sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Por uma vida menos ordinária, parte dois.

Do planeta diário de Marcos Burian, data "estrelar" de 14 de algum mês de 200X:

(...)Continuei andando por aquela imunda avenida, em direção ao vil covil de Fernandus, o cara, portando minha oferenda e tentando manter o passo. Era difícil caminhar no meio daquela nuvem de poluição em que me embrenhava. Contagem não é um local dos mais agradavés tampouco salutar para uma pessoa normal se aventurar ali a pé. E eu ia seguindo e xingando em silêncio, almaldiçoando o fato de que tinha que tentar travar contato com alguém que estava tão longe.

Tentei aplicar aqui outro ensinamento da sabedoria popular das pessoas ditas normais e tentar ver o lado positivo das coisas: "ao menos não está chovendo, né", disse a mim mesmo. No mesmo instante, senti a primeira gota de água. Depois outra. E outra. E uma porção ao mesmo tempo.

Como estava num cu do mundo, não haviam muitos locais onde me abrigar. Eu estava literalmente num mato sem cachorro, pois por tentar seguir os conselhos de outrem, havia deixado de portar comigo algum guarda chuva. Infeliz acontecimento. E como estava andando ao lado de uma via de circulação rápida de veículos automotores, não demorou muito tempo até que algum motorista mais sacana acelerasse ao passar por uma poça d'água e me encharcasse por completo. Eu xinguei e xinguei, berrei a plenos pulmões em protesto, mas de nada adiantaria - água não tem ouvidos, o céu não tem ouvidos.

Um pouco mais adiante, consegui encontrar um tosco abrigo de ônibus, devidamente depredado pela população de retardados mentais a quem a coisa tinha sido construída em primeiro lugar. Doces incongruências da vida. Fiquei ali no aguardo do encerramento da inusitada precipitação pluviométrica em pleno mês de seca.

Foi aí que me lembrei. As oferendas! Ao vasculhar meu alforge, eu instintivamente já sabia o que iria encontrar: uma sopa de sanduíches. Novamente urrei de frustração, pois sabia que Fernandus era um daqueles "homens modernos"; cheio de caprichos, cheio de firulas, plumas e paetês, que apreciava a companhia de bizarros seres que alguém teve a infeliz idéia de classificar erroneamente como cães - e não experiências incorretas e infelizes de algum laboratório nazista por aí, e que não aceitaria sopa de pão com linguiça como oferta para se obter nenhuma sorte de amuleto mágico.

Na mesma hora que verifiquei o estrago, o céu se abriu e o sol raiou. Nesta hora, me lembrei de Max e nossa teorização acerca do Sarcasticus Celestius, a entidade superior que devia se divertir horrores ao assistir as desavenças de neurados seres humanos feito nós. Desconsolado, mas já sem forças para ter algum acesso de raiva inútil, pus-me em marcha em sentido contrário ao que estava indo.

O que fazer agora? Estava eu feito um cachorro molhado no meio do nada e sem nenhuma perspectiva de melhora; eu havia abandonado meu emprego; eu estava na merda. Enfim.

Conforme diria um outro companheiro meu - Eduardo, o Psico - eu ia tentando ligar o FÔDAS. Para aquele meu companheiro, o segredo da vida se resumia a duas palavras: "Não esquenta." Eu tentava e tentava, mas parecia não adiantar. Desprovido de oferendas, encharcado até os osteoblastos, sem transporte, sem dinheiro, sem sexo. Eu estava na merda e por mais que tentasse me convencer do contrário, Sacarsticus Celestius iria se apressar em me contrariar. Era minha batalha eterna e diária.

Enfim, sem um puto no bolso, eu tinha que tentar retornar a meu lar para tentar rearranjar meus planos de se obter o tal amuleto que me asseguraria o ingresso ao local que todo homem saiu de, um dia, e deseja retornar em idade mais avançada. Sem ser propriamente a coisa original, claro. Pois aí estaríamos falando de um Édipo qualquer. (Que comparação infeliz. Devo estar realmente ficando louco e doente para escrever tanta merda- N. do A.)

Por incrível que pareça, um carro se deteve ao acostamento e buzinou para mim. Desconfiado, aproximei-me e verifiquei para meu espanto e alívio que se tratava de outro companheiro velho de guerra, Hugo Justus, o adevogado das estrelas. Ele muito se riu de meu infeliz conto, e me ofertou uma carona, pois ele estava indo para o local de onde eu havia saído originalmente. Não, não aquele local que me referi ridiculamente no anterior parágrafo, mas o meu emprego, as sedes do império de Gengiva, o Antônio. Pois Hugo Justus era o mais novo escravo adquirido por aquela empresa. Hugo era uma pessoa mais nova que eu e mais PESSOA, por assim dizer. Apesar de sua idade menos provecta, tinha mundos e fundos, possuía carro, enquanto eu, tinha sete reais no banco em meu nome.

No caminho, como é de praxe entre amigos, que se zoam e se provocam até o mais definitivo óbito, Hugo foi me dando sermão. Disse-me que Pedrinha nenhuma me faria deixar de ser jacu, e que eu era mesmo um retardado mental e não sabia olhar ao meu redor. Eu calava-me raivoso, pois apesar de não gostar do que estava ouvindo, tinha discernimento apurado o suficiente para dsaber que ele não falava absurdos, e que ali havia algo real, dados concretos. Hugo lembrou-se de algumas caminhadas inocentes que fizéramos nos arredores daquela cidade, e que segundo ele, pelo menos duas mulheres haviam-me devorado com os olhos sem que eu sequer me desse conta disso.

Lembrei-me de tais eventos. Em verdade, eu havia até notado alguma espécie de olhar mais demorado dirigido em minha direção, mas meu cérebro havia interpretado tais coisas da maneira usual, que envolve as seguintes premissas:

1 - Não é comigo. Eu seria como um vidro no horizonte dela.
2 - Está olhando e não acreditando no que está vendo, "Puta que pariu! Que cara feio!"
3 - Não acredito. Não acredito. Não acredito.
4 - Ilusões de óptica não deitam olhares. Não existe.

De repente, minha mente se iluminou. Sim. Ali estava a resposta. Eu não precisava de uma Pedrinha. Eu precisava de outro cérebro. Um que não fosse imbecil. Um que não ficasse sempre desejando a verde grama do vizinho. Um que não tivesse tantos defeitos de fábrica.

Assim pensando, resolvi agir antes que voltasse para aquele local onde inutilmente seria atado a meus grilhões capitalistas, que agiam como laços fraternos entre amigos.

Atirei-me para fora do carro.

A continuar....