segunda-feira, 4 de maio de 2009

O sofá.

Em frente ao supermercado havia um sofá. Assim, jogado na calçada. O que estava aquele sofá fazendo ali, mais uma pergunta cabal para o desenvolvimento deste dia, que acabava de se começar, propriamente dito. O que, por Mitra, aquele sofá estava a fazer ali? Prostrei-me caído por sobre o dito, a fim de desvendar seus mistérios. Talvez, minha pouca ou nenhuma vontade de tornar ao meu vínculo empregatício, vínculo este que me torna um ser capaz de comprar e existir enquanto um consumidor.

Enquanto aspirava o odor nauseabundo do sofá atirado ao lixo, em a calçada, começou a brotar em minha idéia uma outra idéia um tanto menos relativa ao sofá em si; talvez houvessem de fato bulgarianos na Bulgária; talvez fosse aquele o momento onde as cortinas despencariam do firmamento superior, vindo a cair velozmente por sobre a existência desprovida de alguma sorte de humanidade, tudo era como se fosse uma peça desfalcada, desgarrada de sua integridade, da figura maior enquanto coisa em si. Enquanto existência existencial existencialmente dita.

Ao meu redor, transeuntes transitavam, pequenas formigas em direção a seus respectivos formigueiros; em direção ao núcleo provedor de providências, de dinheiros, de poder aquisitivo.

Enquanto isso eu me deleitava ao saber que o sofá não era recoberto da mais pura seda italiana comprada no Paraguai. Talvez fosse por isso que aquele pedaço nada íntegro de mobiliário se encontrava ali na esquina, ali na rua, ali ao relento. Rolei e rolei por cima da coisa, procurando a resposta, ela haveria de ali estar, algo dentro de mim assim me dizia; procure, procure e encontrarás; beba Pepsi.

O céu se encontrava azul, diferentemente da decorrência de todo o feriado em si, de todo o feriado, de todo o tempo em que me encontrei em algum lugar que ali não estava; talvez o estivesse no sofá, como a voz insistia em me dizer.

As formigas me olhavam com curiosidade. O que estaria um ser economicamente ativo como eu a procurar nas entranhas de um sofá abandonado à sua própria sorte naquela esquina, daquele lugar, daquela cidade, defronte ao supermercado?

O sofá era desconfortável, mas oferecia um certo alento a mais que o duro asfalto recorrente de meus pensamentos, recorrente do pavimento que ali pavimentava a terra, o decorrer dos dias, o escorrer das horas. A evanescência - nao a "banda" - da vida continuava a escorrer.

Todos passavam se perguntando a mesma coisa, com +/- 5% de variações em um desvio-padrão padrão para a questão em si. Todos afirmavam que não era nada, não me diz respeito, não me importo.

O que era uma formiga a menos no formigueiro. Nada.

Mas o sofá, este sim representava o enigma, o paradigma, o dito a ser decifrado. Enquanto eu me tornava rapidamente o anátema de todas as formigas ao redor.

Onde estavam as respostas, quem estava certo ou errado, a quem pertencia a razão? Nunca saberemos, creio eu, pensando ao tentar analisar o padrão borrado da costura nada alta do sofá esquecido por alguém, que tinha se tornado o centro das atenções de meu dia, o sentido de minha existência, o motivo de piada de todos os seres ápteros que ali passavam.

E assim o foi, por ser, por haver de ser. Faz tudo parte do plano de alguém, por assim dizer.