Pedro olhou para o tosco relógio de pulso. Dez e meia, manhã de terça, dia importante para o país, para a supremacia daquele povo na coisa que era o maior sonho de todos eles, os operários. Era dia de seu país participar da competição mundial, coisa que somente acontecia de tempos em tempos, e que Pedro nem bem se lembrava ao certo qual era este intervalo, tamanha era sua excitação para tal evento.
Na trefilaria, o clima de animação era geral. Todos os operários trajavam, de certa forma, as cores do país por cima dos uniformes. Mesmo que o capataz deitasse-lhes olhares tortos, eles nem se importavam, pois sabiam que Aquiles também era patriota sazonal, assim como eles. No ano em que tal competição acontecia, todos eles amavam seu país com todos seus corações; esqueciam-se dos seus barracos, da falta de dinheiro, das mulheres que lhes gritavam por estarem gastando muito dinheiro com cachaça e aguardentes, modernos ópios legalizados pela legislação vigente. Enquanto isto, elas mesmas se escondiam em suas televisões, em suas novelas. Iam para a missa. Pagavam o dízimo ao pastor. O dinheiro que lhes fará falta garantirá a salvação.
Pedro nem sequer pensava em nada disso, apressava-se em terminar aquele serviço que tanto detestava, para depois fazer hora, fumar um cigarro, e aguardar o meio dia, hora em que o embate seria levado ao vivo e a cabo. Fazia força na alavanca, a fim que esta se movimentasse mais rapidamente para soltar aquele fio-máquina ainda incandescente do monstruoso maquinismo que processava aquela lava, aquele metal derretido. Lá fora fazia frio, mas ali dentro era sempre o inferno. Pedro puxava e empurrava aquela haste de ferro com fúria. Olhou novamente para o relógio do paraguai: onze e quinze.
Estava se aproximando a hora. Ele não desejava mais nada no mundo, não queria saber de sua mulher nem de suas "cachorras", não queria saber de seus filhos, aqueles catarrentos. Não queria saber de nada que não fosse a cerveja, o cigarrinho e o espetáculo televisivo mostrando a disputa pela supremacia mundial de tal esporte. Estava muito perto agora. Os companheiros já haviam preparado tudo na sala a eles reservada para a exibição do jogo: isopores com gelo e latinhas de suco de cevada, aos montes la jaziam. A empresa não os liberaria para sair mais cedo, mas ele não se importava. Não naquela hora. Ele sorriu. Perto, muito perto.
De repente, a alavanca travou enquanto ele a puxava, e sentiu um rumor, um tremor percorrendo toda a gigantesca máquina. Quase teve um surto de raiva. Aquilo precisava acontecer justamente agora? Bem agora? Como assim! Tentou forçar a barra com a alavanca, para a frente e para trás, mas ela não se movia. Ele disparou a xingar, gritando impropérios a plenos pulmões. Aquiles ouviu tudo aquilo e lá foi recriminar o funcionário rebelde.
Mas Pedro, olhando novamente para o relógio e muito se exasperando, por saber que teria que resolver tal emperro antes da partida começar, e se dirigiu para a base da máquina. Pôs-se a golpear com as mãos o rebelde maquinismo, ignorando completamente os apelos de Aquiles; ele sabia que estava violando o protocolo de segurança, mas nem se importava, ele só queria saber de ver o jogo; logo, teria que resolver aquilo mesmo que ameaçasse sua vida. O jogo, o jogo. Dez minutos! Ele tinha que correr, que agilizar. Bateu com mais força, com toda a força que seu corpo lhe permitia desferir contra aquela maldita coisa emperrada. Ele se abaixou para olhar de perto aquela coisa, ver se o tubo por onde saíam aqueles pedaços incandescentes não estava entupido, de certa forma.
