Sim. Atrasado estou, bem o sei. Sou um homem de costumes, e se tais rituais são interrompidos, isto aflige-me deveras. No entanto, a vida raramente é planejável, e mesmo que isso me deixe contrariado, como se diz, não vale a pena dar murro em ponta de faca.
Enfim, tardo mas não falho, aqui está o relato devido.
O motivo de meu atraso em esta obrigação - a única obrigação que considero mandatória em meu dia a dia neste local vil e capitalista - é que, conforme planejado e mencionado anteriormente, tive de comparecer à um hospital para que me submeter a um exame de ressônancia magnética em meu ombro que a idade resolveu estragar. Nada de muito incomum, nem particularmente extraordinário nisto, de fato. E a única consequência concreta foi que atrasei-me aqui.
Entretanto, achei curioso como que, por vezes, coisas simples, coisas banais, que sempre ali estiveram, nos levam a ver as coisas de uma maneira diferente. Explico melhor: como o dito exame ocorreu nas vicinidades desta senzala moderna, porém um pouco além de até onde costumo andar para aqui chegar, tomei uma direção completamente diferente da que faço todos os dias; cheguei na Pça. da Assembléia, mais ou menos as 7:30 da manhã, e surpreendi-me ao verificar o quão aprazível é aquela praça naquele horário; embora seja a sede de um recinto onde a roubalheira corre solta, a localização física em si de tal praça me fez saborear a manhã de uma forma completamente diferente da experimentada por mim todas as manhãs. Nada de coisas cretinas feito florzinhas, criaturas ululantes e quejandos; concentrei-me mais na visão do playground até o momento vazio devido ao horário, visão que me fez retornar brevemente a meu passado, esse longínquo desconhecido por todos, a não ser eu mesmo. Boas lembranças de passadas épocas, onde os sonhos e esperanças abundavam, as responsabilidades quase não existiam e a vida era farta e boa.
A praça em si, que fiz questão de contornar devido ao fato de estar um bocado antecipado para o compromisso em si, fez-me bem. O ar da manhã não era opressivo, a maioria dos gnus engravatados que por ali circulam nas horas mais quentes do dia; prosseguindo, diriji-me para a Avenida Barbacena, repleta de magníficos exemplares destas belas árvores que são os pau-ferros; poucas avenidas desta cidade são tão belamente arborizadas como esta. Surpreendi-me também com a visão de dois prédios que meus olhos "viram" pela primeira vez, uma vez que nunca havia de fato parado para prestar atenção naquelas construções, apesar de por ali já ter estado anteriormente. Um deles era um imponente edifício residencial, que sinceramente me deixou impressionado. Acho que é um dos maiores desta Capital da Roça; fiqui imaginando como deve ser caro morar ali, a julgar pelo tamanho do bicho, pela portaria repleta de aparatos de segurança e pela imensa área de recreação que o circundava.
Entretanto, pensei eu, não trocaria um apartamento daqueles por meu "decrépito" sótão em minha casa, nunca. Nunca.
Mais adiante, o imponente prédio da Cemig me chamou a atenção também, por ser um solitário espigão construído de forma que considero um tanto audaz para um prédio daquele tamanho: o fato da base ser menor que o topo, como se fosse um imenso cogumelo de concreto e vidro. Imaginativos e audazes são os arquitetos de tais obras, e infelizes são os mestres de obras que devem conduzir os práticos porém não muito brilhantes peões para que a coisa pule para fora do papel para o mundo concreto.
Mais adiante, descobri que tal exame seria realizado muito além da distância por mim cogitada mentalmente; mas o ar da manhã ainda não estava viciosamente poluído devido ao horário, e a manhã de maio era bastante agradável, nem muito quente, nem muito fria, como costuma ser de fato nesta época do ano, em que o verão está praticamente morto mas o inverno não mostrou toda sua força. Caminhemos, então.
