terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Surpresa!

Já nem sei dizer como aconteceu. Não saberia dizer, de maneira alguma. E tudo aconteceu tão rápido, de maneira tão brusca, que quase nem vi acontecendo direito.

Algumas pessoas gritaram por socorro, outras ficaram paralisadas diante a cena. Mas, momentos antes, ninguém havia se importado. Não até a coisa em si acontecer de fato.

Meu coração estava disparado, a sei lá quantos mil batimentos por minutos, eu arfava feito um cachorro asmático...e raivoso. Creio que estava também babando, mas nem tive tempo de checar. Tempo...ou frieza. Não sei ao certo.

A baderna continuava ao redor, uns a clamar pelo meu sangue, outros estavam mesmo rindo histericamente e clamando por mais ação, mais! violência e mais! Muito mais!

Vários corriam na direção oposta à cena. E eu, enquanto a adrenalina baixava, me mantinha estranhamente calmo. Zen. Calmo como uma vaca hindu. Tudo ao redor estava em silêncio, ainda que algumas mulheres ao redor estavam se descabelando, se debulhando em pranto histérico. Mais adiante, alguns outros malacos olhavam a cena estarrecidos e discutiam entre si. Outros, com aparência de valentões pareciam gritar em minha direção, mas sem se aproximar.

Eu não ouvia nada. A última coisa que ecoava em meus ouvidos era o derradeiro grito dele. Aquilo ele não deveria estar esperando...não de mim. Não do imbecil com cara de idiota que ele havia escolhido. Aquele que ele iria rir muito de sua cara, assim que estivesse longe dali comentando o caso com seus companheiros de "profissão."

Aquele que ele se aproximou furtivamente, tentando não fazer ruído ou despertar suspeitas. Em cuja mochila ele havia enfiado a mão enquanto este esperava o sinal abrir.

Havia sido um dia de merda, por todos os lados. Um daqueles dias em que parece que tudo está contra você, e que mesmo o sol só brilha para pôr em evidência sua vida de merda. Um mau dia, por assim dizer.

Simples assim.

Anos e anos. Toda aquela vida que poderia ter sido e que não foi. Todo aquele besteirol que todos os dias todos ouviam-no dizer e reclamar. Toda aquela covardia, aquele medo, aquela joça toda reunida. Em um só cara. Em uma só pessoa.

Aquele, que sempre se curvou diante das merdas, diante das agruras causadas pela sua visão um tanto diferenciada de tudo e todos. Aquele, que sempre teve medo. Que nunca, nunca, havia reagido a nada, ou quase nada, que lhe haviam infligido.

Até aquele momento.

Em plena rua. Em pleno centro daquela infecta cidade. Naquela hora morta da tarde, em que ele tentava retornar ao seu ocaso, ao seu eterno marasmo, após ter aguentado dez horas da mais tenra inutilidade. Estava ele distraído, tentando se desconectar do mundo, de todo aquele caos ao seu redor.

Nunca iria reagir. Não aquele pedaço de gente, aquele ser completamente inofensivo ao mundo, aquele ser idiotizado por sua própria imbecilidade. Não.

A mão do meliante arrancou-lhe a música de supetão, deixando-o apenas com o cancelamento sonoro promovido pelos fones, ainda a funcionar inutilmente. Ele viu, incrédulo, o sujeito se esgueirando rapidamente pelas demais pessoas, que fingiam nem estar ali. Indiferença pela indifernça. Nós te ignoramos, assim como você nos ignora.

Naquela hora, sentiu algo se romper por dentro. Algo que desarranjou tudo. Que mudou algo. Empurrou de súbito alguns dos frangos ao redor, sentindo algo muito mais que pura raiva. Adrenalina? Ódio perfeito?

Não saberia dizer.

Em instantes, alcançou o cara, sem nem mesmo saber como. Sem ter visto como aconteceu. Sentiu seus joelhos se escalavrando no chão, mas não sentiu dor. Viu a cara desorientada dele, e em seguida sentiu algo em suas mãos....em seus punhos fechados. Sentia, novamente, a pele se resfolegar, se desprender devido ao atrito com a face dele. Ele não havia feito a barba, não precisava fazer a barba.

Nunca mais precisaria.

Sentia o caldo quente a emanar das pequenas veias arrebentadas, sentia o impacto seco dos punhos com os ossos da face dele. E queria mais, algo dentro exigia mais. Exigia o ruído de coisas partindo-se, esfarelando-se no asfalto. Um dente a menos. Outro dente a menos. Todos os dentes a menos. Um maxilar a menos.

Um filho da puta a menos.

Quendo se deu por si, não havia muito mais material para um dentista forense identificar o presunto. Riu malevolamente de tal pensamento, e começou a sentir algo como dor pulsante em suas mãos...que estavam em carne viva nas junturas.

Arfava como um cão raivoso e asmático, e seu coração era um tambor tribal, descompassado mas frenético. Sentia-se muito bem. Foi aí que começou a perceber, abafados pela função agora inútil dos fones, os gritos ao seu redor. Toda aquela estupefação.

Todos a contemplar, ninguém a ajudar. Todos a condenar, todos a horrorizar. Sorriu para todos, mesmo para aqueles que pareciam ser mais valentes....mas que perto dele não chegavam.

Sentia-se muito bem. Apanhou seu aparelho previamente furtado por aquele que ali não mais se encontrava, e replugou-o nos fones. Ah, música. Jesus & Mary Chain, quem diria:

"I was a car smash
She was a car smash
We did the car crash

I said the police
I kiss the police
I killed the police man

My mother kill my darkend soul
My mother kill my darkend soul
My mother lit my darkend soul

I got the stone look
I done the stone truck
I got the stoned look in my eye

Disease yeah
A disease yeah
A disease yeah

My lover touch my darkened soul
My lover touch my darkened soul
My lover lit my darkened soul

And now I know just where to go

I was a whore hound
I was a snake hound
I was a coke hound

I was the bad scene
I was the bad gene
I was the bad dream

My lover touch my darkened soul
My lover touch my darkened soul
My lover lit my darkened soul

And now I know just where to go"

Degenerate. De fato.

Pôs-se a andar, calmamente, enquanto a turba abria caminho. Parecia ouvir as ordens gritadas de alguns soldados rasos da PM, mas nem se virou. Estava tudo certo. Estava tudo calmo, agora.