terça-feira, 14 de abril de 2009

Terceira parte.

Acorde.

Acorde, seu traste, já dizia a voz em minha cabeça. Abri os olhos na penumbra, e minha cabeça sentiu o peso do álcool que ainda circulava em meu corpo. Levantei meu corpo lentamente, sentindo todo o peso do mundo ao meu redor.

Apesar de estar de ressaca, eu sabia que estava acordando muito mais cedo que o costume. Lá fora, o dia ainda estava se espreguiçando.

Todas as vezes que eu excedia meus limites, eu me dava o mesmo velho sermão: seu idiota, pare com isso. Pare de tentar acelerar as coisas. Álcool não é a resposta, etc etc. Parecia mesmo ouvir as palavras de minha mãe em minha cabeça. Sentei-me na beirada da cama e olhei ao redor, tentando ao mesmo tempo relembrar tudo o que havia se passado ontem, quando voltei de minhas compras.

Lembrei-me vividamente daquele pesadelo que tive na cozinha da casa. Minha cabeçalatejou e me perguntei se realmente havia passado da conta a ponto de ter uma alucinação como aquela. fui até o banheiro meio que cambaleando, sentindo-me estramnhamente leve. Sim, ainda havia veneno em minhas veias, e nestas horas, nada como um bom Excedrin para aliviar esta sensação de tomate amassado no asfalto quente. Sei lá, eu definia minhas ressacas todas com esta sensação.

Postei-me diante da pia, mas desviei meu olhar do espelho. Não suportava ver minha própria cara sempre que fazia semelhantes merdas. Porque eu agia daquela forma, eu não sabia. Saco. Às vezes, eu me fartava de ser eu mesmo. Sempre agindo errado, sempre trocando os pés pelas mãos.

Enfim, deixa pra lá, disse minha porção racional. Ergui minha cabeça e olhei no espelho.

Quem era aquela pessoa?

Não sei quanto tempo fiquei ali olhando para o espelho, fazendo mímicas comigo mesmo. Quem estava refletido ali não era eu, era...alguém que eu não conhecia. E o estranho imitava meus movimentos com extrema precisão. Alguém parecendo ser muito mais velho, com barbas grisalhas, imensas suíças debaixo de cada orelha. Riu daquilo e o estranho rui de volta, franzindo o cenho logo em seguida, inclinando a cabeça para a direita.

Realmente, havia bebido demais. Afastei-me daquele absurdo de espelho, um tanto exasperado, é verdade, mas dizendo a mim mesmo, pare com isso, pare de beber, pare de fazer tudo que você mesmo acha errado. Voltei ao quarto, acendi a luz. Uma pálida luz amarela, bem diferente da que havia instalado no dia anterior, iluminou fracamente o quarto, que parecia o mesmo da noite anterior, mas...

Havia algo de estranho ali.

Sua máquina de escrever estava no mesmo lugar que havia deixado antes, mas havia um calhamaço de folhas ao lado dela, juntamente com alguns petrechos antiquados de escrita: uma pena de ganso e um tinteiro cuidadosamente lacrado.

Aproximei-me da máquina. Havia uma folha ali, com um fragmento de texto escrito.

Desde que havia chegado naquele lugar, nem havia posto papel naquela máquina. Não ainda.

Voltei um pouco a folha para ler o que estava escrito ali:

"...voltei um pouco a folha, para ler o que estava escrito ali. Dei um passo para trás, desnorteado com aquilo."

Dei um passo para trás, de fato. De fato estava desnorteado. E se tivesse lido mais, creio que iria saber que haveria no chão um velho calçador de sapatos, no qual eu iria tropeçar e cair, levando o cabideiro e porta-chapéus comigo.

Olhando para o teto, apalpei minha cara. As suíças ali estavam. Mas onde estava eu? Quem eu era? Berrei para o teto:

"Que loucura é esta?!?!?"

Um travesseiro me acertou na nuca. Uma voz, vinda detrás de mim disse:

"Pare com isso, seu beberrão. Volte para a cama e desligue a luz. É domingo, vamos aproveitar para acordar um pouco mais tarde..."

Virei-me para ver uma mulher morena se enfiar de volta nas cobertas da cama. Fechei os olhos forçadamente, tentando em vão despertar. Todas as vezes que abria via a mesma luz fraca no teto. Sentia as mesmas suíças na cara.

Uma cara que não era minha.

Havia uma mulher na cama.

Uma mulher que não tinha a menor idéia de quem fosse.

O que estava acontecendo ali, eu não sabia. Ainda.