Há algumas semanas, quando estava visitando amigos em meu retiro espiritual próximo a BH, mais sabidamente conhecido como Retiro das Pedras, aconteceu-me algo doloroso em minha curta estada ali. Na última noite, estava dirigindo-me paraq minha cama no escuro, quando o detector de móveis em situações de ausência e/ou quase ausência de luz, a saber, a canela da perna, detectou a quina da cama na escuridão. Tendo localizado tal móvel com tal aparato extremamente acurado e sensível, senti uma coisa dentro de mim, um impacto doloroso, uma sensação de extrema angústia que me levou a tombar ao chão, sentindo o custo de se valer de tal aparato para localizar os móveis, muitas vezes não tão móveis assim. Fiquei ali alguns instantes, sem poder nem respirar direito.
Sim. Bater a merda da canela numa cama dói, e muito. E como o impacto foi em uma de minhas pernas devidamente bordada a tintas e agulhas, apressei-me em verificar se tal impacto havia causado algum estrago na obra de arte. Sim, eu havia escoriado a região, mas não houveram danos consideráveis ali além da "ralada" em si. Evidentemente, houve a formação daqueles abscessos tão bunitossss que ocorrem quando metemos o coco ou alguma parte do corpo contra um objeto sólido e insensível, ao contrário de nossos frágeis corpos.
Neste fim de semana passado, estava limpando meu habitar quando novamente usei sem querer o aparato para detectar não uma cama, mas os degraus de uma escada reclinada à parede dali. Quase precisamente em cima da anterior injúria. Desta vez eu escorreguei por entre os degraus, e verifiquei que além de ter atingido a "ralada" anterior, eu havia ralado outras áreas também, com efeito igualmente doloroso.
Estou andando meio que mancando devido à estes pequenos acidentes de percurso, e por mais estranho que possa parecer, tal coisa me fez pensar muito em tempos remotos, tempos passados, tempos infantes, onde chegar em casa sem estar todo ou ao menos um pouco escalavrado era motivo de indagações maternas a respeito de que milagre seria aquele. Sim, tive o privilégio de ter passado os primeiros sete anos de minha vida crescendo em uma cidade pequena, onde sempre corria de cima pra baixo com uma corja de meninos da minha idade, fazendo merda atrás de merda, carinhosamente chamando aquilo de "arte". Fui diagnosticado de ser "artista" desde cedo.
Mas enfim, após tantos e tantos anos, após meu corpo ter se convertido naquela coisa que mulheres chamam de adultos e que nós homens sabemos ser apenas uma versão alongada de nossos corpos de meninos - uma vez que continuamos meninos para toda avida, ao menos por opiniões femininas(OK, muitas vezes, nós mesmos admitimos que nunca amadurecemos) - a ocorrência anual de escoriações na pele diminui consideravelmente uma vez que somos obrigados a não mais fazer exatamente todas as merdas que fazíamos quando moleques. E tal sensação, a sensação de carregar um ferimento, sentir ele formar aquela casca por cima, sentir a pele repuxando em volta(dolorosamente) e etc, me fez tornar a minha memória para os anos da infância em si.
É estranho isto, pois nestas horas vemos como associamos sensações físicas às sensações emotivas e memoriais em si. Na hora que comecei a prestar atenção na ferida e na sua sensação inicialmente dolorida para depois evoluir para aquele cascão extremamente "coçante", eu fui transportado mentalmente para aqueles dias, onde sensações dolorosas como aquela eram como se fossem uma espécie de sinal, marcando que algo havia acontecido, e que se você tinha ralado mas estava andando, tudo estava bem. E a "ralação" era exibida posteriormente como trófeu, marca de que eu havia sim, feito uma merda. Mas tinha sobrevivido! Estava triunbfante em meu elemento, por assim dizer.
Já repararam nisto? Falo disto não apenas de sensações dolorosas em si, mas mesmo um cheiro, uma voz, um som - qualquer coisa que seja - pode te transportar anos e anos para o passado. São verdadeiras máquinas dfo tempo sensoriais. Algumas vezes, quando comemos algo, lembramos de como aquilo era bom quando éramos crianças e passamos alguns saudáveis momentos alforriados de nossa triste existência desprovida da diversão de sermos crianças.
Certo, certo, seu Buriol pessimista, não é bem assim. Eu sei. Falo isso porque querendo ou não, quando éramos crianças era muito mais fácil nos divertirmos a valer com coisas rídiculas. Por exemplo, em um dia chato de chuva, você jogava um lençol por cima do sofá da sala; rearranjando um pouco as almofadas você tinha a sua disposição uma autêntica CAVERNA, cheia de monstros e aventuras. E podia ficar ali a semana inteira se quissesse, ou caso seus pais deixassem ou fossem surdos.
Eheheh, decerto, estamos nostálgicos hoje. Sim, mas um pouco de nostalgia faz-nos bem por vezes. O importante é não viver ali naquele passado remoto, por mais tentador que seja. E adaptar nossa imaginação para fazermos bom uso dela para livrar-nos de momentos chatos de nossa adultice, que por mais que espereneiem, é SIM muito menos divertida que a infância. Ao menos se tratando de diversões que não nos custem o escambo de nosso fruto de nosso trabalho por outras coisas, outros itens que as "lojas de brinquedos para adultos" têm a nos ofertar, tristes crianças eternas.
Ao menos os que se parecem comigo, ou que tiveram uma divertida infância, saberão do que estou falando, ou padecem de péssima memória, ehehehe. Sinal dos tempos, sinal da idade.