Que diabos.
Ficou ali alguns instantes atônito, sem entender direito o que estava acontecendo. Sabia que tinha sido desperto, não por causas naturais. O que afinal de contas estava se passando? Ouvia, por perto de sua casa, perto de suas imediações físicas, um rumor estranho. Algo como uma miríade de bate-estacas ao redor, como se houvesse algo de terrível acontecendo.
O velho se levantou hesitantemente, e se dirigiu ao banheiro. A barafunda lá fora continuava, algo inimaginável para ele aceitar ou compreender a tal hora, na suposta calada da madrugada. Sua cabeça andava cada vez mais confusa e tinha consciência disso, embora às vezes não tivesse plena certeza disso, ou de mais nada. Diziam coisas com nomes estranhos todas as vezes que ia ter ao escritório daquele senhor que trajava branco e só se dirigia ao seus acompanhantes, e não diretamente a ele, o general.
Sim, general! Havia combatido com valor na guerra dos Tartufos contra os Sacripantas, e havia adquirido certos direitos que eram de berço. Berço de guerra? Melancias? Sua cabeça às vezes confundia tudo, e precisava de uma boa chacoalhada para assentar a poeira. Precisava também de limpar os tapetes da sala. Olhou para o espelho, e amaldiçoou seu bisneto. Sabia que o pequeno pulha pregava esta peça por vezes, afixando uma foto de um senhor que não o era no espelho, a fim de mangar com a pessoas do General.
General, sim! Lembrava-se das manobras de guerra e sobretudo, das piadas de caserna que deveria endereçar sempre aos seus superiores, em detrimento aos soldados e para triunfo de sua unidade. Contra os Tartufos! Contra os Sacripantas. Precisava também de dar de comer ao ornitorrincos rupestres que no fundo do quintal se acumulavam.
De repente, o som enérgico e urgente de uma sirene se fez absoluto no ar. Imediatamente ele se posicionou rente ao chão, buscando abrigo. Rolou para debaixo da cama e ficou a escutar. A sirene soou novamente, desta vez acompanhada de um outro som característico, algo muito familiar, como um som que ele já ouvira antes, tantas e tantas vezes. "Plim-plim"? Onde será que já havia escutado aquilo?
A sirene se repetiu, e desta vez foi acompanhada de um rumor claro de uma explosão massiva. Ele se alarmou. Deveria ser o retorno do Brigadeiro Quindim de Souza, com sua hora de Sacripantas. Provavelmente estaria tentando fazer um cerco à sua casa e pegá-lo desprevenido. Ah, mas isto não aconteceria! Ele nunca estava desprevenido. Mesmo que aquelas pessoas, gerentes ouy sub-gerentes um tanto vesgos que tentavam lhes ocultar sua identidade e que falavam difícil, mesmo eles não saberiam o que ele tinha em reserva.
Lá fora a guerra continuava. Seu coração fez-se apertado, subitamente, pois saberia que daquela ele não voltaria. Sabia que estava chegando sua hora e sua vez, e que desta vez ele faria valer seu nome. Seria a hora e a vez de Augusto Matra--
...não, espere. Aquilo não poderia estar certo. Era seu nome Augusto? Não era mesmo aquele outro nome que o agente de branco sempre se referia em sua presença? Al o quê mesmo? Alzarráimer? Como era mesmo?
Outra explosão se fez audível lá fora. E logo em seguida ouviu uma voz esganiçada a se lamentar num megafone ou coisa assim: "Tô ficando atoladinha, tô ficando atoladinha" Ele se horrorizou, enrijecendo as costas. Malditos Tartufos! Deveriam estar torturando aquela pobre criatura, a julgar pelo tom desesperado e desafinado de seus lamentos. E a sirene ecoava com todas as forças.
O velho se dirigiu para sua cama, arrastando-a de supetão. Poderia estar fraco, poderia estar velho, mas não se entregaria de tal forma passiva, nem permitiria que torturassem alguém daquela maneira hedionda com que estavam a fazê-lo ali perto. Atrás de sua cama estava o repolho, ou melhor dizendo, o esconderijo do repolho, ou ainda, o esconderijo do cofre do escondido repolho. Quanto tempo ele não comia salada de repolho!
"Plim-plim", lá de fora veio o tal som, enveredado na miríade de estranhos sons que ainda ecoavam do conflito de proporções dantescas que deveria estar acontecendo do lado de fora de sua casa. Com um movimento resoluto, ele abriu o esconderijo e de lá tirou sua carga mais preciosa, alembrança que havia armazenado com tanto cuidado por tantos anos. Acariciou o fardo, e se dirigiu ao banheiro, com o intuito de se vestir apropriadamente.
