quinta-feira, 26 de agosto de 2010

B-3.

Não aguento mais.

Todas as noites, é a mesma coisa. Eu sou conduzida a meu quarto, triuinfante e cheia de idéias, e quando me vejo sozinha, o remorso começa a surgir.

Pensei que poderia contornar tal sentimento mergulhando de cabeça na pesquisa, mas...algo dentro de mim sabe, sempre soube, que tudo isto que fazemos aqui...é uma atrocidade. Um verdadeiro estupro mental naquelas pobres pessoas.

Dentro desta solidão silenciosa destes cubículos à prova de sons que são nossas celas, o remorso sempre aparece. Creio ser este o motivo de isolarem acusticamente nossos...aposentos. Depois de fazermos toda a vontade abominável de nossos "protetores", o silêncio das celas nos aguarda para uma noite absolutamente opressiva. As paredes parecem mesmo se fechar por cima de nós, criando uma estranha claustrofobia.

às vezes, é possível escutar gritos abafados, vindos de algum outro quarto ao meu redor. Creio que não sou a única que tem dilemas morais em relação à nossa pesquisa obscura.

Minha principal..."paciente" parece estar se comportando de maneira estranha por estes dias. O outro subconsciente nela transplantado parece estar causando alguma espécie de reação adversa em seu córtex cerebral. Verificamos alguns sinais de deterioração celular em áreas periféricas do cérebro.

Parece que a pessoa sabe que está sendo violentada mentalmente. Os chips orgânicos que contêm a personalidade transplantada não apresentaram nenhum sinal de deterioração, entretanto. Não que isto me surpreenda: um artefato daqueles é bem diferente de um cérebro que já foi vivo um dia.

Vivo...e livre. Creio ser este o pior tipo de pós-vida que uma pessoa possa ter.

Me parece que o subconsciente original da paciente, ainda tenta, por vezes, retomar o controle das funções neurais. Reclamar para si o domínio daquilo que sempre foi seu por direito...Podemos ver isto claramente fazendo uma leitura do eletroencefalograma dela, que mostra picos de atividade neural quando tais episódiso de revolta interna aparecem.

Não sabemos ao certo como a coisa está se manifestando visualmente na realidade virtual por nós instalada na mente dela. Só temos controle absoluto sobre os parâmetros do mundo irreal que algum dos bioengenheiros planejou para este experimento. Na mente do sujeito inserido em tal realidade, já se passaram sete meses que ele foi "despertado" de um equipamento criogênico para descobrir um mundo arrasado,, por nós criado.

Os reflexos de tal embate mental entre a mente original da hospedeira e a transplantada estão começando a ser somatizados no restante do corpo dela. Os rins tiveram alguma necrose nada usual nestes últimos dias. O aparelho gastrointestinal está se contorcendo de maneira inusitada também. Não me surpreendo com nada disto. O copro dela está reagindo contra um invasor.

Um invasor...por nós posto, por nós arquitetado. Uma autêntica monstruosidade.

Estou ficando viciada na mais nova bebida oferecida por nossos "protetores"...uma que possui doses ainda mais altas de efedrina, eu presumo. É a única maneira de me manter acordada. E como fico extremamente trêmula por conta desta coisa, sou obrigada a tomar um relaxante muscular muito poderoso por cima.

Eu sinto...e sei...que isto está acabando comigo. Mas não posso fazer nada. Não consigo mais dormir. Não tenho mais calma. Não tenho mais paz. Especialmente sabendo que outro dia, apanharam um de meus colegas fazendo um registro escrito do que está vivenciando aqui, da mesma forma que escrevo estas linhas neste antiquado caderno.

No dia seguinte, ele não apareceu. Disseram que ele teve uma emrgência médica. Apendicite.

Bem sei que apendicite é esta.

O efeito do relaxante está passando, mas a efedrina ainda domina meu sangue. Quase não consigo mais escrever nada direito. E sei que os pesadelos mentais virão, em breve. Dizem ser um dos efeitos colaterais do abuso desta droga, mas creio que no meu caso, seja diferente.

Bem sei que minha moral, enterrada pelo peso das pesquisas, pela excitação dos resultados deste odioso experimento, se vê livre das amarras quando entro neste quarto.

Ninguém precisa me torturar. Eu mesma me encarrego disto. Todas as noites.

Até quando?