E eu, que ia caminhando, ia também observando as coisas ao meu redor, com aquele meu ar desinteressado que suponho que causa efeito de arrogância ou chatice aos outros ao meu redor. Curiosamente, a Dúvida me dizia que talvez fosse a verdade, mas que talvez não. Diante desta certeza irresoluta que nada é muito resoluto de fato, prosseguíamos caminhando, eu e aqueles que só eu via.
Mais adiante, eu olhava para os inúmeros restos espalhados pela cidade, carinhosamente alcunhados de lixo pela maior parte dos transeuntes que ali habitavam, enquanto outros se apressavam em catar a matéria alumínica recém jogada em um latão de dejetos por um ser engravatado que por ali andava. Mais adiante, outro anônimo ser desvencilhou-se da icomensurável carga do papel de sua bala, o qual ele não pôde carregar até o famigerado lixo. Minha Raiva tratou de corrigir a situação, ativando imediatamente a Imaginação. E me vi empurrando o gordo engravatado de encontro ao tráfego intenso da avenida, cujos carros trataram de estraçalhar o corpo do nauseabundo preguiçoso.
Enquanto me deliciava saboreando a inexistente visão, o sinal abriu e tive que me pôr em marcha, enquanto a Culpa ou a Auto-Realização me afirmavam que era muito fácil julgar os outros, falar que tal e tal eram preguiçosos, enquanto eu mesmo, quando em casa, relutava até por vezes de falar algo com preguiça da provável sequência de discussões que iriam acontecer em seguida. E eu escutava, calado. Que poderia eu dizer? A Sanidade ainda existia, forte dentro de mim, ou ainda que não fosse mais tão forte, estava firmemente atrelada ao Senso Comum, que por sua vez me prendia à Realidade, sendo que esta nem sempre ali residia, pois que existe não somente para mim, mas para outrem ao meu redor.
Enquanto viajava eu nestas noções todas, algumas coisas aconteceram ao meu redor, mas não saberia dizer o que havia sido, pois para mim elas nem chegaram a existir, mas suponho que o olhar de tédio perplexo da moça no ponto de ônibus tenha sido significante, no ponto de vista dela. Reparei também outras notas no olhar de tal fêmea; imediatamente, o Pudor e a Vergonha mandaram-me desviar o olhar, para que não mais me envolvesse. Fixei o olhar num ponto de sujeira qualquer da calçada, e ali fiquei conjecturando sobre a quantidade de micro-organismos que ali deveriam existir. Vida em toda a parte! Não foi por isso que me tornei biólogo?
Não, não havia sido. Havia sido por outros motivos, que novamente postaram a Dúvida e o Retrospecto a meu lado, sempre se contradizendo, pois uma vez que me lembrava de algo, lá vinha a Dúvida a questionar tudo a respeito da memória, da circunstância, do fato, se é que ali hove algum fato, pois por muitas e muitas vezes os fatos não são fatos de fato. Existem apenas na Memória, esta atrelada a tantas outras pessoas internas. E muitas vezes a Memória e a Realidade se batem.
Mesmo por que, aparentemente a Realidade parece tomar formas particulares, dependendo da pessoa envolvida, dependendo da cabeça envolvida. A Realidade é particular, mesmo sendo supostamente universal. E assim caminhava, assim caminho. Cercado pela minha Realidade e minhas pessoas internas, que tanto dialogavam comigo, o tempo inteiro, todos os momentos. A Imaginação tomava conta grande parte do tempo, me levando por entre os milhares de Anônimos ao meu redor. Formigas, formigas, mais tantas formigas, eu e todas elas. Ainda que não seja, parece ser.
Por trás do vidro do ônibus eu via tudo e não via nada, pois era tudo diferente do que os outros viam. E ainda que vissem o que estava eu vendo, não entenderiam muito bem, pois a minha linguagem interna não lhes era conhecida. Os olhares se espalhavam diante de mim, e as árvores tinham todas vozes, todas falavam coisas que só eu ouvia. O chão do ônibus tomava vida própria e comigo falava, através do som e do tempo, através das palavras e dos momentos, como se fosse, de fato, coisa viva.
Para mim era.