Depois de muito pensar a respeito da talassofobia e suas repercussões mundiais, o General se decidiu por ostentar o traje de gala que ali estava dependurado. Um tanto felpudo, aquela versão mais recente de tal traje, mas quem era ele para argunmentar com a junta de hum mil e quinhentos e nove e doze dúzias de Marechais Deodoros da Fo...fo....
Outra explosão rugiu lá fora, interrompendo a linha de seu pensamento. Ele se apoderou do fardo que há pouco havia retirado de seu esconderijo e para fora de sua casa se dirigiu, parando em frente à geladeira para prestar-lhe a devida continência e confiar-lhe suas últimas palavras.
Momentos mais tarde, os baderneiros de plantão que muito se divertiam em um estacionamento nauseabundo apelidado de "Mirante" continuavam a brincar com a paciência das pessoas que ali perto residiam, aumentando e diminuindo a intensidade do barulho que emitiam de seus "sons equipados com carros" que ali estavam. Traficantes, vagabundos profissionais e vagabundas do pior gênero, eram as pessoas que ali se aglomeravam em horas improváveis como aquela, na virada de um domingo para segunda, às quatro e meia da manhã.
Muito se riam ao imaginar o quanto deveriam estar incomodando os riquinhos de merda que ali perto residiam. E se divertiam mais ainda quando algum deles chamava a polícia - eles já haviam arranjado um esquema muito profissional para alertá-los de tal inconveniência de sua inconveniência. Um fogueteiro se postava em uma posição estratégica e os alertaria de qualquer eventualidade.
Entretanto, naquela madrugada, aconteceu o inesperado, o inusitado, o improvável: depois de muita farra, do meio do mato ouviu-se um certo rebuliço, e alguns dos elementos mais ditos "sujêras" chegaram a apontar suas armas de baixo calibre mas farta munição na direção do rumor.
Imagine o tanto que se riram ao ver sair do mato um senhor magro e alto, trajando um roupão rosa e um quepe de oficial do Exército. Quase se mijando de tanto rir, alguns dos elementos simplesmente sacudiram a cabeça e tornaram à baderna premeditada. Um deles entretanto, aparentando características de um líder nato, por assim dizer, exigiu que o intruso, aquele "velho coroca dos infernos" batesse dali em retirada.
Ao que o velho se contraiu todo, fazendo pose de importante, estufando o peito e afirmando para si e para os outros ao seu redor, "Monstros! Não permitirei que tais Tartufos levem a melhor perante cidadãos de bem! Não mais permitirei que torturem ninguém! Basta!"
O chefe dos tratantes arregalou os olhos quando o velho abriu de supetão o roupão rosa, exibindo um cinturão de granadas em seu peito magro. Com um movimento rápido, tirou uma delas, arranco também o pino em seguida, e com um sorriso maroto nos lábios, simplesmente abriu seus dedos, deixando a carga explosiva cair no chão, enquanto pensava orgulhosamente que haveria de comer muito repolho depois daquela noite.
Não chegou a sentir o calor do único tiro contra ele desferido, pois antes mesmo que a bala nele chegasse, a onda de calor e o som da granada detonando já havia tomado conta de todos seus confusos sentidos, arrebantando em série todas as outras pequenas cargas explosivas em seu peito armazenadas.
No dia seguinte, em todos os jornais daquela metrópole, o massacre da madrugada era comentado, de diversas formas. Ninguém sabia direito o que havia acontecido - se um velho gagá havia se fartado da balbúrida promovida por uma corja de desocupados hediondos, ou se um velho nazista havia se revoltado contra a manifestação festiva e inocente de um grupo de marginais da sociedade e feito o inimaginável.
Muito se fala até a data de hoje, e muito se diz. Mas nada se faz. Entretanto, nas imediações de tal cratera, os baderneiros nunca mais se aventuraram. E não mais a sirene decorrente da festa puramente incomodativa acordou pessoas, normais ou não, que por ali estivessem tentando dormir. Não mais aquelas pessoas que trabalhavam foram despertas pela turba de alegres desocupados, que às cinco iriam dormir até as treze, satisfeitos de terem estragado direitinho a segunda feira de seus "inimigos", antes mesmo que ela viesse a ter forma concreta.