O exame foi feito em um hospital, locais estes que costumo ter calafrios ao ser obrigado a adentrar. Eis que considero tais instalações carregadas pelo prelúdio da morte que nos espreita em todos os lados, claro; mas tal sensação é aparentemente mais forte nestes locais. Senti-me aflito principalmente após ser informado que talvez o procedimento fosse gerar "calor" por cima da área tatuada de meu braço, ou seja, ele quase todo. Me deram uma campainha para soar caso a coisa ficasse preta.
Além disso, o exame em si seria realizado em uma máquina que não inspirou nenhuma confiança: um gigantesco tubo onde meu corpo inteiro seria introduzido, para ser bombardeado por ondas mágnéticas poderosas. Sempre associei tal equipamento a exames que descobrem coisas que ninguém gosta de descobrir, fatalidades decorrentes do desgaste realizado pelo fato aberrante de sermos seres que vivem muito mais do que viveríamos caso não conseguíssemos dobrar a seleção natural, que rege a natureza toda com exceção de nossa espécie e das espécies por nós protegidas, seres igualmente abjetos, feito os poodles, chihuauas e afins...
Enfim, após passar quase 30 minutos dentro do desconfortável aparato, fui liberado, sem ter que repetir o exame, pois consegui levar a cabo a dura tarefa de permanecer absolutamente parado durante todo o procedimento; caso tivesse me movido, teria que repetir tudo novamente em outra ocasião. E permanecer parado dentro daquele lugar foi-me díficil: tinha ganas de sair correndo dali, daquela "caverna" digna de um filme de ficção científica, rodeado de barulhos estranhos que lembravam ora metralhadoras ora canhões de laser a la Star Wars.
Saí dali aliviado e agora somente resta-me esperar pelo resultado, que sairá na segunda feira próxima. Até la, nada mais posso fazer além de torcer para que realmente não seja necessário que privem-me da integridade de minha obra de arte favorita, residente em meu ombro afetado por sejá lá o que for - após ter sobrevivido sem esquentar durante todo o processo da ressônancia em si, seria péssimo ter que me resignar com o fato que bisturis iriam fazer o pior estrago possível naquela região.
Esperemos que não.
Enfim, tardo mas não falho, aqui está o relato devido.
O motivo de meu atraso em esta obrigação - a única obrigação que considero mandatória em meu dia a dia neste local vil e capitalista - é que, conforme planejado e mencionado anteriormente, tive de comparecer à um hospital para que me submeter a um exame de ressônancia magnética em meu ombro que a idade resolveu estragar. Nada de muito incomum, nem particularmente extraordinário nisto, de fato. E a única consequência concreta foi que atrasei-me aqui.
Entretanto, achei curioso como que, por vezes, coisas simples, coisas banais, que sempre ali estiveram, nos levam a ver as coisas de uma maneira diferente. Explico melhor: como o dito exame ocorreu nas vicinidades desta senzala moderna, porém um pouco além de até onde costumo andar para aqui chegar, tomei uma direção completamente diferente da que faço todos os dias; cheguei na Pça. da Assembléia, mais ou menos as 7:30 da manhã, e surpreendi-me ao verificar o quão aprazível é aquela praça naquele horário; embora seja a sede de um recinto onde a roubalheira corre solta, a localização física em si de tal praça me fez saborear a manhã de uma forma completamente diferente da experimentada por mim todas as manhãs. Nada de coisas cretinas feito florzinhas, criaturas ululantes e quejandos; concentrei-me mais na visão do playground até o momento vazio devido ao horário, visão que me fez retornar brevemente a meu passado, esse longínquo desconhecido por todos, a não ser eu mesmo. Boas lembranças de passadas épocas, onde os sonhos e esperanças abundavam, as responsabilidades quase não existiam e a vida era farta e boa.
