quinta-feira, 31 de março de 2011

Leis.

(Voz de narrador de série enlatada estadunidense[americana é o caralho, seus pulhas estadunidenses]):


Previously on Noiado no Sótão:


Mas...por que...números, números...salários...binários...cobras e lagartos...falta disto...

Despertador. Logo agora! Logo no momento que comecei a entrar na terra dos sonhos!

Suspirar, resignar. Levantar. Quatro noites, é um novo recorde. Continue, continue.

(...)

Desci a escada e tropecei na lógica. Cambaleei, mas não pude agarrar-me ao corrimão da razão; logo, tomei aquele susto e levantei-me de supetão, novamente na cama. Mais um sonho! Mais uma hora perdida, mais uma noite sem dormir. Ora bolas.

Apanhei a capa, a espada, o bacamarte, os explosivos, a pia da cozinha, a nove milímetros e os remédios para fazer dormir, que achei mas não tinha. E avancei noite adentro, na calada das ruas, iluminadas por todas aquelas fantasmagóricas luzes amarelas dos postes, quantos postes, quantos insetos rondando. Algo de produtivo havia de ser feito naquelas insones e impropérias horas.

Inquisitivamente, indaguei sobre meu alvo. Algo precisava ser feito, de fato. Tarde era a hora que resolvi agir contra semelhante monstro, aquele que havia enunciado a lei do universo, a lei que governava não somente a minha, mas as vidas de todos os homens. Cruel preceito, de fato.

Tudo dava errado, entretanto. A fortaleza onde o tirano residia não era bem guardada, mas tudo que eu fazia para tentar ali adentrar-me sem sem detectado falhava, gatos vadios miando na rua, ratos por todas as partes, mulheres doidas a gritar, "flores para los muertos!" noite adentro, madrugada afora. No final, liguei o foda-se. Chutei a porta, mas ela não cedeu; como era que nos filmes aquilo sempre dava certo? De isopor, deviam ser as portas de Hollywood.

Logo apareceu na porta um senhor: era o próprio, meu alvo, aquele ser que devia ser eliminado. Engatilhei o revólver que trouxera na algibeira e apertei o cano contra sua têmpora esquerda. "Para dentro, cachorro. Acabarei com seu império nesta noite." Ele sorriu sarcasticamente, "Não, não acabarás." Mas aquiesceu, calmamente se dirigindo para dentro de sua modesta casa, sentando-se numa cadeira calmamente. "Sente-se," me disse.

"Prefiro ficar de pé." - "Ah, ficar de pé é bom mas pode causar varizes e até mesmo trombose." Lembrando-me repentinamente com quem estava lidando, me sentei. Ele sorriu. "Mas se a cadeira não for ergonômicamente correta, você pode ter sérios problemas na coluna." - "Maldito," repliquei. "você e sua maldita lei acabaram com minha vida! Com a vida de todos!"

Ele era puro sorriso. "Não, não acabei. Minha lei sempre existiu, desde que o mundo é mundo, desde que o universo começou, sabe-se lá como. O que fizeram foi simplesmente me atribuir a responsabilidade por algo que não é de minha alçada, nem da sua, nem de ninguém. Claro, algo tinha que dar errado e me fuder mais ainda a vida. É a lei."

Eu estava ficando impaciente. Tanto sono, tantas noites sem dormir, as noites, as palavras por ele proferidas, tudo, apenas uma cópia de uma cópia de uma cópia, xerox infinito e borrado do mundo real, se é que ele deveras existia àquela hora. "Não quero saber. Enunciastes tal lei, deves morrer. Morrerás, agora!" Apontei a espingarda para a cabeça de Edward, que nem sequer piscou.

"Não, não morrerei."

Clic. Merda! A arma falhou. Desembainhei o facão. "Não queria que chegasse a isso, mas se tiver de ser, será." Ele riu. "Não, não será." Raivosamente, brandi a machete com o intuito de decapitar meu oponente. A lâmina bateu no pescoço dele, mas fora ogrito de dor causado pelo impacto, nada mais aconteceu. "Merda, está cega!" Ele esfregou a mão na parte injuriada de seu pescoço, dizendo "Claro. Perdes seu tempo tentando me matar. Já disse, vai dar errado."

"SEU FILHO DA PUTA! Como é capaz que dê tudo errado??" - "Dando. Esta é a beleza da lei, da 'minha' lei, conforme dizem por aí. Se tentares jogar ácido em mim, garanto que de alguma fora o ácido que compraste, tão baratinho na loja de artefactos malignos de segunda mão, estará com a validade vencida e só tornara louras minhas já desbotadas madeixas. Vai. Dar. Errado."

Desanimado, e diante de tal irrefutável argumento, me dirigi cabisbaixo à porta. Entretanto, ao chegar na soleira, o rosto dele se transtornou e ele emitiu estranho grunhido, oriundo de alguma indefinida porémlancinante dor interna. "Argh. É o paradoxo da lei: se ela puder dar errado, dará."

Tombou morto ao chão. Fiquei alguns instantes ali, fitando seu inerte corpo. Eu havia vencido! Havia mesmo? É necessário experimentar. Mirei minha arma contra minha própria cabeça. Ela não estava funcionando, então nada daria errado, não é mesmo?

B-a-n-g.

Merda. Morri. Deu tudo errado.