Ficou ali alguns instantes atônito, sem entender direito o que estava acontecendo. Sabia que tinha sido desperto, não por causas naturais. O que afinal de contas estava se passando? Ouvia, por perto de sua casa, perto de suas imediações físicas, um rumor estranho. Algo como uma miríade de bate-estacas ao redor, como se houvesse algo de terrível acontecendo.
O velho se levantou hesitantemente, e se dirigiu ao banheiro. A barafunda lá fora continuava, algo inimaginável para ele aceitar ou compreender a tal hora, na suposta calada da madrugada. Sua cabeça andava cada vez mais confusa e tinha consciência disso, embora às vezes não tivesse plena certeza disso, ou de mais nada. Diziam coisas com nomes estranhos todas as vezes que ia ter ao escritório daquele senhor que trajava branco e só se dirigia ao seus acompanhantes, e não diretamente a ele, o general.
Sim, general! Havia combatido com valor na guerra dos Tartufos contra os Sacripantas, e havia adquirido certos direitos que eram de berço. Berço de guerra? Melancias? Sua cabeça às vezes confundia tudo, e precisava de uma boa chacoalhada para assentar a poeira. Precisava também de limpar os tapetes da sala. Olhou para o espelho, e amaldiçoou seu bisneto. Sabia que o pequeno pulha pregava esta peça por vezes, afixando uma foto de um senhor que não o era no espelho, a fim de mangar com a pessoas do General.
General, sim! Lembrava-se das manobras de guerra e sobretudo, das piadas de caserna que deveria endereçar sempre aos seus superiores, em detrimento aos soldados e para triunfo de sua unidade. Contra os Tartufos! Contra os Sacripantas. Precisava também de dar de comer ao ornitorrincos rupestres que no fundo do quintal se acumulavam.
De repente, o som enérgico e urgente de uma sirene se fez absoluto no ar. Imediatamente ele se posicionou rente ao chão, buscando abrigo. Rolou para debaixo da cama e ficou a escutar. A sirene soou novamente, desta vez acompanhada de um outro som característico, algo muito familiar, como um som que ele já ouvira antes, tantas e tantas vezes. "Plim-plim"? Onde será que já havia escutado aquilo?
A sirene se repetiu, e desta vez foi acompanhada de um rumor claro de uma explosão massiva. Ele se alarmou. Deveria ser o retorno do Brigadeiro Quindim de Souza, com sua hora de Sacripantas. Provavelmente estaria tentando fazer um cerco à sua casa e pegá-lo desprevenido. Ah, mas isto não aconteceria! Ele nunca estava desprevenido. Mesmo que aquelas pessoas, gerentes ouy sub-gerentes um tanto vesgos que tentavam lhes ocultar sua identidade e que falavam difícil, mesmo eles não saberiam o que ele tinha em reserva.
Lá fora a guerra continuava. Seu coração fez-se apertado, subitamente, pois saberia que daquela ele não voltaria. Sabia que estava chegando sua hora e sua vez, e que desta vez ele faria valer seu nome. Seria a hora e a vez de Augusto Matra--
...não, espere. Aquilo não poderia estar certo. Era seu nome Augusto? Não era mesmo aquele outro nome que o agente de branco sempre se referia em sua presença? Al o quê mesmo? Alzarráimer? Como era mesmo?
Outra explosão se fez audível lá fora. E logo em seguida ouviu uma voz esganiçada a se lamentar num megafone ou coisa assim: "Tô ficando atoladinha, tô ficando atoladinha" Ele se horrorizou, enrijecendo as costas. Malditos Tartufos! Deveriam estar torturando aquela pobre criatura, a julgar pelo tom desesperado e desafinado de seus lamentos. E a sirene ecoava com todas as forças.
O velho se dirigiu para sua cama, arrastando-a de supetão. Poderia estar fraco, poderia estar velho, mas não se entregaria de tal forma passiva, nem permitiria que torturassem alguém daquela maneira hedionda com que estavam a fazê-lo ali perto. Atrás de sua cama estava o repolho, ou melhor dizendo, o esconderijo do repolho, ou ainda, o esconderijo do cofre do escondido repolho. Quanto tempo ele não comia salada de repolho!
"Plim-plim", lá de fora veio o tal som, enveredado na miríade de estranhos sons que ainda ecoavam do conflito de proporções dantescas que deveria estar acontecendo do lado de fora de sua casa. Com um movimento resoluto, ele abriu o esconderijo e de lá tirou sua carga mais preciosa, alembrança que havia armazenado com tanto cuidado por tantos anos. Acariciou o fardo, e se dirigiu ao banheiro, com o intuito de se vestir apropriadamente.
