossas de minha fogueira realmente peguem fogo...

Olho para o céu, não existem nuvens, apenas azul azul azul. Não existe nada. Nada. Apenas eu e os animais que por aqui ainda vivem.

O que estou fazendo aqui? Se todos morreram, de que me adianta estar aqui, estar vivo, rei supremo de nada neste deserto de tudo, nesta imensidão do que já foi e nunca mais será.

E eu, que sempre vivi sozinho, agora vejo como nunca fui tão sozinho como me proclamava ser, nas eventuais reuniões com meus escassos amigos. Sempre existia uma réstia de alguma extinta ambição de não o ser, de algum dia ser mais do que aquilo que eu era, de algum dia eu conseguir ser como os outros.

Nunca consegui ser nada além do último cara nesta cidade.

Jogo um pouco de água na minha cara, a frigidez deste insípido líquido me faz bem, me afasta um pouco as idéias tortas. De nada me adianta fazer todo este debate mental. Estou vivo, estou sozinho. Fim de papo. Tenho que me manter vivo, nem que isto seja apenas uma justificativa para me manter são, me manter ocupado, ter o que fazer.

Acho que vou aproveitar o resto do dia e ir para o norte. Tenho que tentar fazer um mapa desta região toda, para melhorar meu intventariado dos lixos diversos que algum dia me possam ser úteis. Tenho que me manter ocupado.