Nisto, as vibrações causadas pelo impacto seco daquelas mãos calejadas surtiram efeito: um pedaço de rebarba de ferro derretido que havia secretamente se instalado entre algumas engrenagens e havia causado o enguiço, se soltou e a máquina voltou à vida de prontidão. Aquiles ainda gritou algo, mas não a tempo. Pedro nem sequer chegou a escutar direito. Ou assim lhe pareceu. O próximo fio-máquina que deveria ter saído há uns dez minutos atrás saiu de supetão das entranhas do maquinismo, e perfurou a cabeça de Pedro como se ela fosse uma mera sacola de plástico sendo trespassada por um arame esquentado no isqueiro por alguma criança que brinca com fogo. O jogo.
O jogo. Foi o último pensamento que se passou naquele corpo agora já sem vida. Aquiles berrava, pois a máquina ainda estava em funcionamento e arrastava o corpo à medida que o pedacinho de inferno saía de sua boca. Ninguém lhe deu ouvidos: já haviam todos corrido para a sala de televisão. Ele teve de correr até o painel de controle e tentar desativar a coisa sozinho, mas ele sabia que teria que operar também as malfadadas alavancas que momentos atrás Pedro praguejava contra. Horrorizado, viu que aquele fio incandescente havia queimado tanto a face daquele operário, e o atrito contra aquele crânio havia produzido o efeito de se passar uma faque quente na manteiga.
Pedro jazia na esteira que apanhava tais fragmentos, com a cara terrivelmente desfigurada, e o pedaço do inferno ainda queimava-lhe o copro em outros lugares. Aquiles berrava e berrava, mas ninguém escutava. Desesperado, saiu correndo em direção à sala onde o embate já corria solto.
Enquanto isso, outro fragmento daquele muito queimante material era despejado por cima daquele inerte corpo. O cheiro era horrendo: sabia àqueles torresmos chamuscados na hora, mas todos operários o saberiam, momentos mais tarde, quando reapareceram contrariadamente no palco dos horrores, para auxiliar Aquiles a resgatar aquele extinto funcionário. O cheiro de carne humana queimada empesteava o local, mesclando-se com o odor de todo aquele ferro em ponto de ebulição existente naqueles caldeirões.
Todos se horrorizaram, alguns sentiram náuseas, mas muito somente praguejaram. Maldito seja este imbecil, que nos privou de ver o jogo.
Na trefilaria, o clima de animação era geral. Todos os operários trajavam, de certa forma, as cores do país por cima dos uniformes. Mesmo que o capataz deitasse-lhes olhares tortos, eles nem se importavam, pois sabiam que Aquiles também era patriota sazonal, assim como eles. No ano em que tal competição acontecia, todos eles amavam seu país com todos seus corações; esqueciam-se dos seus barracos, da falta de dinheiro, das mulheres que lhes gritavam por estarem gastando muito dinheiro com cachaça e aguardentes, modernos ópios legalizados pela legislação vigente. Enquanto isto, elas mesmas se escondiam em suas televisões, em suas novelas. Iam para a missa. Pagavam o dízimo ao pastor. O dinheiro que lhes fará falta garantirá a salvação.
Pedro nem sequer pensava em nada disso, apressava-se em terminar aquele serviço que tanto detestava, para depois fazer hora, fumar um cigarro, e aguardar o meio dia, hora em que o embate seria levado ao vivo e a cabo. Fazia força na alavanca, a fim que esta se movimentasse mais rapidamente para soltar aquele fio-máquina ainda incandescente do monstruoso maquinismo que processava aquela lava, aquele metal derretido. Lá fora fazia frio, mas ali dentro era sempre o inferno. Pedro puxava e empurrava aquela haste de ferro com fúria. Olhou novamente para o relógio do paraguai: onze e quinze.
Estava se aproximando a hora. Ele não desejava mais nada no mundo, não queria saber de sua mulher nem de suas "cachorras", não queria saber de seus filhos, aqueles catarrentos. Não queria saber de nada que não fosse a cerveja, o cigarrinho e o espetáculo televisivo mostrando a disputa pela supremacia mundial de tal esporte. Estava muito perto agora. Os companheiros já haviam preparado tudo na sala a eles reservada para a exibição do jogo: isopores com gelo e latinhas de suco de cevada, aos montes la jaziam. A empresa não os liberaria para sair mais cedo, mas ele não se importava. Não naquela hora. Ele sorriu. Perto, muito perto.