Depois de muito pensar a respeito da talassofobia e suas repercussões mundiais, o General se decidiu por ostentar o traje de gala que ali estava dependurado. Um tanto felpudo, aquela versão mais recente de tal traje, mas quem era ele para argunmentar com a junta de hum mil e quinhentos e nove e doze dúzias de Marechais Deodoros da Fo...fo....
Outra explosão rugiu lá fora, interrompendo a linha de seu pensamento. Ele se apoderou do fardo que há pouco havia retirado de seu esconderijo e para fora de sua casa se dirigiu, parando em frente à geladeira para prestar-lhe a devida continência e confiar-lhe suas últimas palavras.
Momentos mais tarde, os baderneiros de plantão que muito se divertiam em um estacionamento nauseabundo apelidado de "Mirante" continuavam a brincar com a paciência das pessoas que ali perto residiam, aumentando e diminuindo a intensidade do barulho que emitiam de seus "sons equipados com carros" que ali estavam. Traficantes, vagabundos profissionais e vagabundas do pior gênero, eram as pessoas que ali se aglomeravam em horas improváveis como aquela, na virada de um domingo para segunda, às quatro e meia da manhã.
Muito se riam ao imaginar o quanto deveriam estar incomodando os riquinhos de merda que ali perto residiam. E se divertiam mais ainda quando algum deles chamava a polícia - eles já haviam arranjado um esquema muito profissional para alertá-los de tal inconveniência de sua inconveniência. Um fogueteiro se postava em uma posição estratégica e os alertaria de qualquer eventualidade.
Entretanto, naquela madrugada, aconteceu o inesperado, o inusitado, o improvável: depois de muita farra, do meio do mato ouviu-se um certo rebuliço, e alguns dos elementos mais ditos "sujêras" chegaram a apontar suas armas de baixo calibre mas farta munição na direção do rumor.
Imagine o tanto que se riram ao ver sair do mato um senhor magro e alto, trajando um roupão rosa e um quepe de oficial do Exército. Quase se mijando de tanto rir, alguns dos elementos simplesmente sacudiram a cabeça e tornaram à baderna premeditada. Um deles entretanto, aparentando características de um líder nato, por assim dizer, exigiu que o intruso, aquele "velho coroca dos infernos" batesse dali em retirada.
Ao que o velho se contraiu todo, fazendo pose de importante, estufando o peito e afirmando para si e para os outros ao seu redor, "Monstros! Não permitirei que tais Tartufos levem a melhor perante cidadãos de bem! Não mais permitirei que torturem ninguém! Basta!"
O chefe dos tratantes arregalou os olhos quando o velho abriu de supetão o roupão rosa, exibindo um cinturão de granadas em seu peito magro. Com um movimento rápido, tirou uma delas, arranco também o pino em seguida, e com um sorriso maroto nos lábios, simplesmente abriu seus dedos, deixando a carga explosiva cair no chão, enquanto pensava orgulhosamente que haveria de comer muito repolho depois daquela noite.
Não chegou a sentir o calor do único tiro contra ele desferido, pois antes mesmo que a bala nele chegasse, a onda de calor e o som da granada detonando já havia tomado conta de todos seus confusos sentidos, arrebantando em série todas as outras pequenas cargas explosivas em seu peito armazenadas.
No dia seguinte, em todos os jornais daquela metrópole, o massacre da madrugada era comentado, de diversas formas. Ninguém sabia direito o que havia acontecido - se um velho gagá havia se fartado da balbúrida promovida por uma corja de desocupados hediondos, ou se um velho nazista havia se revoltado contra a manifestação festiva e inocente de um grupo de marginais da sociedade e feito o inimaginável.
Muito se fala até a data de hoje, e muito se diz. Mas nada se faz. Entretanto, nas imediações de tal cratera, os baderneiros nunca mais se aventuraram. E não mais a sirene decorrente da festa puramente incomodativa acordou pessoas, normais ou não, que por ali estivessem tentando dormir. Não mais aquelas pessoas que trabalhavam foram despertas pela turba de alegres desocupados, que às cinco iriam dormir até as treze, satisfeitos de terem estragado direitinho a segunda feira de seus "inimigos", antes mesmo que ela viesse a ter forma concreta.