quarta-feira, 25 de março de 2009

Bom...SOC!

"Bom dia!", disse a ululante caixa do supermercado. Um soco, alguns dentes quebrados. Em frente. Na banca de jornais, "Bom dia", mais um soco, mais alguns dentes quebrados. E burburinho ao redor, claro. Adiante. Na entrada do prédio, "Bom dia", várias pessoas perderam alguns de seus dentes ao mesmo tempo agora. A cena se repetiu no elevador. Na cozinha do prédio. Nos corredores. E enfim, em sua sala. Neste momento, os bem humorados resolveram organizar um levante popular ribeirinho escalafobético e defenestrar o mau-humorado cidadão, que se esborrachou cheio de felicidade no pavimento da rua.

Sim. Seria este o resumo de alguns dias, estes em que o sol parce ter-se levantado apenas para nos humilhar. São momentos de crise reinante, dias em que tudo dá errado e que você desejaria apenas que a terra lhe fosse leve ao te engolir. Dias, em suma, que a bruxa está a solta; que os demônios estão atrás de você; dias que você virou a diversão pessoal de uma entidade qualquer.

Sim, bem sabemos que, supostamente, estes dias não acontecem todos os dias, por mais pleonástica que possa ser tal afirmação. E que temos que aturá-los com a melhor de nossa paciência, para que continuemos vivos. Assim o é. Mas, por vezes, embarcamos em uma sequência de dias ruins, dias ingratos, dias opressivos e cruéis, em que as horas se arrastam de tal forma que de fato, parece até brincadeira de mal gosto. E por vezes, logo ao levantar, você tem a nítida certeza que o dia de ontem ainda não acabou, sendo que este foi a extensão terrível de outra sequência de outros dias terríveis.

Aí, estranham quando você reage mal ao cumprimento mais trivial de todos: BOM DIA.

Bom dia de cu é rola, dá vontade de dizer por vezes. Ou dar um soco na boca do dizente. Mas, para não ser defenestrado pelas pessoas de bem ou ser tachado de incorrigível mau-humorado, pessoa esta que merece ser atirada às masmorras levantadas por nossos bem-humorados regentes, temos que sorrir hipocritamente e rebater: Bom dia.

Nada impede que em nossa mente matemos tal pessoa, ou brinquemos de dentista amador com tal cobaia. Algo do gênero, por assim dizer.

Havia um ex-colega meu na remota época que os sonhos de ser um eminente biólogo ainda existiam, que não hesitava em responder, "MAU dia" a todos os "Bom dias" que lhe apareciam, se lhe apetecesse. Evidentemente, tal pessoa teve que abandonar seu curioso hábito para que não fosse queimado em praça pública. No final das contas, parece-me que todos têm de se resignar perante à nossa EXTREMAMENTE autêntica ZOOciedade, e fingir, fazer de conta que tudo está bem, que tudo vai melhorar, que temos que ter fé.

Fé é o caralho.

Sim. A bruxa anda à solta por meus lados, e por mais que me acusem de ser isto e aquilo, que eu deveria erguer os braços para o céu e promover ação de graças, afirmo que isto é uma autêntica perca de tempo. Deixem-me ir para o diabo sozinho, como disse anteriormente. Ou apenas aguardem que a vida me jogue um osso, como já o disseram:

"When I'm a good dog
they sometimes throw me a bone in."

--Pink Floyd, Nobody home.

Sim, celebremos os maus dias, já que têm de ser parte da vida. Que venham os ditos populares de vão remédio para tais aflições, "Há que se conhecer a escuridão para se discernir a luz", "Dias melhores virão", "Tudo vai melhorar", "Depois da tempestade vem a bonança", etc etc e tal.

Acho que tais eufemismos poderiam constar na famosa listagem, "Top 10 maiores mentiras já contadas". Não tenho em mãos a listagem definitiva, por assim dizer, e lamento. Mas algumas delas incluem, "Dinheiro não traz felicidade", "Só vou pôr a cabecinha", "Brasil, um país de todos" e por aí vai.


Sim, o dia está mal, começou mal e irá terminar mal.


Bom dia.

"I've got wild staring eyes.
And I've got a strong urge to fly.
But I got nowhere to fly to.
Ooooh, Babe when I pick up the phone
There's still nobody home."

--Idem, ibidem.