quinta-feira, 8 de abril de 2010

Dragão, donde estás?

Aconteceu ontem. Ou quase.

Por algum motivo indefinido, o dia havia corrido muito bem até então, e eu aceitava os agrados inexplicáveis, desconfiadamente, é verdade, mas mesmo assim não sou louco de me tornar casmurro diante de tais coisas. Sei apreciar estes raríssimos momentos de bem-estar com a vida, sem necessariamente me questionar por quê. Na verdade, quero mais é para de ter tal pergunta na cabeça. Mesmo assim, eu ainda reservava minha desconfiança, pois não se muda do dia para a noite.

Eu havia recebido efusivos elogios por minhas artes e partes que tanto teimam em me dizer que são de fato artes e não somente partes. Me fez bem, muito bem. Um dia eu juro que eu ainda irei crer veementemente nesta tal realidade que algum mecanismo sórdido interno teima em rechaçar. A manhã havia corrido sem maiores problemas, tudo nos conformes, bom dia como vai, está tudo funcionando, as coisas estão em dia. Certo, certo. Vamos almoçar? Bom almoço, onde comemos a rúcula mais amarga jamais provada por mim dantes. Fez bem ,apesar das lágrimas que fizeram brotar em nossos olhos. Choramos a perda do título perdido por outrora salada em outro lugar, e nos fartamos em saborear o restante do modesto prato, modestas carnes, bom sabor, muito bom sabor.

Eu e meu fiel companheiro de todos os almoços corporativos limitados, LTDA, nos separamos à esquina, eu com o intuito de simplesmente passear no xópis, ele com o objetivo de mais trabalhar; para ele o tempo de fato rugia naquela tarde incipiente. Fui ter ao pálacio do consumismo classe-medista belorizontino(fede, fede) e suas roupas absurdas, tanto no preço quanto no desenho arrojado porém idiota. Olhava todas aquelas inócuas vitrines sem nem me importar. O Diamongol para mim tem apenas três serventias: cafézes, evenmtuais idas ao Subway, e a livraria, que ultimamente anda quase desclassificada do compêndio "três utilidades para um xópis escroto."

Fui ter à livraria. O café está muito caro e o frio ainda não apertou a ponto que eu paertasse meu bolso, ainda não. Postei-me mui civilizadamente na escada rolante(volante! volante!) e me deixei ser conduzido para o andar de baixo.

Foi quando aconteceu.

Olhei de relance para o espelho que ainda não sei por que cargas d'água põem ao redor dos fossos das escadas deste gênero mundo afora, e vi. Escamas. Fogo. Garras. E um braço. Feminino.

A dona daquele dragão estava subindo os degraus enquanto de meu lado estava eu com aquela ânsia inexplicável, aquele efeito irremediável que me causa tal visão, mulheres e tatuagens. Vi as costas da possuidora daquele soberbo animal de tinta, mas estava preso ao fato que ela subia enquanto eu descia, e muito me lamentei do fato ter ocorrido desta maneira.

Se quiserdes fazer deste ser teu escravo, seja mulher e tenha um belo dragão impresso em vossa pele ó minha senhora, minha mestra.

Cheguei ao meu destino embasbacado, tonto, sem saber o que fazer, para onde ficava mesmo a livraria? O que era uma livraria? Perguntas, todas inúteis estas. Mas as que teimavam em ressoar em minha cabeça era, quem era aquela moça? Para onde ia? Será que não estaria interessada em adquirir um branco(põe BRANCO nisso) escravo? Um servo fiel e irredutível. Moça, teu dragão em teu corpo fez de mim seu escravo naquele momento.

E eu sabia disso. Apesar de ter perdido uns bons dois minutos andando sem rumo no andar inferior do shopping, eu precisava, precisava encontrar minha dona. Agora, em situações normais, este ser facilmente escravizável só diria, "droga, novamente me fudi" e prosseguiria cabisbaixo para a insípida livraria. Mas algo me impeliu a agir de maneira diferenciada naquele dia.

Parti atrás dela, em busca daquela mulher e seu dragão, que tanto me enfeitiçaram. Rodei o andar inteiro, olhando para dentro de todas as lojas, buscando, procurando. Analisei todas as moças que achei no caminho, e mesmo que tenha recebido aquele olhar que tanto me desnorteia e tanto faz-me sentir um perfeito idiota, as donas de tais olhos eram desprovidas do acessório que havia me arrebatado inexoravelmente naquela tarde.

Nada achei no segundo andar, e parti para o terceiro. Novemente, perscrutei toda a extensão do andar e de seus itens consumistas, modernos equipamentos para seu lar, agora com desconto! Tênis a dois mil reais! Track & Field, Timberland, tudo muito bom, muito caro! Compre djá! E io posso mudar sua "bida." Mudaria de vida, de fato, se ali encontrasse aquela intrépida fêmea, que ainda tanto me fugia.

Mas o que faria eu se a encontrasse? Provavelmente nada, meu lado normal e auto-depreciativo já me dizia, ainda és o mais banana dos receptores de tais fatais olhares. Bem sei, dizia eu, e empurrava rudemente o pensamento para o fundo da cachola. Mas o senhor hoje pode ir ter à merda. Eu só queria achar o dragão. Somente isto. Vencida tal etapa eu pensaria no resto. Pé atrás de pé, passos e passo, e aquele indefectível ar de aflição estampado em minha cara, lá ia eu.

Nada no terceiro andar. Rodei novamente o segundo andar e ainda assim tornei ao andar do qual aquela criatura e sua carnalmente impressa criatura haviam se originado magicamente naquela metade daquele fatídico dia. Procurei e procurei, e andei e andei.

Nada. Não foi desta vez que achei minha dona, minha fatal possuidora. Instantaneamente as cadeias mentais que já se haviam desenvolvido em meus tornozelos e pulsos caíram por terra. A certeza de ter falhado na busca me libertou por completo daquilo. Não teimei em em lamentar o ocorrido por muito tempo. Deixa pra lá. Supostamente, dizem, existem muitos peixes no mar.

Mas os peixes que se fodam. Eu só queria aquele dragão e sua dona. Só isso. Suspirei, não necessariamente desanimado e infinitamnete derrotado, pois ainda não estou tão louco a ponto de encarar uma "derrota" como esta como um motivo real para encurtar minha vida ou me tornar depressivo. O dia ainda estava longe de terminar e eu ainda me sentia muito bem, pois em momentos como este, eu me surpreendo em verificar o elementar fato de que ainda tenho emoções e um pendão de esperança de ainda encontrar aquela moça, tatuada ou não, que será de fato minha dona.

Adiante, para fora do prédio e de volta ao outro prédio, eu me sentia de certa forma mais leve, mais feliz, mais vivo. Ainda estou vivo, por assim dizer. Ainda existe em mim algo que me impulsiona a agir feito idiota diante de tão vaga promessa que por um furtivo momento passou diante de meus olhos.

Não foi desta vez, mas chegará, eu sei. Eu quero que seja assim.