Curioso. Passam-se anos e mais anos, e certas memórias são muito bem conservadas em nossas cabeças, coisas que nem são tão importantes assim para nossa sobrevivência nem nada, lá ficam resguardas, conservadas da ação degradante do tempo e da vida. Existem sem que nem ao menos nos demos conta que lá estão, a não ser em raros momentos, como o que aconteceu nesta manhã.
Estava sentado esperando o ônibus na praça do Papado indefinível e inemovível, esfregando as mãos para tentar aquecê-las diante daquele friozinho que está teimando em habitar irregularmente nosso país, segundo os metereologistas e entendidos na área, e de repente olhei para a grama orvalhada e me lembrei daquilo que estava há anos encerrado em minha cachola.
Fui transportado para outras eras, nem sei ao certo que ano do ínicio da década de 80, eu diria, em algum remoto inverno da cidade de João Monlevade, onde morei até os sete anos de idade. Ia a pé para a aula no pré-primário, como era conhecido esta pré-escola em tal época, e no caminho ia encontrando com meus amigos de então, gente que minha memória falha em absoluto para se lembrar como conheci. O grupo ia se tornando maior à medida que descíamos aquela rua.
Na época de inverno, que era bem rigoroso naquele buraco que é Janmonleva, a grama alta dos jardins defronte às casas, ficava toda "suada" de orvalho, e em raras, raríssimas ocasiões se transformava em geada. Esta grama alta e orvalhada se tornava um brinquedo para nós, os moleques daquela rua.
Saíamos correndo por entre às folhas esbranquiçadas pelo orvalho, encharcando os sapatos e as meias quase por completo, e fazíamos desenhos na grama com nossas passadas. Como eram muitas as casas até chegar à escola, muita era nossa diversão, mas algumas vezes minha turma se deparava com um gramado já por outros violado e parávamos desolados imaginado quem teria tido a audácia de violar nosso playground. A contemplação e o despontamento não duravam muito tempo, entretanto. Já avistávamos outro virgem jardim mais adiante, e lá íamos tirar a forra.
Acho que algumas vezes chegávamos até atrasados à aula por causa dos desenhos na grama. Me lembro que, apesar de tal brinquedo ser a glória no momento que precedia nossa prisão escolar, era o inferno para o restante das frigidíssimas manhãs naquele lugarejo. Os pés quase se enregelavam quando sentávamos às nossas carteiras e assistíamos as aulas.
Mas valia muito a pena. O caminho para a escola era como se fosse um prelúdio, uma preparação infantil para o que teríamos que enfrentar em nossa idade adulta, aquele momento em que você está indo para seu serviço e pensa, "estou indo para o inferno." Para uma criança, assim era o inferno: ficar trancado na escola, privado das brincadeiras de rua e correrias.
Em tais manhãs de inverno, entretanto, já chegávamos bem mais dispostos para a aula, pois muito nos divertíamos em nossas corridas por entre as geladas lâminas das folhas de todos aqueles gramados. Era a glória matinal que precedia o tédio da escola.
E hoje de manhã, ao olhar para aquele imenso gramado de tal praça, lembrei-me instantanemante de tal momento, e de repente me vi menino novamente, com ímpetos de me incorporar em um mago que conjuraria meus amigos de então, para que mais uma vez fossêmos correndo nos divertir em traçar aqueles desenhos no orvalho do gramado. Imagina a glória que não seria atingida em um gramado tão grande como o da praça do Papa.
Mas aí as pessoas adultas chegaram, me cumprimentaram e me afastaram de minha epifania saudosista da manhã. E o coletivo não tardou a chegar, me afastando daquela visão que nada significaria para um outro cara qualquer, mas que nesta manhã de abril me transportou para o passado muito remoto de minhas lembranças escondidas em algum lugar desta estranha massa pensante que é o telencéfalo humano.
Se algum dia tiver rebentos, espero que eles tenham muitos gramados orvalhados no caminho da seriedade representada pela escola. Que tal caminho seja orvalhado. E que desenhos bizarros sejam traçados no gélido painel que se ali se apresenta para as bem-aventuradas crianças.
