quarta-feira, 7 de abril de 2010

A cela.

Eu queria ser mais avacalhado.

Eu queria ter esta faculdade de simplesmente me desligar de todas minhas regras e padrões medidos em laboratório e padronizados pela IUPAC.

Por vezes me farto de ser eu mesmo....de ser aquele cara que enxerga o verde cinza e o azul cinza, o vermelho um cinza um tanto mais escuro e tudo mais. Cinza cinza cinza.

Por que o tempo passa. O tempo voa, e quando muito espantamo-nos, a década passou, mais uma delas, e cá estou, na mesma de dez, vinte anos atrás.

Existem coisas acontecendo, coisas que parecem mesmo serem mensagens veladas, como já disse aqui dantes. E estão surgindo com mais frequência, cada vez mais e mais. Olhe ao seu redor, o que vês?

Olhares que nunca antes haviam existido. Conversas que nunca tiveram ânimo de começar com este ser eremita e sociopata. Coisas, eventos, gritando para mim. Desista. Pare. Mude. Resistência é inútil.

Existem paredes grossas demais ao meu redor, entretanto. E por mais que estejam surgindo rachaduras cada vez mais pronunciadas nelas, ainda existe um bom meio metro de concreto e aço ao meu redor.

Esta cela era o local mais solitário do mundo...e dos mais seguros também. Mas o que é segurança....sem vida para ser resguardada?

Dias e dias, meses a fio, anos e anos. Encerrado aqui. Recebendo visitas - nada íntimas - pela pequena fresta na porta maciça de titânio diante de mim. E mesmo que tenha sido eu mesmo que tenha me trancafiado neste eterno solilóquio mental, me parece que há muito perdi a chave daqui.

O que me resta fazer?

Bater nas paredes, esmurrar a porta. Até os braços caírem, até os nós dos dedos sangrarem; berrar e berrar, até ficar sem voz. As paredes não são eternas. Não podem ser. Bato e bato, esmurro e esmurro.

Quem se diz prisioneiro de si mesmo? Quem é louco a ponto de se encerrar em tal prisão, se negar toda uma vida, tudo que nele tem de bom e verdadeiramente não frango. Tudo o que me diferencia dos outros gnus deste imenso rebanho....tudo, tudo encerrado em gavetas trancadas. Em pastas esquecidas. Em monólogos interiores.

Mas me estendem a mão lá de fora. Me olham com outros olhos, olhares os quais nunca julguei serem algum dia dirigidos a este ser que tanto não existe enquanto por aí circula...um estranho entre os normais, e um estranho entre os outros estranhos.

Me estendem a mão, me gritam, batem nas paredes. A parte de mim que teima em se encerrar teme muito pela queda deste muro, destas paredes, mas eu bato e bato nesta tosca alvenaria de minha mente.

E as rachaduras aumentam. Ainda que por vezes as vozes externas se calem em tempos que por dêsanimo exacerbado eu pare momentaneamente de esmurrar aquelas paredes...as rachaduras existem, e não retrocedem, mesmo que queiram. Mesmo que alguma coisa dentro de mim ainda queira falhar, falir, desistir.

Nestes momentos de extremo cansaço, de fadiga generalizada pelo esforço de tentar de mim mesmo me desvencilhar, quando paro de bater nas paredes, as vozes lá de fora parecem mesmo se calar. E imploro para que não se calem. Eu me tranquei aqui, mea culpa est, mas preciso de ajuda.

Por favor, não desistam de me ajdar, eu peço. Não se esqueçam de meu nome. Eu imploro.

Tenho vontade de ser liberto de minhas paredes, tenho vontade de retribuir tais olhares, tais pequenos gestos que tanto me fazem bem. Tenho medo, eu sei, daqui sair, mas aqui não quero morrer. Não desta maneira. Não encerrado em um eterno inverno, sem nenhuma jaqueta de pensamento nem um outro corpo macio e quentinho para me abraçar.

Por vezes, cabisbaixo em um canto da cela, parece mesmo que sinto uma estranha e transparente carícia de alguma entidade que daqui desta realidade já se foi, mas que de alguma forma de mim ainda se importa...ainda me quer ver livre de minhas paredes.

Nestas horas, as vozes lá de fora clamam pelo meu nome mais uma vez, e ergo-me bufando, determinado. Estou aqui. Quero sair. Quero ser gente, quero poder ser alguém que não seja ninguém, um ser esquecido numa solitária. Um esqueleto carcomido pelo tempo e pela soberba.

Estou aqui. Bato e bato nas paredes, que se mexem, pouco a pouco perdem sua integridade quase inemovível. Perdi a chave desta cela, mas aqui não quero ficar.

Não devo ficar.

Não irei ficar.