Quando tudo mais falhar, tente o caos. Talvez faça mais sentido que a normalidade em si.
Lembrou-se bem do espanto que experimentou ao entrar naquela ante-sala. Sim, na verdade era um vestíbulo, mas o corredor que passou por ele falou que era parte de um todo. Pois todos não o eram? Ou não o são? São? Não saberia dizer ao certo. Sabia que seua olhos não o enganavam; havia uma celebração em andamento ali, mas não poderia dizer por qual motivo celebravam.
Enfim, celebrar é sempre mais divertido que se lamuriar por injúrias por todos esquecidas. Procurou se integrar às pessoas ali presentes. É verdade que esta integração nem sempre é possível, muito menos quando a música presente é extremamente desconfortável. Teve de ser obrigado a ver as pessoas sorrirem falsamente aos acordes bemóis sustenidos diminutos aumentados que o moderníssimo aparato sonoro exalava aos gritos. Enfim, a casa era grande: haveria de haver outro local de mais agradável localização em suas entranhas. Adiante, então.
Mais à frente, deparou-se com uma cena muito comum: um homem trajando um terno cáqui forçava uma moça a aceitar suas opiniões hediondas. Delicadamente, aproximou-se e defenestrou este, em uma nobre tentativa de receber as eternas graças daquela. Mas a vida é traiçoeira, e tal moça precipitou-se janela abaixo pois preferia alguém com mais confiança e menos bondade. Procurando conter-se, ele seguiu à frente de todos os bonzinhos ali ausentes, mas plenamente representados por seu eminentíssimo Rei.
Não obstante ter boa vontade, não encontrou alento em nenhum dos aposentos da casa em si. Praguejando mentalmente, perguntou-se o que é que estava fazendo ali. Imediatamente, todos se voltaram contra ele: era o chato da festa, uma vez que não conseguia se divertir como uma pessoa normal. Um agente da moral e dos bons costumes ofertou-lhe o mapa da saída mais próxima, e vendo sua hesitante hesitação, acrescentou à sua oferta a graça de que se ele agisse com velocidade, este não o privaria de seus joelhos. Como tais artigos não sao recauchutáveis, ele houve por bem - por mal - pôr-se dali para fora.
Cambaleou aturdido até o templo mais próximo(um bar), onde seu séquito o saudou efusivamente com olhares mortiços e sorrisos tristes. O REI havia chegado. Alguns de seus semelhantes entornavam por suas goelas um volume nada escasso de drogas legalizadas, fossem sejam elas alcoólicas ou nicotínicas. Pediu sua porção de anéstesico barato e pôs-se a praticar seu esporte preferido, o da elucubração e confecção dos mais diversos aforismos inúteis. Ao seu lado, um de seus compatriotas tentava juntar moedas para comprar a coragem necessária para o término auto-infligido de sua já escassa vitalidade. Outros tentavam lhe dar apoio, mas não encontravam palavras, uma vez que todas estavam afogadas na solução alcoólica previamente ingerida. Ele saiu arrastando seus pés em direção ao desconhecido, este conhecido dos seguidores da sua religião. Pórem, todos ali sabiam também que os seguidores de tal religião são excelentes covardes e/ou nutrem uma certa vã esperança que algum belo dia irão se resolver, ou que a vida irá se resolver, ambas tarefas inexequíveis aos fiéis. Logo, tinham a certeza de tornar a vê-lo ali outras vezes.
(Como nos dias de hoje - devido aos avanços da merdicina - a tuberculose não mais consegue mais agir como mecanismo de seleção natural para estas pragas da zoociedade moderna, há que se aguardar para que eles mesmos se exterminem, quer seja pelo abuso de coisas ou simplesmente pelo lento declínio. O único conforto é que não conseguem deixar descendentes; lentamente tal praga vai sendo erradicada, de uma forma ou de outra.)
Outro deles olhava fixamente para o copo vazio à sua frente e balbuciava: "a gente só valoriza as estrelas quando não consegue mais vê-las" Nada mais certo; nada mais poético; nada mais boçal. Sabia que não conseguiria encontrar ninguém ali que pensasse de forma diferente. Tampouco o desejava: saber que havia outros como ele ao redor era ao mesmo tempo reconfortante e inútil. Mesmo assim, deixou-se cair em um banquinho defronte ao balcão, seu trono.
Comprou pois, muito mais que seu volume prescrito da coisa etílica e pediu um canudo nicotínico, sendo atendido prontamente por um de seus súditos. Acendeu-o e deixou que ele o fumasse, enquanto esforçava-se cada vez mais para afogar em álcool as vozes inúteis em sua cabeça.
Enfim. Mais uma noite se passou, e nada mudou. Como sempre.
E eis que isto acabou fazendo sentido, ao menos para o autor.