sexta-feira, 16 de julho de 2010

Ovelha.

Quarta feira, dia 14.

Perdão.

Eu suplico pelo perdão de Deus.

Ontem deve ter sido o pior dia de minha vida, decididamente. O que aconteceu, por que aconteceu, não sei bem ao certo. O que fiz, que pecado cometi antes de tal dia treze, não sei, não me lembro de ter feito nada, cometido nenhum pecado para que Deus me inflingisse tamanho castigo.

Mas como diz meu pastor, a vontade Dele é superior, e ele quase sempre age de maneiras misteriosas. Amém. Devo aceitar tudo que Ele quer para mim. Devo ser Sua serva na terra, Sua serva fiel, não questionar Sua palavra, e sempre tentar entender as provações a que Ele me submete.

Mas por mais que eu tente, não consigo entender como tudo o que aconteceu ontem pode fazer parte de um plano Dele para minha salvação.

Logo ao chegar no meu emprego, o safado do Ateneu veio querendo me xavecar de novo. Já tinha dito para ele inúmeras vezes que ele não tinha chance comigo nem mesmo antes que eu conhecesse A Verdade, mas ele sempre vem atrás de mim do mesmo jeito. Ontem notei o quanto ele ficou contrariado por tê-lo rejeitado mais uma vez.

Logo em seguida, ao sair do vestiário, vejo os olhos do Zé cruzarem com os meus, e dali eles não largaram, por um instante que demorou uma eternidade para passar. Como sinto falta dele. Mas ele é um pecador, um maconheiro, um perdido na vida. Rejeitou A Verdade e minha nova vida com quase a mesma veêmencia que professo meu amor pelo Senhor. Ficou mesmo me gracejando quando terminamos, por acreditar que eu estava é me deixando ser enganada pelos pastores de minha Santa Igreja, por eles me cobrarem o dízimo. Tínhamos mesmo que nos separar.

Mas como dói. E como sinto falta dele, de seu amor...e mesmo chego a sentir falta de tudo que fazíamos, de tudo que compartilhei com ele, mesmo aquelas vezes que fumei e...Não, não devo, não devo deixar o diabo me tentar. Vade Retro, Satanás! Eu sou uma serva de Deus!

Mas sinto falta dele, eu sei. Eu achava que tinha encontrado meu futuro marido naquele homem, naquele pecador que rejeitou a Palavra. Como dói.

Porquê, eu ainda me pergunto, porquê. Por quê aquela mulher, aquela pecadora rica foi me aparecer ali naquela biboca de supermercado num dia em que minha alma estava tão quebrantada assim? Ela me tratou feito uma cachorra, uma serviçal; eu resisti à tentação o máximo que pude, mas depois de tanto destrato, de tantas atribulações eu não aguentei e me exaltei com tal distinta senhora, chamando-a de madame com uma pronúncia bem puxada.

Para quê? Ela armou o maior escarcéu, chamou o Ateneu, que na mesma hora custou a esconder a satisfação de ter encontrado uma maneira "legal" de se vingar de mim, de minha resistência em ceder a seus "encantos". E chamou também o Zé, e também o demitiu, bem na frente de tal madame. Eu não conseguia fazer nada. Eu me sentia absolutamente vazia, não entendia nada.

Saí dali com o chão a me faltar por debaixo dos pés, e caminhei a esmo por muitas horas. Acho que o demônio tomou conta de mim de fato, pois tenho vagas lembranças sobre o que se sucedeu. Lembro-me de ter ido atrás do Goiaba. Ele foi buscar um baseado para mim, e eu apanhei uma coisa que estava em cima de sua mesa, e escondi na bolsa.

Fui atrás do Ateneu, tentei implorar para ele não fazer aquilo comigo, mas ele muito se riu de mim, mas afirmou que pensaria no meu caso se... Eu deixei que o mal tomasse conta de mim, pois fiz tudo que ele pediu, tudo, tudo. Não me lembro direito em que momento apanhei a arma na bolsa e apontei para aquela coisa horrenda que ele diz ser de homem, e disparei. Eu não sei como ele ainda teve forças para me informar o endereço da mulher, estando daquele jeito. Eu queria matá-lo, mas não consegui, apenas me limitando a quebrar a garrafa de pinga que ele tomava sem parar enquanto me usava, cortar sua cara e jogar o restante da pinga por cima de seu ex-pinto e sua cara. Ele desmaiou e eu fui embora.

Tentei achar o Zé, mas parecia que ele não estava em casa, apesar da Dona Elvira ter me dito, apavoradamente, que ele estava em casa, que ele tinha bebido a noite inteira. Ela tremia feito vara verda. Eu estava coberta de sangue, mas não tremia. Dali, fui a pé até a casa da tal dona, e os cachorros do bairro todos latiam para aquela mulher coberta de sangue que por ali passava. Parei na frente do portão da dita e seus cães de guarda quase me morderam as mãos, que seguravam aquelas grades altas que protegiam aquela mansão.

Eu matei os três cachorros, um após o outro. Não sentindo nada enquanto disparava. Senti até uma certa demoníaca satisfação ao fazê-lo.

Logo em seguida, aquela bruxa surgiu no jardim, aos gritos, aos berros de que haviam matado "seus filhinhos" e nem sequer se deu conta que eu estava ali. Ela só olhava para os corpos daqueles cães do diabo.

Nem deixei que ela chegasse perto deles. Descarreguei o resto daquela arma naquela vaca. Fiz questão de me lembrar dos tempos de moleca que eu dava tiros de chumbinho em passarinhos e mirei bem na cabeça dela. Não senti nada na hora. Mas pude ouvir as sirenes ao longe, os gritos dos vizinhos, a comoção dos empregados por ela escravizados. Eu queria morrer, mas nem me lembrei de ter reservado uma bala para mim mesma.

Não me mexi até que a polícia me cercasse e me ordenasse a largar a arma. Deixei aquilo cair no chão, mas não fiz mais nada. Acho que desmaiei. Acordei horas mais tarde numa sala, cercada de policiais, que fizeram turnos em me surrar, para que eu confessasse, sem nem ao menos me deixar falar nada. Me afirmaram que eu apodreceria na cadeia, que aquela era uma mulher poderosa, seu marido era rico.

Não me importava. Eu estou resignada a cumprir minha pena, a sofrer pelo plano que meu Deus quis que eu executasse na noite passada. Porque foi Ele que quis. Ele que me permitiu. Eu sei que foi. Ele me controla, pois eu sou Sua serva. Eu faço o que ELE me manda.

Confesso ter feito tudo, policial. Confesso ser uma Serva de meu Deus. Amém.