sexta-feira, 13 de agosto de 2010

A-9.

Tão alto.

Tudo parece tão pequeno, ínfimo. Deve ser a forma que nos enxergam lá de cima. Eles, que tudo decidem, eles que tudo resolvem. Eles, que existem mas não existem, por assim dizer.

Dias e dias, andei e procurei por este local. Este ponto mais elevado de todos.

Não sei mais o que fazer. Não tenho nada mais o que fazer.

Não aguento mais.

Acordo sempre do mesmo jeito, no mesmo lugar, não importa o que eu faça. Todos os dias, as ruas se fecham por cima de mim com seu silêncio agressivo. Sua multidão de ninguéns gritando todo aquele horrendo silêncio por cima de mim.

Ninguém. Ninguém.

Passaram-se meses, anos, não sei. Desde que aqui estou, nada muda, tudo é estranho. Continuo sonâmbulo, andando e escrevendo garranchos ilegíveis nos papéis que distribuo pelo deserto dos prédios, dos restolhos de civilização.

As árvores amarelas se desfolharam, atapetando toda a cidade extinta com uma passarela de matéria morta...tão bonitas aos olhos de um casual transeunte desta cidade, enquanto estivessem vivos. O espectador e a cidade.

Nada do que escrevo faz sentido, também.

No meio da passarela amarela, existia um caminho, entretanto. Um pedaço sem cobertura de mortas folhas. Segui tal caminho, o mais feio deles.

Reencontrei a praça do álcool eterno, de dias atrás....dias...meses? Não sei. Reencontrei a praça, o edifício. O único que ainda se mantem alto, que possui sua integridade, desde o primeiro andar até o último...onde me encontro agora. Subi e subi, degraus ainda funcionais, ao contrário dos extintos elevadores deste outrora tão imponente arranha-céu.

2076 degraus depois, cá estou. No topo do mundo, se pudesse assim ser tão cheio de glamour, este último espigão do mundo. Se é que isto é mundo, de fato.

O vento aqui é mais forte. As vozes que ele sussura são mais intensas aqui. Mas nada me dizem.

Chego à beirada, segurando este bloco, anotando tudo que se passa. Nada se passa. Nada, além de vento e desespero. Não existem grades. Não existem redes. A antena está arruinada, não existem transmissões. Nem indo, nem vindo, nada.

Vento.

Vejo, vejo tudo lá embaixo, do jeito que eu deixei, do jeito que deixaram, sabe-se lá quantos anos atrás, quantos milênios atrás. Ruas amarelas, desprovidads de gente, mas carpetadas do mais sublime tapete de mortas folhas destas...destas estranhas árvores, que nada me trazem além deste sentimento de imensidão, de ser a gota d'água na atmosfera de Júpiter.

Nada que escrevo faz algum sentido. E o que procuro aqui? O que estou fazendo aqui?

Será que consigo voar? Talvez. Talvez todos tenham se ido deste planeta para não obscurecer minha glória de ser o primeiro homem a conseguir voar, sem asas, sem motores, sem nanotecnologia. Todos devem ser poupados deste dantesco espetáculo.

Chego à beirada e olho para baixo. "Se contemplares o abismo, o abismo vos contempla de volta?" Estou certo? Metros e metros, lá embaixo, estão me esperando todas as folhas que me servirão de túmulo.

Ergo os braços e grito. Grito como jamais gritei antes em minha vida. A cidade parece escutar.

Mas nada me diz.

O vento, o vento assobia em meus ouvidos. Fecho os olhos. Mais um passo adiante. Mais um passo. Quantos mais existem até a última beirada?

Passo. Passo. Vento, vento. Não abro os olhos. Vento, vento.

Outro som aparece em meus ouvidos. O que foi?

Nada ao redor. Nada. Vento e ar.

Olho para baixo. Estou mais perto da beirada que imaginava, e sinto a devida vertigem, mas nem de longe é tão forte quanto na época em que...estava vivo. Na época que eu e outros estávamos vivos.

No meio da amarelidão das ruas...vejo pontos brancos que se fundem numa só cor...que reúne todas as outras e parece não ter cor, não ter sabor.

Uma rua branca, no meio do degradê dos amarelos nadas.

É hora de descer daqui. Pelas escadas.