terça-feira, 3 de agosto de 2010

A-4.

Dias desde a última anotação: 6.

Parece que o tempo não passa por aqui, neste deserto em que me encontro. Nesta imensidão de quase silêncio, um silêncio que chega a gritar nas noites. Não se escuta nada por todos os lados.

Se minhas contas estão mais ou menos certas, agora faz quase um mês que estou perambulando por estas ruas arruinadas, por estes prédios esquecidos, por esta imensidão de nada dentro do próprio nada. Tenho procurado me manter o mais ocupado possível, fazendo armadilhas, circulando por aí, indo de prédio em prédio e estudando minunciosamente seus interiores, aanotando tudo que porventura neles existam e algum dia possa me vir a ser útil. Apanho ferramentas, utensílios.

Estou virando um rato. Fazendo meu ninho de lixo e trapos. Acumulando porcarias para eventualmente fazer alguma gambiarra que possa me ajudar nisto e naquilo. Tenho me tornado um bom caçador também. Desde que a comida de plástico rareou, tive que realmente me virar e arrumar algo para comer, e no primeiro dia mesmo já me vi mastigando um rato extremamente crocante que assei mal-e-mal na fogueira. Ficaou uma verdadeira droga, algo quase insuportável de se comer.

Mas o buraco no meu estômago falou mais alto. Desde então, tenho aprimorado minhas jaulas toscas e alçapões, tudo que possa eventualmente capturar um destes lagartos ou ratos por aí. Tudo tem gosto de nada, ao contrário do sabor intragável que achei que tal carne pudesse vir a ter. Felizmente. Antes comer isopor do que carnes nefastas.

Não tive coragem de tentar cozinhar cães e nem gatos. Ainda me apego à idéia que poderiam ser animais de alguém...É uma idéia idiota, eu sei, mas por enquanto eu evitarei de consumir tais animais. Os ratos e calangos estão muito bons. Hum. Delícia. Merda.

Não voltou a acontecer nada do naipe do que descrevi na última vez que fiz aqui algumas anotações, nada de sons estranhos onde só existe o silêncio nem cores onde só impera os tons de cinza e de pátina suja. Por dias e dias tenho aguardado algo estranho acontecer. Mas parece que aquilo foi apenas um incidente isolado, de fato.

Entretanto, uns dias atrás eu achei algo muito estranho. Quando circulava no saguão imenso de um imenso e destroçado edifício, uma coisa aconteceu ali. Eu passava inocentemente no meio das ruínas, quando um tom de cor contrastante com a monotonia reinante em volta passou no meu canto do olho: um pedaço de papel amarelecido num canto. Não especificamente num canto: estava como que cuidadosamente depositado num vão da parede, quase como se alguém o tivesse posto ali coom o intuito de proteger aquele pedaço de papel.

Era um papel amarelecido pelo tempo como os demais que achei por aqui nesta cidad-fantasma, mas haviam anotações nele. E a julgar pelos sulcos do lápis e pela intensidade dos negros traços riscados ali, eu diria que é algo mais...recente. Mais fresco, como se tivesse sido escrito num intervalo de poucos dias para trás.

Existiria mais alguém por ali, alguém que estivesse se escondendo de mim? Eu chamei em vão por alguém em todas as áreas em que pude adentrar-me no tal prédio, mas não obtive nenhuma resposta, nem ao menos tive nenhuma dita "interferência" externa enquanto por ali circulei.

E detalhe, as anotações no tal papel são inintelígiveis. Não consegui sequer reconhecer algum caractere conhecido no meio daqueles garranchos todos. Não tenho idéia do que seja aquilo. Resolvi deixar a coisa ali mesmo, e depois de alguns dias ali retornar e novamente checar. Talvez exista mesmo alguém por aí, alguma pessoa no meio destes escombros.

Seria até bom ver alguém no meio desta destruição toda.

Bem, devo checar minhas armadilhas, ver se os tratantes não roubaram minhas iscas e me deixaram sem alimento. Estes calangos são espertos, os tratantes. tEnho que aprimorar minha técnica de caça se quiser arrumar mais carne. Como tenho fome.