quinta-feira, 5 de março de 2009

Panegírico.

Assis Ramos de Faria.

Após o informe datado do final da tarde de ontem, sobre seu falecimento, sinto-me compelido a prestar uma homenagem, por mais anônima que seja, uma vez que poucos que me conhecem também o conheciam.

Não sei tanto sobre a vida de "seu" Assis, como todos o conheciam. Não sei de onde era natural, se tinha cursado alguma escola assim ou assado, não sei. Sei que ele era motorista da família do Antônio; acho que ele exerceu essa função por toda sua vida.

Sei que era uma boa pessoa. Sei que dirigia carros insanamente, por vezes quando fui passageiro dele, vi minha própria vida passar diante de meus olhos quando ele acelerava para me levar ao meu suposto destino: "Você tá atrasado. Mas deixa comigo!". Eu e o Hugo passamos por aperto semelhante em 1997, quando ele nos deu uma carona para a UFMG. Nunca tinha visto ninguém correr tanto naquela avenida movimentadíssima até então. Saímos do carro quase beijando o chão. Estou vivo! Estou vivo!

Mas, por incrível que pareça, ele nunca, NUNCA bateu. Nunca sofreu acidente automobílistico. Parecia que tinha um anjo da guarda forte, por assim dizer.

Sei também que ele era uma pessoa que execrava gente desonesta...especialmente ladrões e afins. É famoso também o caso de quando ele foi assaltado à saída do banco, quando um pivete roubou o envelope que continha seu ordenado. Creio que nesta época, seu Assis tinha perto de 60 anos ou mais; isto não o impediu de perseguir o pulha, alcançá-lo uns dez quarteirões adiante e encher o couro do sujeito de porrada. Agentes da polícia houveram por bem separá-lo do meliante; acho que se não o fizessem, ele teria levado a cabo a ameaça de matá-lo.

Outra vez, quando informado que eu e Antônio havíamos sido assaltados à mão armada enquanto tentavámos escalar a montanha perto de nossas residências, estava com ele no carro quando ele virou pra mim e me disse que estava indignado com o que tinha acontecido, e que lamentava não estar conosco na ocasião, "para passar fogo nos desgraçados". Ao dizer isso, puxou de um compartimento secreto no carro seu trabuco de cano curto, fato que me causou sensação. Imagino que se de fato ele estiveve conosco, tais filhos da puta estariam bem mortos. Sem remorso. Sem transtorno.

Ele era como um autêntico cão de guarda perto das pessoas a quem reservava apreço, sempre pronto a te defender. Coisa que admiro muito em pessoas; coisa que acho que está em declínio nas pessoas hoje em dia. Cada vez mais e mais é cada um por si e foda-se.

Sim, para uns pode parecer que ele era muito doido também(sinceramente, gostaria muito que houvessem mais "doidos" feito ele), mas o pouco que eu conhecia dele era o suficiente para saber que ele era uma pessoa com quem você poderia contar. Alguém realmente digno de confiança. Ele tinha palavra, honra. Coisas que andam em extinção também nos dias de hoje.

Coisas que valorizo muito. Coisas que sinto que sentirei falta.

Não sei bem a idade que ele nos deixou, mas sei que girava em torno de 70 ou mais anos. E ele sempre apresentou menos. Seu humor era inquebrantável; estava sempre com um sorriso no rosto quando conversava com você. Seu ânimo era exemplar.

Sei que ele estava lutando com o mau eterno do ser humano, aquela bomba relógio que o próprio corpo resolve pôr em funcionamento quando se menos espera, e por motivos que, por mais que se estudem, ninguém sabe dizer por que ela é ativada. O câncer. Coisa maldita esta, é deveras ingrato lutar contra seu próprio organismo. Sei que ele esteve internado algumas vezes nos últimos meses, e aparentemente tinha debelado a coisa. Pelo menos assim me pareceu. Eu o vi dirigindo seu carro, como de costume, há umas duas semanas atrás, passando por mim enquanto vinha ao trabalho. Sorridente como sempre, me acenando amigavelmente como de costume.

Mas uma coisa que não sabia até ontem era que sua esposa havia falecido há aproximadamente um mês. E bem sei eu como essas uniões de outrora costumavam ser mais significativas que os casamentos descartáveis que acontecem nos dias de hoje. Parece que, em uniões deste tipo, quando um deles se vai, o outro simplesmente desiste de continuar vivo e procura, inadvertidamente seguir o destino do cônjuge. Vi isto acontecer com meus avós maternos: quando meu avô faleceu, minha avó parece ter desistido de viver, e em menos de um mês depois, ela também foi-se embora.

Não sei se foi este o caso. Mas sei o que aconteceu.

Que seu Assis nos deixou.

E sei que ele irá fazer falta. Sei que é uma pessoa que realmente representava uma estirpe em extinção hoje em dia.

Que a terra lhe seja leve, seu Assis. Que o senhor volte a se encontrar com todos que do outro lado estão e que sabiam que o senhor era uma pessoa digna de menção. Que aguardavam ansiosamente a bênção de sua presença. Porque assim o era para nós que aqui ficamos.

Adeus...e muito obrigado por tudo.