Algum lugar a leste de Saint-Quentin, França, 05 de dezembro de 1944.
Como faz frio neste lugar esquecido de Deus.
Estamos todos espalhados em abrigos improvisados por estas florestas, e marchamos para o leste, mas não sei bem para onde, não nos disseram. E sinceramente, não quero saber. Não tenho ânimo para questionar nada mais, não tenho forças. Quase não consigo escrever direito neste papel surrado que me arranjaram. Meus dedos estão praticamente enregelados. A todo momento, tenho que esfregar e sacudir minhas mãos, em uma vã tentativa de lhes devolver alguma sensibilidade.
Muito do que escrevi já se perdeu, tamanho é o caos de todo este absurdo que participo. Muitos dos companheiros me zombam por ainda assim eu insistir em minhas anotações, mas eu sei que é algo que preciso fazer, algo que tenho que fazer, se quiser manter minha sanidade, que sinto definhar mais e mais, a cada dia que passa, a cada tiro que disparo, a cada morte que presencio.
Fui designado a ser atirador de elite por saber caçar, por ter de caçar desde menino, na terra de onde venho. Aprendi a fazê-lo para garantir alimento para minha família, e me tornei bem eficaz no manejo de armas de longa distância, chegando mesmo a ganhar torneios de tiro ao alvo em quermesses na minha terra. Atirando contra latas...alvos pintados na madeira...jamais imaginei que um dia eu usaria minhas ditas habilidades para...arrebentar os miolos de outras pessoas.
Ainda estou tendo algum problema para dormir, não somente por não conseguir apagar de minha memória o rosto de todos aqueles krauts que tive que abater, rostos que habitarão minha memória pelo resto de minha vida, ao que posso pressentir. Mas não consigo dormir também devido a este desumano frio que está fazendo neste branco e cinza inferno em que fui me meter. Mesmo assim, por vezes, meu corpo simplesmente desliga e durmo um sobressaltado sono, sendo muitas vezes acordado pelo ronco da Luftwaffe passando por cima de nós ou simplesmente por gritos na distância.
Alguns de nós já perderam a sanidade e tiveram de ser retornados às pressas para algum lugar longe daqui. Sinto certa inveja deles. Bem sei que o que digo é, de certa forma, maldoso, mas...Dia após dia, noite após noite, tudo vai cada vez mais perdendo o sentido. Mas eu me mantenho firme em minhas faculdades mentais. Não fiz como um cabo que, do nada, passou a ver seus companheiros como inimigos e disparou vários tiros contra eles, ferindo vários, quase matando um deles. Não sei o que aconteceu com ele. Dizem que um de seus companheiros matou-o a sangue frio após o episódio.
Todos se tornam meio que animais nesta insanidade. E bem sei que é necessário, de certa forma, bizarra forma. Existe algum instinto primordial que é despertado nos homens durante a guerra, ao que me parece. Algo dentro de nós nos dita o que fazer, o que ignorar, como proceder, se quisermos sobreviver a tudo isto. E nem sempre o que fazemos é algo...humano, por assim dizer.
Bem sei que já senti este apelo muitas vezes nas últimas semanas; e não pude, não consegui ignorar as ordens por ele ditadas. É como se cada um de nós tivesse em sua cabeça um impertinente e autoritário general a nos ditar ordens: não as questione, apenas obedeça, se quiser sair desta vivo, soldado!
Frio, frio. Os cigarros andam escassos por aqui, mas sempre existe alguma boa alma que nos oferece algum. É a única coisa que nos faz desligar, por um pequenino instante, de toda esta insanidade ao nosso redor. Já fazem muitas horas desde que consegui arrumar um. As provisões estão escasseando, dizem. É o mal tempo, dizem.
Dizem tanta coisa, já não acredito em quase mais nada.
Devo procurar Reynolds, talvez ele tenha algum Lucky Strike. Que ironia, o nome deste cigarro traduz justamente o que sentimos quando obtemos um único canudo destes. Um golpe de sorte. Reynolds costumava ser como eu, mas creio que o general interno dele lhe fez valer muito mais suas ordens insanas que o meu. Ele se tornou um homem de pedra após algumas batalhas. Mesmo assim, não me ignora, não me zomba. Escuta-me com pesar, mas não diz muita coisa. Ele parece compreender, mas se encontra muito distante de minha realidade para sequer conseguir replicar algo que não soe como ofensas. Não sei.
Já escuto gritos à distância e já convocam os homens para a ação.
