segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Conversa interna.

-Chove lá fora. Céu abaixo.
-Bem sei disso.
-E não vais ficar zangado com isso?
-Não. Há mais com o que me preocupar.
-Ah, esse lance de ser promovido sem esperar, não é mesmo?
-Isso e mais outras coisas. A chuva é a menor de minhas preocupações no momento.
-Cronópio cronópio?
-Cronópio cronópio.
-Eu sabia que gostarias de ler tal obra novamente.
-Eu sei. Gostaria também que a vida fosse apenas um tijolo de cristal, tal qual é no livro.
-No fundo, sempre é.
-Não. Lá no fundo, está a morte. Mas não tenho medo. Sempre chegamos antes, e já não nos importa.
-Assim é a vida.
-Ou a morte, né.
-É.
-E agora, o vais fazer?
-Assumir o cargo, evidentemente.
-E vais dar conta?
-Tenho que dar. Agora sou só eu tomando conta dali.
-Pesado.
-Deveras. Pavio longo.
-Pavio longo. Há que se desenvolver tal faculdade.
-Sem férias?
-Sem férias. Me sinto tão adulto.
-E é uma merda né.
-Bastante. Não foi essa a vida que quis.
-Ah, ninguém recebe aquela que pediu.
-Bem sei.
-E abandonarás o resto?
-Em verdade, já havia abandonado, seis anos atrás. Somente me dei conta disto agora.
-Eu sabia, mas não te disse.
-Eu sei. És um filho da puta.
-Você que é um tonto. Estava na sua cara.
-Na nossa cara, mané. É tanto meu quanto seu.
-Eu sei, mas não me importo. Não existo, a não ser aí dentro.
-Mesmo assim, faz parte de mim.
-Eu sei, maldito. Sou uma voz na sua cabeça, e você, na minha.
-Filho da puta.
-Ha, ha. Não darás conta.
-Vá lá pro fundo com o resto da gentalha, mané.
-Claro, por hora. Nos veremos de novo, em breve.
-Bem sei disso.
-Ainda bem que sabes. O que não sabes...
-...é , eu sei o que é. Foda-se. Suma daqui.
-Até daqui a pouco, seu inútil.
-Até.