Assim como tudo ao meu redor, menos os olhares de outrem; estes me eram sempre estranhos, e eram sempre recebidos com um suspiro de renúncia, derrotados fuliminantementes no encontro com as forças opostas. Sempre tornava meu olhar para meus companheiros ao redor...mesmo um pedaço de papel agarrado no vidro se tornava fonte de inspiração para Pensamentos, tantos deles.
O mundo não está lá fora, o mundo não existe. Pois, só existe o que vejo, e o que vejo não existe para mais ninguém além de mim mesmo. O mundo existe dentro de mim, para mim. É um ramo estranho da Realidade, este. Mas me parece ser verdadeiro.
Ao menos para mim. Ao menos para a minha Realidade.
Desço do veículo com a nítida sensação que nada aconteceu, mas novamente o Senso Comum me alerta que os outros existem, portanto algo ocorreu enquanto apenas eu existia naquele momento. Pois, a Realidade dita que outros existem, conforme dito, conforme escrito, repisado tantas e tantas vezes. Desvio de mim as outras Realidades, os outros Olhos qua parentemente tanto me perguntam coisas que não sei a resposta. Não sei o que sou. Não me vejo como vocês me vêem. Não sei.
Passo a roleta, passo após passo, chegamos ao elevador, que nada carrega, mas que pesado ficará quando nele estiver. Felizmente, minhas Pessoas Internas nada pesam, além do que eu mesmo peso; nenhum lugar ocupam além deste telencéfalo altamente desenvolvido para padrões terráqueos.
Mesmo assim, sinto o peso. Sinto que ocupam meu mundo inteiro, estas Pessoas. Estas coisas.
Mas, como aqui cheguei, devo calar-me escritoriamente falando, há aqui Realidades bem diferentes daquelas incitadas pela Imaginação. É necessário parar. Já me olham e me olham a indagar, o que fazer com isto, com este biólogo que aqui trabalha a numerar números e elaborar sonhos de ar?
Talvez um dia encontrem uma Realidade bem diferente da que aqui dentro floresce, regada pela imaginação. Talvez. A Dúvida não me deixará ter a Certeza.
E agora, paro, paro tudo. Pois é necessário acudir a Realidade deste lugar.
Paro, mas continuo a maquinar meu ideal mundo, riquíssimo de detalhes mas parco de pessoas, estas ditas reais. A Realidade é que só pararei assim que aqui mais não estiver, assim que minha Realidade deixar de existir....e somente houver a parca lembrança do que já houve um dia aqui.
Mais adiante, eu olhava para os inúmeros restos espalhados pela cidade, carinhosamente alcunhados de lixo pela maior parte dos transeuntes que ali habitavam, enquanto outros se apressavam em catar a matéria alumínica recém jogada em um latão de dejetos por um ser engravatado que por ali andava. Mais adiante, outro anônimo ser desvencilhou-se da icomensurável carga do papel de sua bala, o qual ele não pôde carregar até o famigerado lixo. Minha Raiva tratou de corrigir a situação, ativando imediatamente a Imaginação. E me vi empurrando o gordo engravatado de encontro ao tráfego intenso da avenida, cujos carros trataram de estraçalhar o corpo do nauseabundo preguiçoso.
Enquanto me deliciava saboreando a inexistente visão, o sinal abriu e tive que me pôr em marcha, enquanto a Culpa ou a Auto-Realização me afirmavam que era muito fácil julgar os outros, falar que tal e tal eram preguiçosos, enquanto eu mesmo, quando em casa, relutava até por vezes de falar algo com preguiça da provável sequência de discussões que iriam acontecer em seguida. E eu escutava, calado. Que poderia eu dizer? A Sanidade ainda existia, forte dentro de mim, ou ainda que não fosse mais tão forte, estava firmemente atrelada ao Senso Comum, que por sua vez me prendia à Realidade, sendo que esta nem sempre ali residia, pois que existe não somente para mim, mas para outrem ao meu redor.
Enquanto viajava eu nestas noções todas, algumas coisas aconteceram ao meu redor, mas não saberia dizer o que havia sido, pois para mim elas nem chegaram a existir, mas suponho que o olhar de tédio perplexo da moça no ponto de ônibus tenha sido significante, no ponto de vista dela. Reparei também outras notas no olhar de tal fêmea; imediatamente, o Pudor e a Vergonha mandaram-me desviar o olhar, para que não mais me envolvesse. Fixei o olhar num ponto de sujeira qualquer da calçada, e ali fiquei conjecturando sobre a quantidade de micro-organismos que ali deveriam existir. Vida em toda a parte! Não foi por isso que me tornei biólogo?