Até quando. Até quando?
Como faz frio neste lugar esquecido de Deus.
Estamos todos espalhados em abrigos improvisados por estas florestas, e marchamos para o leste, mas não sei bem para onde, não nos disseram. E sinceramente, não quero saber. Não tenho ânimo para questionar nada mais, não tenho forças. Quase não consigo escrever direito neste papel surrado que me arranjaram. Meus dedos estão praticamente enregelados. A todo momento, tenho que esfregar e sacudir minhas mãos, em uma vã tentativa de lhes devolver alguma sensibilidade.
Muito do que escrevi já se perdeu, tamanho é o caos de todo este absurdo que participo. Muitos dos companheiros me zombam por ainda assim eu insistir em minhas anotações, mas eu sei que é algo que preciso fazer, algo que tenho que fazer, se quiser manter minha sanidade, que sinto definhar mais e mais, a cada dia que passa, a cada tiro que disparo, a cada morte que presencio.
Fui designado a ser atirador de elite por saber caçar, por ter de caçar desde menino, na terra de onde venho. Aprendi a fazê-lo para garantir alimento para minha família, e me tornei bem eficaz no manejo de armas de longa distância, chegando mesmo a ganhar torneios de tiro ao alvo em quermesses na minha terra. Atirando contra latas...alvos pintados na madeira...jamais imaginei que um dia eu usaria minhas ditas habilidades para...arrebentar os miolos de outras pessoas.
Ainda estou tendo algum problema para dormir, não somente por não conseguir apagar de minha memória o rosto de todos aqueles krauts que tive que abater, rostos que habitarão minha memória pelo resto de minha vida, ao que posso pressentir. Mas não consigo dormir também devido a este desumano frio que está fazendo neste branco e cinza inferno em que fui me meter. Mesmo assim, por vezes, meu corpo simplesmente desliga e durmo um sobressaltado sono, sendo muitas vezes acordado pelo ronco da Luftwaffe passando por cima de nós ou simplesmente por gritos na distância.
Alguns de nós já perderam a sanidade e tiveram de ser retornados às pressas para algum lugar longe daqui. Sinto certa inveja deles. Bem sei que o que digo é, de certa forma, maldoso, mas...Dia após dia, noite após noite, tudo vai cada vez mais perdendo o sentido. Mas eu me mantenho firme em minhas faculdades mentais. Não fiz como um cabo que, do nada, passou a ver seus companheiros como inimigos e disparou vários tiros contra eles, ferindo vários, quase matando um deles. Não sei o que aconteceu com ele. Dizem que um de seus companheiros matou-o a sangue frio após o episódio.
Todos se tornam meio que animais nesta insanidade. E bem sei que é necessário, de certa forma, bizarra forma. Existe algum instinto primordial que é despertado nos homens durante a guerra, ao que me parece. Algo dentro de nós nos dita o que fazer, o que ignorar, como proceder, se quisermos sobreviver a tudo isto. E nem sempre o que fazemos é algo...humano, por assim dizer.
Bem sei que já senti este apelo muitas vezes nas últimas semanas; e não pude, não consegui ignorar as ordens por ele ditadas. É como se cada um de nós tivesse em sua cabeça um impertinente e autoritário general a nos ditar ordens: não as questione, apenas obedeça, se quiser sair desta vivo, soldado!
Frio, frio. Os cigarros andam escassos por aqui, mas sempre existe alguma boa alma que nos oferece algum. É a única coisa que nos faz desligar, por um pequenino instante, de toda esta insanidade ao nosso redor. Já fazem muitas horas desde que consegui arrumar um. As provisões estão escasseando, dizem. É o mal tempo, dizem.
Dizem tanta coisa, já não acredito em quase mais nada.
Devo procurar Reynolds, talvez ele tenha algum Lucky Strike. Que ironia, o nome deste cigarro traduz justamente o que sentimos quando obtemos um único canudo destes. Um golpe de sorte. Reynolds costumava ser como eu, mas creio que o general interno dele lhe fez valer muito mais suas ordens insanas que o meu. Ele se tornou um homem de pedra após algumas batalhas. Mesmo assim, não me ignora, não me zomba. Escuta-me com pesar, mas não diz muita coisa. Ele parece compreender, mas se encontra muito distante de minha realidade para sequer conseguir replicar algo que não soe como ofensas. Não sei.
Já escuto gritos à distância e já convocam os homens para a ação.
Até quando. Até quando?