Chegue mais perto, mais perto, mais perto. Daqui de onde estou, não posso te ver, meu bem. Aproxime-se mais e mais.
Meu cano, minha arma, aguarda ansiosamente sua presença. Escorendo muito desta baba preta que parece-me ser sangue de demônio. Coisa assim, bem singela. Ha, ha, ha.
Devo estar me sentindo mal mesmo, não sei. Se bem que algumas vezes na vida já vi coisa semelhante: quando a merda é muito grande, a gente acha que não está acontecendo, que é uma brincadeira, algo assim. Paramos de agir racionalmente e desandamos a fazer merda. Por que eu havia parado?...
Eu estava ofegante demais para continuar...aquele maldito corredor de mil portas não acabava nunca...E eu ainda nem sabia do que estava correndo, ou ao menos POR QUE estava correndo. O que estava acontecendo? O que aquela...coisa...queria de mim? O que esta merda de casa dos infernos queria? Qual era a mensagem, qual era o motivo?
Ouvi o ronco da mulher-satã chegando mais perto. Apertei o cano em minha mão. Acho que não faria muita diferença saber ou não o que estava acontecendo. Talvez eu fosse apenas um idiota com muito azar, conforme a vida já tinha teimado em demonstrar-me.
Levantei a cabeça, suspirando. Que bela forma de morrer. Pelado, com uma quantidade de álcool no sangue muito superior à recomendada pelos detentores das boas maneiras em sociedade...Imaginei que, se meu corpo fosse tragado para o inferno - que para mim era onde aquele corredor maldito fosse desemborcar - não teria muito problema. Simplesmente relatariam que um idiota havia se embebedado em serviço e sumido no mundo, deixando para trás apenas uma mala com roupra suja e escritos horríveis em uma máquina de escrever portátil. Nada mais, nada menos.
Mais um rangido infernal, mais passos. Havia agora a claridade laranja denunciando que minha tão bem-amada se aproximava. Eu ainda não havia decidido se apenas iria aceitar ser retalhado pela monstrenga ou se iria tentar me defender até o último instante. Não sei nem se teria forças para isso. enti o peso do cano em minhas mãos...parecia muito mais pesado do que realmente era.
Me apertei contra a porta, erguendo o cano e esperando. O arfar demoníaco estava bem perto agora. Olhei emn direção à escuridão à minha frente e vi aquele ponto de luz se aproximando, não me deixando ver quem, afinal de contas estava emitindo aquela luz. Algo me baratinava: eu havia furado os dois olhos da dita, e a luz vermelha que havia aparecido no banheiro parecia que vinha dos olhos dela...
Quando a coisa emergiu da escuridão, alguns metros à minha frente, eu entendi melhor. Entender não é bem a palavra, mas...
Ainda era a mesma joça de monstra, apenas com uma novidade: seus olhos ditos normais, típicos de uma pessoa por assim dizer, continuavam lindamente perfurados. Mas havia um terceiro ponto em sua testa que era de onde a tal da luz laranja emanava. Imaginei que seria algo como o tal do terceiro olho.
Que zen, pensei eu. Deve ser daí que budistas tiraram este papo furado todo de terceiro olho e atingir o tal do nirvana. Ha, ha, ha.
Zen, muito zen, de fato. Ainda mais quando a cara de tal criatura se retesou toda e ela ergueu a mão que ainda prestava - o outro braço, por mim mesmo quebrado, pendia igualmente lindo a seu lado. Eu havia feito um senhor estrago naquela coisa, e ao mesmo tempo que me enaltecia um pouco, congratulando-me de ter feito tanto estrago tendo em mão apenas um cano de chuveiro, eu me perguntava o quão irritada ela estaria. Quão ansiosa por beber de meu sangue ela estaria.
Bem, a hora de descobrir era aquela. Senti minha adrenalina voltando à ativa, imaginando aunto mais eu teria em estoque.
Eu descobriria em breve, imaginei.