Não, não havia sido. Havia sido por outros motivos, que novamente postaram a Dúvida e o Retrospecto a meu lado, sempre se contradizendo, pois uma vez que me lembrava de algo, lá vinha a Dúvida a questionar tudo a respeito da memória, da circunstância, do fato, se é que ali hove algum fato, pois por muitas e muitas vezes os fatos não são fatos de fato. Existem apenas na Memória, esta atrelada a tantas outras pessoas internas. E muitas vezes a Memória e a Realidade se batem.
Mesmo por que, aparentemente a Realidade parece tomar formas particulares, dependendo da pessoa envolvida, dependendo da cabeça envolvida. A Realidade é particular, mesmo sendo supostamente universal. E assim caminhava, assim caminho. Cercado pela minha Realidade e minhas pessoas internas, que tanto dialogavam comigo, o tempo inteiro, todos os momentos. A Imaginação tomava conta grande parte do tempo, me levando por entre os milhares de Anônimos ao meu redor. Formigas, formigas, mais tantas formigas, eu e todas elas. Ainda que não seja, parece ser.
Por trás do vidro do ônibus eu via tudo e não via nada, pois era tudo diferente do que os outros viam. E ainda que vissem o que estava eu vendo, não entenderiam muito bem, pois a minha linguagem interna não lhes era conhecida. Os olhares se espalhavam diante de mim, e as árvores tinham todas vozes, todas falavam coisas que só eu ouvia. O chão do ônibus tomava vida própria e comigo falava, através do som e do tempo, através das palavras e dos momentos, como se fosse, de fato, coisa viva.
Para mim era.
Assim como tudo ao meu redor, menos os olhares de outrem; estes me eram sempre estranhos, e eram sempre recebidos com um suspiro de renúncia, derrotados fuliminantementes no encontro com as forças opostas. Sempre tornava meu olhar para meus companheiros ao redor...mesmo um pedaço de papel agarrado no vidro se tornava fonte de inspiração para Pensamentos, tantos deles.
O mundo não está lá fora, o mundo não existe. Pois, só existe o que vejo, e o que vejo não existe para mais ninguém além de mim mesmo. O mundo existe dentro de mim, para mim. É um ramo estranho da Realidade, este. Mas me parece ser verdadeiro.
Ao menos para mim. Ao menos para a minha Realidade.
Desço do veículo com a nítida sensação que nada aconteceu, mas novamente o Senso Comum me alerta que os outros existem, portanto algo ocorreu enquanto apenas eu existia naquele momento. Pois, a Realidade dita que outros existem, conforme dito, conforme escrito, repisado tantas e tantas vezes. Desvio de mim as outras Realidades, os outros Olhos qua parentemente tanto me perguntam coisas que não sei a resposta. Não sei o que sou. Não me vejo como vocês me vêem. Não sei.
Passo a roleta, passo após passo, chegamos ao elevador, que nada carrega, mas que pesado ficará quando nele estiver. Felizmente, minhas Pessoas Internas nada pesam, além do que eu mesmo peso; nenhum lugar ocupam além deste telencéfalo altamente desenvolvido para padrões terráqueos.
Mesmo assim, sinto o peso. Sinto que ocupam meu mundo inteiro, estas Pessoas. Estas coisas.
Mas, como aqui cheguei, devo calar-me escritoriamente falando, há aqui Realidades bem diferentes daquelas incitadas pela Imaginação. É necessário parar. Já me olham e me olham a indagar, o que fazer com isto, com este biólogo que aqui trabalha a numerar números e elaborar sonhos de ar?
Talvez um dia encontrem uma Realidade bem diferente da que aqui dentro floresce, regada pela imaginação. Talvez. A Dúvida não me deixará ter a Certeza.
E agora, paro, paro tudo. Pois é necessário acudir a Realidade deste lugar.
Paro, mas continuo a maquinar meu ideal mundo, riquíssimo de detalhes mas parco de pessoas, estas ditas reais. A Realidade é que só pararei assim que aqui mais não estiver, assim que minha Realidade deixar de existir....e somente houver a parca lembrança do que já houve um dia aqui.