De repente, a alavanca travou enquanto ele a puxava, e sentiu um rumor, um tremor percorrendo toda a gigantesca máquina. Quase teve um surto de raiva. Aquilo precisava acontecer justamente agora? Bem agora? Como assim! Tentou forçar a barra com a alavanca, para a frente e para trás, mas ela não se movia. Ele disparou a xingar, gritando impropérios a plenos pulmões. Aquiles ouviu tudo aquilo e lá foi recriminar o funcionário rebelde.
Mas Pedro, olhando novamente para o relógio e muito se exasperando, por saber que teria que resolver tal emperro antes da partida começar, e se dirigiu para a base da máquina. Pôs-se a golpear com as mãos o rebelde maquinismo, ignorando completamente os apelos de Aquiles; ele sabia que estava violando o protocolo de segurança, mas nem se importava, ele só queria saber de ver o jogo; logo, teria que resolver aquilo mesmo que ameaçasse sua vida. O jogo, o jogo. Dez minutos! Ele tinha que correr, que agilizar. Bateu com mais força, com toda a força que seu corpo lhe permitia desferir contra aquela maldita coisa emperrada. Ele se abaixou para olhar de perto aquela coisa, ver se o tubo por onde saíam aqueles pedaços incandescentes não estava entupido, de certa forma.
Nisto, as vibrações causadas pelo impacto seco daquelas mãos calejadas surtiram efeito: um pedaço de rebarba de ferro derretido que havia secretamente se instalado entre algumas engrenagens e havia causado o enguiço, se soltou e a máquina voltou à vida de prontidão. Aquiles ainda gritou algo, mas não a tempo. Pedro nem sequer chegou a escutar direito. Ou assim lhe pareceu. O próximo fio-máquina que deveria ter saído há uns dez minutos atrás saiu de supetão das entranhas do maquinismo, e perfurou a cabeça de Pedro como se ela fosse uma mera sacola de plástico sendo trespassada por um arame esquentado no isqueiro por alguma criança que brinca com fogo. O jogo.
O jogo. Foi o último pensamento que se passou naquele corpo agora já sem vida. Aquiles berrava, pois a máquina ainda estava em funcionamento e arrastava o corpo à medida que o pedacinho de inferno saía de sua boca. Ninguém lhe deu ouvidos: já haviam todos corrido para a sala de televisão. Ele teve de correr até o painel de controle e tentar desativar a coisa sozinho, mas ele sabia que teria que operar também as malfadadas alavancas que momentos atrás Pedro praguejava contra. Horrorizado, viu que aquele fio incandescente havia queimado tanto a face daquele operário, e o atrito contra aquele crânio havia produzido o efeito de se passar uma faque quente na manteiga.
Pedro jazia na esteira que apanhava tais fragmentos, com a cara terrivelmente desfigurada, e o pedaço do inferno ainda queimava-lhe o copro em outros lugares. Aquiles berrava e berrava, mas ninguém escutava. Desesperado, saiu correndo em direção à sala onde o embate já corria solto.
Enquanto isso, outro fragmento daquele muito queimante material era despejado por cima daquele inerte corpo. O cheiro era horrendo: sabia àqueles torresmos chamuscados na hora, mas todos operários o saberiam, momentos mais tarde, quando reapareceram contrariadamente no palco dos horrores, para auxiliar Aquiles a resgatar aquele extinto funcionário. O cheiro de carne humana queimada empesteava o local, mesclando-se com o odor de todo aquele ferro em ponto de ebulição existente naqueles caldeirões.
Todos se horrorizaram, alguns sentiram náuseas, mas muito somente praguejaram. Maldito seja este imbecil, que nos privou de ver o jogo.