sexta-feira, 6 de março de 2009

Carta abrida a um devogado.

Prezado Dr. Tie,

Lamento informar que ontem não foi possível comparecer a nosso encontro previamente marcado, para discutirmos o andamento do processo. De fato, como de praxe, fui obrigado a ficar acordado até tarde ante-ontem escutando a maravilhosa sinfonia que meu primo, Mortimer, obriga-me a "apreciar" todas as noites, quando retorna do bar ainda mais bêbado que de costume, e embarca no estudo da sinfonia nada sinfônica de sua gaita de foles. Maldito sejam esses escoceses malucos. Para piorar, junte a isto o fato que meu vizinho, Herr Kraut ficou o tempo todo xingando Mortimer em alemão, aos berros. Horas depois, quando Mortimer finalmente tombou inconsciente por terra, achei que poderia dormir sossegado ao menos por umas horinhas, mas os dobermanns de Herr Kraut houveram por bem realizarem sua própria sinfonia de uivos e latidos incessantes. Por incrível que pareça, nestas horas o pulha permanece em silêncio e deixa que seus cães dos infernos atormentem a todos; agora, se voce fizer um ruído, por menor que seja, o dito levanta-se e posta-se à janela em sua melhor pose de Hitler e recomeça a querer ensinar o ABC dos palavrões em alemão.

V. Sa. bem sabe de tudo isto, eis que a audiência adiada d'ontem era acerca do processo que tenciono mover contra tal criatura abominável. O hediondo senhor ainda insiste em deixar suas plantas odiosas a crescer por cima de minha propriedade, como se fosse um ato espontâneo de sabotagem insensata contra minha pessoa. Sim, bem sei que tal indivíduo começou a esbravejar injúrias em sua língua natal quando tentei manter atividades musicais um pouquinho mais ordenadas que a sinfonia de notas estranhas em tons indefinidos emitidas pela gaita de foles de meu primo, forçando-me a encerrar tais atividades, mas ainda assim sua insistência em deixar tais plantas a redeas soltas cobrindo meu telhado e danificando muito a estrutura do mesmo, continuou por meses a fio, bem antes da chegada do imigrante escocês que aqui habita no momento.

Enfim, após uma noite em que dormi por aproximadamente 15 segundos, fui fazer um café extra-extra-extra-super-ultra-plus forte em um tentativa vã de me despertar, mas verifiquei para meu horror que café em minha residência não mais havia. Esqueci-me de trancar o depósito de café da despensa, e acho que alguém que aqui reside resolveu dar cabo de minhas preciosas reservas deste magnífico pó. Praguejando horrores, como é de hábito, dirigi-me para a garagem, a fim de apanhar meu veículo automotor para tentar localizar algum estabelecimento infecto que vendesse tal infusão, absolutamente vital para o meu pleno funcionamento, logo em seguida dirigindo-me para vosso escritório, para que fizéssemos a tal reunião.

O carro que possuo, bem sabe V. Sa., está mais para uma charrete que um automóvel propriamente dito; maldita renda insuficiente de desenhista que não me permite adquirir uma coisa melhor que um Fiat 147 amarelo-abóbora. Após inúmeras tentativas de por o quase falecido motor em funcionamento, consegui finalmente obter êxito após empurrar tal ferro-velho por algumas dezenas de metros. Subi na carroceria enferrujada e prossegui adiante, conseguindo obter a velocidade lúdrica de 40 km/h de minha carroça automotiva. Isto na segunda marcha; caso tente passar para a terceira, o carro imediatamente começa a enfraquecer. A quarta marcha estampada na alavanca de câmbio é uma piada de mau gosto, creio eu, pois o dia em que necessitar ativá-la será o momento concomitante do apocalipse.

Meu júbilo de dirigir tal possante máquina foi interrompido momentos adiante, quando apareceu diante de mim um veículo ainda mais digno de pena que o meu: um Corcel I branco, que ocupava com hegemonia a via em que circulava, atingindo a velocidade espantosa de 150...metros por dia. Após muito praguejar(minha buzina não funciona), esgoelei o motor de minha abobrinha, contrariando o último mecânico que o examinou, que me recomendou que nunca o fizesse. A máquina reclamou tanto que experimentei passar para a terceira marcha, fato este que causou a morte instantânea do motor.

O dono do Corcel se riu muito de meu infortúnio e seguiu adiante, enquanto eu dei uma dúzia de pontapés no meu extinto veículo, evidentemente machucando-me muito mais que a lataria de sólido ferro. Mancando, resignei-me a empurrar meu fardo de volta para minha residência, sendo definitivamente impedido de comparecer à nossa planejada reunião, uma vez que o transporte público ainda estava paralisado devido à greve de seus operantes, que exigem 150% de aumento mas que sabem que seus patrões, se muito, irão conceder um aumento de 0,0000000000000000000000zero porcento.

Como v. Exa. pode constatar, não foi por simples lapso de memória que não pude comparecer a tal reunião. Estou aqui escrevendo no meu mais caprichado português, típico de agentes da lei como o senhor, para tentar entender por que diabos o senhor teve a cara de pau de mandar-me uma nota de cobrança pela reunião que NÃO aconteceu ontem. Foda-se o português críptico; bem sei que cretinos como o senhor só usam essas merdas para enganar suas pobres vítimas, confundindo-as irremediavelmente com estes termos rebuscados dos infernos. Escrevi e remeti esta pequena nota no momento em que recebi sua porca cobrança, momento este que me determinei a comparecer em seu escritório, munido do meu fiel taco de baseball, para redecorar suas instalações e a sua cara. Como sei que demorarei uns 2 dias para chegar aí, uma vez que estarei indo a pé, espero que esta carta NÃO chegue às suas imundas mãos antes que consiga aí chegar. Para isto tenho plena confiança que meus queridos agentes dos correios certamente irão me ajudar.

Então, passe bem, querido Doutor. Doutor?? Por acaso o senhor tem ao menos título de doutorado?? Só se chamam de "doutores" àqueles que obtiveram este título, não a uma reles sanguessuga feito o senhor, formado em uma universidade ribeirinha e que se diz doutor, mas que nem ao menos fez um mero mestrado!

Passar bem mal, seu filho da puta dos infernos.

Assinado,

Sr. Bode.