Que infortúnio não existir formatação de parágrafos aqui. Tentei improvisar, mas não funcionou muito. Enfim, adiante.
E então, a Raiva virou para o Remorso e disse, "Não sei porque cargas d'água você se comporta desta maneira! Mas que inferno!" E ele, suspirando disse, "A pergunta sempre foi esta, meu caro. E lamento muito isto. A pergunta sempre foi - porque, por que, por quê--" - "Porquera! Pra merda com isto tudo! Você só sabe fazer merda e ficar aí chorando!"
Remorso olhou para o chão, seu eterno companheiro de todas as horas semelhantes a esta e disse, "Eu sou assim, e você sabe disso. Quem me manda fazer as coisas não sou eu, e lamento muito isto. Mas é assim. " A Raiva ficou encolerizada e foi-se embora dali de perto. Mesmo assim, sabia que não poderia andar muito longe de seu companheiro, uma vez que eles sempre andavam juntos. E o Remorso normalmente só entrava em ação depois que a Raiva atuava.E então, a Raiva virou para o Remorso e disse, "Não sei porque cargas d'água você se comporta desta maneira! Mas que inferno!" E ele, suspirando disse, "A pergunta sempre foi esta, meu caro. E lamento muito isto. A pergunta sempre foi - porque, por que, por quê--" - "Porquera! Pra merda com isto tudo! Você só sabe fazer merda e ficar aí chorando!"
Neste ponto, a Memória resolveu atuar, enviando todos para outro tempo, ainda que este nunca tenha existido de fato a não ser naquele domo fechado por estruturas ósseas de um cara qualquer para todos os outros, mas não para aquele espaço em especial. Ali, as coisas funcionavam daquela maneira.
No rearranjo temporal subliminar que se sucedeu, a Memória pôs-se a realizar uma espécie de triagem mental daquela mentalidade existente naquele momento, dentro do domo. Ela queria por que queria encontrar a Alegria, esta há tanto desaparecida. Por vezes, a Memória julgava que esta sumida de fato nem existia de fato, tão raras eram as vezes que se encontravam por ali.
Muito tempo temporal interno se passou, e a Memória acabou se perdendo no meio da estapafúrdia que se sucedeu ao revirar tantas pedras, mexer tantos móveis, sacudir tanto a poeira daquele sótão mental que ali existia. Foram tantas as Lembranças que surgiram desta confusão. Muitas delas já se julgavam há muito esquecidas. Algumas estavam ou pareciam estar simplesmente escondidas, perdidas no labirinto de emoções e outras lembranças.
Ao se circular por este baú de memórias, é recomendado atenção, e o Pensamento era famoso por não haver nunca se preocupado muito com este tipo de atenção, ao menos não naquelas circunstâncias, não enquanto o Dono daquilo tudo estava provavelmente sentado em algum lugar esquecido pelos Outros. Provavelmente estaria com as mãos sustentando a cabeça , naquela posição típica de quem se desespera ou aparenta estar desesperado.
Ou simplesmente quer aparentar estar desesperado.
Ah, o Remorso, este voltou a falar; embriagado por tantas e tantas Lembranças, ele subiu ao pódio central e fez-se ouvir, ainda que grande parte das estruturas narrativas ali presentes no momento tenham escolhidas ficar surdas naquele exato instante.
Mas ele falou e falou, e ao seu lado, veio vindo de mansinho a Raiva. Ela quase nunca conseguia ficar surda aos lamentos de seu eterno companheiro, e ainda que esta Raiva fosse residente de um corpo quase desprovido de Iniciativa, ela bem sabia fazer as coisa ali dentro dançarem conforme sua música.
Música. Aqueles dois atuavam como uma dupla musical, não sertaneja, evidentemente, na maior parte do tempo. Um, fazia as baladas de lamentação, as choradeiras de costume, enquanto ao seu lado, calada, a Raiva ia tomando forma e crescendo. Ironicamente, naquela Realidade daquele Domo, quem abria aquele tipo de "show" era o Remorso, que às vezes se travestia de Recordação, para depois se tornar apenas uma Ladainha.
Normalmente, naquela hora, a Raiva já estava espumante e tomava de assalto o palco: ela chegava derrubando para fora o Remorso, que muito se lamentava ao colidir com o chão, e lá ficava chorando. A Raiva, quando tomava conta do espetáculo, era algo para ser visto. Normalmente seu clamor de cem bilhões de raivosos clarins desafinados e desencontrados, ensurdeciam todas as outras Emoções ali presentes, fazendo com que todas elas não pudessem ignorar seu apelo raivoso.
Em algumas vezes, ela se tornava Fúria, e então o caos se espalhava ainda mais rapidamente. Com sua guitarra de oito cordas e seu pedal fuzz ligado no máximo, estraçalhava toda a Lógica, acabava com a Razão e aumentava o volume do desafinado Amplificador que se situava abaixo do pódio central do Domo. Não eram raras as vezes que o Domo ficava desprovido de sons assim que a Fúria terminava seu espetáculo de horrores.
Felizmente, naquela manhã, a Raiva não se tornou algo piro, e apenas fez uma breve apresentação, ainda assim ensurdecendo a Razão e obrigando o Pensamento a se comportar de maneira errada, fazendo conexões erradas por toda a extensão do Domo.
Momentos mais tarde, entretanto, o Pensamento se fez mais alto e anunciou o resultado trágico de todo aquele acontecimento matinal: durante todo o dia, até que fosse acionado o Protocolo de Desculpas ou caso fossem eles brindados com a Indiferença alheia, eles seriam perturbados pela Preocupação, esta auxiliada pelo remorso e ainda assistida, eventualmente, pela Raiva.
O restante das Emoções quase não se espantaram. Era de se esperar, quando a Raiva e o Remorso faziam seu show, normalmente o resultado eram algumas horas, no mínimo, de encheção de saco. Taquicardias, trânsito de merda nos setores baixos, ficava tudo bagunçado.
Mesmo assim, sabiam que não havia saída para eles, uma vez que para eles, estar no Domo era como estar atado para sempre naquela Realidade, irremediavelmente. E bem sabiam todas elas que, aquilo não se escolhia, assim como pessoas não escolhem as famílias em que se nasce. E sabiam que, enquanto o Dono do Domo não fizesse de outra forma, tudo ficaria na mesma.
Mas elas bem sabiam que isto era apenas um sonho, uma vã esperança num Domo como aquele, que era constantemente regido de forma tão dissonante como aquela manifestada na manhã daquele dia.
O que poderiam elas fazer? Apenas esperar, e fazer suas funções, dançar conforme a música.
Até quando? Nem mesmo o errante Pensamento saberia precisar.