E agora, deixemos de imaginar e de viajar, que o dia mal começa e temos que trabalhar.
Estava sentado esperando o ônibus na praça do Papado indefinível e inemovível, esfregando as mãos para tentar aquecê-las diante daquele friozinho que está teimando em habitar irregularmente nosso país, segundo os metereologistas e entendidos na área, e de repente olhei para a grama orvalhada e me lembrei daquilo que estava há anos encerrado em minha cachola.
Fui transportado para outras eras, nem sei ao certo que ano do ínicio da década de 80, eu diria, em algum remoto inverno da cidade de João Monlevade, onde morei até os sete anos de idade. Ia a pé para a aula no pré-primário, como era conhecido esta pré-escola em tal época, e no caminho ia encontrando com meus amigos de então, gente que minha memória falha em absoluto para se lembrar como conheci. O grupo ia se tornando maior à medida que descíamos aquela rua.
Na época de inverno, que era bem rigoroso naquele buraco que é Janmonleva, a grama alta dos jardins defronte às casas, ficava toda "suada" de orvalho, e em raras, raríssimas ocasiões se transformava em geada. Esta grama alta e orvalhada se tornava um brinquedo para nós, os moleques daquela rua.
Saíamos correndo por entre às folhas esbranquiçadas pelo orvalho, encharcando os sapatos e as meias quase por completo, e fazíamos desenhos na grama com nossas passadas. Como eram muitas as casas até chegar à escola, muita era nossa diversão, mas algumas vezes minha turma se deparava com um gramado já por outros violado e parávamos desolados imaginado quem teria tido a audácia de violar nosso playground. A contemplação e o despontamento não duravam muito tempo, entretanto. Já avistávamos outro virgem jardim mais adiante, e lá íamos tirar a forra.
Acho que algumas vezes chegávamos até atrasados à aula por causa dos desenhos na grama. Me lembro que, apesar de tal brinquedo ser a glória no momento que precedia nossa prisão escolar, era o inferno para o restante das frigidíssimas manhãs naquele lugarejo. Os pés quase se enregelavam quando sentávamos às nossas carteiras e assistíamos as aulas.
Mas valia muito a pena. O caminho para a escola era como se fosse um prelúdio, uma preparação infantil para o que teríamos que enfrentar em nossa idade adulta, aquele momento em que você está indo para seu serviço e pensa, "estou indo para o inferno." Para uma criança, assim era o inferno: ficar trancado na escola, privado das brincadeiras de rua e correrias.
Em tais manhãs de inverno, entretanto, já chegávamos bem mais dispostos para a aula, pois muito nos divertíamos em nossas corridas por entre as geladas lâminas das folhas de todos aqueles gramados. Era a glória matinal que precedia o tédio da escola.
E hoje de manhã, ao olhar para aquele imenso gramado de tal praça, lembrei-me instantanemante de tal momento, e de repente me vi menino novamente, com ímpetos de me incorporar em um mago que conjuraria meus amigos de então, para que mais uma vez fossêmos correndo nos divertir em traçar aqueles desenhos no orvalho do gramado. Imagina a glória que não seria atingida em um gramado tão grande como o da praça do Papa.
Mas aí as pessoas adultas chegaram, me cumprimentaram e me afastaram de minha epifania saudosista da manhã. E o coletivo não tardou a chegar, me afastando daquela visão que nada significaria para um outro cara qualquer, mas que nesta manhã de abril me transportou para o passado muito remoto de minhas lembranças escondidas em algum lugar desta estranha massa pensante que é o telencéfalo humano.
Se algum dia tiver rebentos, espero que eles tenham muitos gramados orvalhados no caminho da seriedade representada pela escola. Que tal caminho seja orvalhado. E que desenhos bizarros sejam traçados no gélido painel que se ali se apresenta para as bem-aventuradas crianças.
E agora, deixemos de imaginar e de viajar, que o dia mal começa e temos que trabalhar.