Então, lá estava o Noiado a transitar, novamente, no coletivo azul-desgraça que por aqui existe, em esta imunda e irrequieta cidade esquecida de tudo e por todos, em especial por este mesmo ser que ali existia, sem quere deveras ali estar. Entravam mais e mais sombras no ônibus, cada qual com seu fator antipático atrelado. Uma trajava óculos dignos de zangões que por aí voam. Outra falava pelos cotovelos, suplantando mesmo o aparato cancelador sonoro que Noiado usava em seus ouvidos.
Desnecessário dizer, isto aumentou em vários pontos o desafeto que tal misantropo ser já sentia por todos ao redor. E o universo somente afirmava, "os incomodados que se retirem, que se mudem," e muito dele se ria.
Ou ao menos era assim que tal entortada mente pensava.
Bem. Fazer o que. Apesar de toda sua desavença com o universo, bem sabia ele que era inútil reclamar, e dali se retirar era impossível, uma vez que o coletivo era pilotado por agente psicopata do trânsito, chegando a 120 km/h em uma descida. Não queria saber de suícidios, ao menos ainda não era chegado o derradeiro momento em que sua paciência e fé na vida se esvairia de vez, e tal ação extrema já não soaria tão absurda. Ainda não.
Entretanto, mais e mais sombras, barulhentos vultos continuavam a entrar no transporte, não tinham forma, apenas volume, tanto no sentido de ocuparem espaço e eventualmente bloquearem o caminho, mas também tinham alta amplitude sonora. E o aparato pregado aos ouvidos do Noiado era ineficaz para abafar toda aquela ruidosa existência.
De repente, uma das sombras, passando por ele, esbarrou no fio que transportava seu calmante musical do aparato musical aos problemáticos ouvidos do Noiado, arrancando o fone da cavidade auricular deste, e de quebra arrancando as "tripas" do fone para fora.
"Nó véi. Mal aí."
Não souberam dizer ao certo o que sucedeu nas doze horas depois deste incidente. As autoridades ficaram perplexas diante de tanta destruição. Tudo que sabiam dizer é que às sete e vinte e sete da manhã daquela sexta feira, dezoito de Março de 2011, uma hecatombe se abateu por toda a cidade. Um ônibus foi totalmente destruído, amassado, esmigalhado atá a última molécula, nos primeiros minutos do desenrolar da tragédia. Depois, uma estranha criatura, que urrava pelas ruas, tomou dimensões dantescas e saiu pela cidade, promovendo destruição gratuita em tudo que encontrava pelo caminho.
Estranho foi o fato que o primeiro alvo da aberração foi a "faculdade" FUMAC, digo, FUBEQUE, digo FUMEC, que foi completamente assolada, patricinhas e boys e emos e tudo mais. Depois, a criatura se dirigiu ao campus da UFMG, onde arrancou do solo o prédio das "belas artes" e arremessou-o ao espaço sideral, com todos os artistas flácidos e plácidos que lá existiam, e todas aquelas "obras" de arte de gosto discutível foram destruídas. Oh! Desgraça para todos os imbecilóides intelectualóides que das "artes conceituais" tanto gostavam.
Certo prédio que ficava quase na esquina do cruzamento com as Avenidas Álvares Cabral e Olegário Maciel foi também aniquilado da existência, obliterado atá a mais fundamentla partícula sub-atômica que o compunha. O "Templo Maior" da Igreja Universal dos ladrões...digo, do reino da picaretag...er, deus foi a próxima vítima. Não sobrou sequer uma daquelas colunas de caríssimo mármore daquele religioso motel que ali existia sem sequer pagar alguma sorte de imposto ao governo, apesar da extorsão diária dos lobos...er, pastores por sobre os burros...er, fiéis, que pagavam "religiosamente" o dízimo. Imposto sobre burrice, de fato, mas mesmo assim. A venda de indulgências era algo que a criatura não tolerava, nem da parte dos ditos protestantes nem da parte dos agentes da maior religião do planeta. Desnecessário dizer, que os demais templos das outras formas de escravidão espiritual também sofreram duras penas no trajeto destrutivo da criatura.
Os órgãos governamentais foram os próximos. O DETRAN, por exemplo, e todos seus ladrões, er, digo, agentes, foram estraçãlhados. Mesmo os policiais servis que transitavam pela cidade, com o intuito de verificar quem era o agente que mais multas distribuía para a população em geral. Estranha competição olímpica esta, mas que teve súbita e fatal interrupção, devido ao esmagamento repentino de tais agentes do KAOS que circulavam pela cidade.
E tantas outras coisa foram destruídas, esfareladas. Tantas e tantas vítimas da raiva mordaz que habitava naquele aparentemente pacato ser que apenas queria chegar a sua moderna senzala, que só queria cumprir as dez horas obrigatórias de fingimento, para depois a alforria virtual acontecer.
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Horas mais tarde, foi encontrado um corpo desacordado e desprovido de vida nas imediações de Ravena. Ninguém soube dizer como tal gringo foi ali parar. Trajava imundas vestes, e de seu ouvido pendia um fone de ouvido destruído. Aparentemente, morreu de causas auto- inflingidas, apesar de não existirem marcas de balas ou quaisquer outros ferimentos, causados por mortiféros projetéis e/ou agentes afiados. A cidade sequer se deu conta do fato: foi uma nota de rodapé no jornaleco Super - e de similares - do dia seguinte. Aparentemente, o indivíduo teria surtado dentro de um coletivo e saído gritando pela cidade, impropérios dirigidos a seu emprego, às religiões reinantes, a certos órgãos governamentais, como aquele que "gerenciava" o trânsito, e uma certa empresa inexistente denominada Funchato Ltadíssima.
Enquanto isso, a cidade prosseguiu normalmente seu dia naquela sexta feira. Pastores pregararm, oraram e extorquiram, agentes do trânsito multaram e extorquiram, "estudantes" da FUMERD, digo FUMEC, ocuparam até o teto todos os ônibus errados para irem consumir certos agentes entorpecentes e azararem uns aos outros em ambiente "escolar superior" por ali, e tudo mais seguiu da forma que deveria ter seguido.
E num buraco qualquer, o Noiado foi posto para apodrecer. E assim foi.