A praça em si, que fiz questão de contornar devido ao fato de estar um bocado antecipado para o compromisso em si, fez-me bem. O ar da manhã não era opressivo, a maioria dos gnus engravatados que por ali circulam nas horas mais quentes do dia; prosseguindo, diriji-me para a Avenida Barbacena, repleta de magníficos exemplares destas belas árvores que são os pau-ferros; poucas avenidas desta cidade são tão belamente arborizadas como esta. Surpreendi-me também com a visão de dois prédios que meus olhos "viram" pela primeira vez, uma vez que nunca havia de fato parado para prestar atenção naquelas construções, apesar de por ali já ter estado anteriormente. Um deles era um imponente edifício residencial, que sinceramente me deixou impressionado. Acho que é um dos maiores desta Capital da Roça; fiqui imaginando como deve ser caro morar ali, a julgar pelo tamanho do bicho, pela portaria repleta de aparatos de segurança e pela imensa área de recreação que o circundava.
Entretanto, pensei eu, não trocaria um apartamento daqueles por meu "decrépito" sótão em minha casa, nunca. Nunca.
Mais adiante, o imponente prédio da Cemig me chamou a atenção também, por ser um solitário espigão construído de forma que considero um tanto audaz para um prédio daquele tamanho: o fato da base ser menor que o topo, como se fosse um imenso cogumelo de concreto e vidro. Imaginativos e audazes são os arquitetos de tais obras, e infelizes são os mestres de obras que devem conduzir os práticos porém não muito brilhantes peões para que a coisa pule para fora do papel para o mundo concreto.
Mais adiante, descobri que tal exame seria realizado muito além da distância por mim cogitada mentalmente; mas o ar da manhã ainda não estava viciosamente poluído devido ao horário, e a manhã de maio era bastante agradável, nem muito quente, nem muito fria, como costuma ser de fato nesta época do ano, em que o verão está praticamente morto mas o inverno não mostrou toda sua força. Caminhemos, então.
O exame foi feito em um hospital, locais estes que costumo ter calafrios ao ser obrigado a adentrar. Eis que considero tais instalações carregadas pelo prelúdio da morte que nos espreita em todos os lados, claro; mas tal sensação é aparentemente mais forte nestes locais. Senti-me aflito principalmente após ser informado que talvez o procedimento fosse gerar "calor" por cima da área tatuada de meu braço, ou seja, ele quase todo. Me deram uma campainha para soar caso a coisa ficasse preta.
Além disso, o exame em si seria realizado em uma máquina que não inspirou nenhuma confiança: um gigantesco tubo onde meu corpo inteiro seria introduzido, para ser bombardeado por ondas mágnéticas poderosas. Sempre associei tal equipamento a exames que descobrem coisas que ninguém gosta de descobrir, fatalidades decorrentes do desgaste realizado pelo fato aberrante de sermos seres que vivem muito mais do que viveríamos caso não conseguíssemos dobrar a seleção natural, que rege a natureza toda com exceção de nossa espécie e das espécies por nós protegidas, seres igualmente abjetos, feito os poodles, chihuauas e afins...
Enfim, após passar quase 30 minutos dentro do desconfortável aparato, fui liberado, sem ter que repetir o exame, pois consegui levar a cabo a dura tarefa de permanecer absolutamente parado durante todo o procedimento; caso tivesse me movido, teria que repetir tudo novamente em outra ocasião. E permanecer parado dentro daquele lugar foi-me díficil: tinha ganas de sair correndo dali, daquela "caverna" digna de um filme de ficção científica, rodeado de barulhos estranhos que lembravam ora metralhadoras ora canhões de laser a la Star Wars.
Saí dali aliviado e agora somente resta-me esperar pelo resultado, que sairá na segunda feira próxima. Até la, nada mais posso fazer além de torcer para que realmente não seja necessário que privem-me da integridade de minha obra de arte favorita, residente em meu ombro afetado por sejá lá o que for - após ter sobrevivido sem esquentar durante todo o processo da ressônancia em si, seria péssimo ter que me resignar com o fato que bisturis iriam fazer o pior estrago possível naquela região.
Esperemos que não.