quinta-feira, 7 de outubro de 2010

C-4.

Diante de tal onírica planta, ele finalmente sentiu. A paz que almejava fazia tanto tempo. Tantas perguntas, nenhuma resposta. Lembrou-se de tudo que havia acontecido desde que havia saído daquele casulo criogênico, em um espaço de tempo indefinido, mas que agora, mais que nunca, lhe parecia estar dele distanciado por uma eternidade.

Tempo se esticando em todas as direções, era o que parecia sentir, diante da alvura daquela árvore, apesar de tudo ao seu redor ter se apagado desde que ela brotara daquele infértil chão, naquela estéril cidade esquecida pelo tempo e pelos acontecimentos.

Estava agora a um braço de distância do tronco, e hesitava. Tinha a nítida certeza que assim que tocasse naquela casca, tudo faria sentido, out tudo acabaria. Não sabia por que tal instintiva certeza imperava em sua mente, que ainda tentava debalde fazer formulações, procurar uma explicação, uma razão.

O que era razão diante dela?

Inspirou um grande volume de um ara agora inexistente, e estendeu o braço, mantendo os olhos bem abertos. Acontecesse o que tinha que acontecer. Era isso que tinha de fazer. O que precisava acontecer.

Sentiu a textura do tronco, a asperez da casca, na ponta de seus dedos, à palma da mão. Era somente isto? Seus olhos perscrutaram a escuridão ao redor. Nenhum sinal de vida, nenhum sino da redenção, nenhum túnel com alguma luz. Nenhum som.

Alguns momentos se passaram, mas lhe pareceram uma eternidade. Sentiu um princípio de desespero aflorar novamente em sua alma, e fechou os olhos. O que viria agora? Era assim que tudo acabava?

O braço cuja mão tocava o alvo tronco perdeu um pouco da força e deixou com que os artelhos roçassem levemente a casca...descendo alguns centímetros para baixo.

Sentiu algo ao fazê-lo. Um tremor, uma eletricidade, algo indefinido. Abriu novamente os olhos. E soube.

Estendeu o outro braço, mandando às favas todo o medo, toda a hesitação que nele ainda existia. Abraçou a árvore, como se sua vida dependesse disso. Como se ela fosse...

Lenora.

Como se ela ainda estivesse viva. Como se aquela tarde em que se conheceram fosse agora...Naquela reunião dita subversiva. Toda a ideologia contra o regime, toda afilosofia, todo aquele papo, tudo havia lhe fugido aos sentidos assim que seus olhares se cruzaram naquele apertado salão clandestino.

Lenora. Se lembrava agora.

Tudo lhe voltou à mente, memórias. Verdadeiras recordações, que apagaram todas as outras mentiras que havia sentido desde que tinha sido capturado, desde aquela noite em que o tal movimento antagônico ao hediondo governo tinha sido esmagado. Uma torrente de sensações invadiu-lhe todos os sentidos, dores, gritos, aflições.

Ele apertou os braços em torno da árvore. Não, não. Eles tinham matado sua Lenora, em frente a seus olhos. E o arrastaram aos trambolhões dali, muitos braços segurando os seus. Não. Quanta dor, quanto sofrimento. Sua alma estava novamente sendo rasgada. De novo não.

Queria chorar, gritar, mas só conseguia apertar ainda mais seu abraço. Não. Não.

Mas, suas memórias de repente começaram a circular em outra direção, para longe daqueles momentos tão horrendos. Sentiu que sua readquirida memória voltava-se para algns outros momentos. Os olhos dela. Aquelas frases desconexas emitidas quando tentou com ela conversar, falhando miseravelmente em fazer algum sentido ou transmitir alguma sensação de segurança.

Suas risadas...todos aqueles detalhes que nos parecem tão triviais e que tanto pesam, tanto importam quando nos lembramos deles. Especialmente em seu caso.

Aquela tarde, uma das últimas que tiveram juntos antes de tudo ter ido para o inferno, em que caminhavam juntos num parque vandalizado por outro grupo dito terrorista. Haviam jogado tinta branca por todos os lados...inclusive em uma árvore. Em seus olhos, aquele ato de vandalismo vegetal tinha lhe parecido tão...poético, tão bonito aos olhos, por mais estranho que parecesse.

E ela também enxergara a poesia no meio do caos.

Todos os momentos juntos dela, tudo importava. Para o bem ou para o mal, em efusões de alegria ou impaciência, de dor ou amor, de prazer, de tristeza. Tudo que importava. Sentiu a paz novamente em sua alma, agora que conseguia focar no que realmente importava. Lenora, Lenora. Nunca mais lhe esqueceria.

Neste momento, sentiu que seus braços, seu corpo, não mais abraçavam uma árvore, mas algo mais delgado, macio ao toque. E sentiu um suspiro. Braços que também lhe enlaçavam o corpo. Aquele toque familiar. Aquele calor tão confortante.

Não precisou abrir os olhos.

Sentiu tudo de bom novamente. Tudo que lhe havia sido negado, roubado, pervertido em sua mente. Podia simplesmente focar no que lhe importava, no que sempre fizera sentido. Nada mais.

E o tempo se estendia em todas as direções, mas focado apenas nestas sensações.

Para sempre e sempre.