terça-feira, 5 de abril de 2011

Dormir? Que ser isso?

Noite, mais uma, em que você não veio, sua maldita, seu maldito, seja lá o que o for, sono, insono, Orfeu, Ofélia, a maravilhinda cozinha de. E tome, maracujás frescos, a parte verde é que funciona, mas não funciona, "só daqui a um mês", experimente sais de atropina, dizem que faz adormecer como ninguém. Ninguém mesmo, uma vez que de nada adiantou, drogas ilegítimas, ilegais, proscritas por lei, menos letais que o álcool, estas me fariam tão bem, ainda que me digam o contrário, que me estipulem o contrário, que me imponham o oposto do que gostaria de fazer, de ser. Ser? Será? Dormir? Que ser isso?

Lembrar-se de antigas reminescências, entrecortadas por sonhos irrequietos, memórias já muito desbotadas, artigos de segunda mão. Sonhar, acordado na noite negra, espessa como piche, sonhar com os olhos bem abertos, a mente fechada, pensamentos que não param. Exaurir o tema; insônia, insônia. Nestas silentes horas, o que fiz de mim? Nada. Que almejo? Não muito. Que sonhas? Pessoas...coisas...sonhos...de consumo. Alavancadas em Fenders, Gretschs, Gibsons. A presença, que tanto existe dentro de mim mas inexiste do lado de fora, censurada, anulada, temida, muito temida, pelo tempo, pelo espaço, pela moral e pelos bons costumes, regras e regulamentos, aberração, ó aberração.

Antigamente, havia em mim algo, hoje quase nada. Feliz, felicidade, o que é isso? O que significa tudo isso? Cores tristes, cores frias, misturadas com cores primárias, corpos em profusão, etéreos desejos, cada vez mais presentes, cada vez mais onipresentes, o dia inteiro, a vida inteira, anos e anos e anos. Queria ter, nesta hora, alívio nicotínico, mas estes abandonastes há tempo. Abandonastes? Quem? Com quem falas, ó voz? Vozes, tantas. Esquizofrenias ambulantes, noites sem dormir, vida sem viver. Viva, viva! Comemore, tens saúde, tens teto. Tens ninguém além de você e mais nada. Nada. Ocupando tudo, ocupando-se de todos, deixando-me aqui, sem querer, sem poder, sem fazer.

Bloqueios, bloqueiam, eu mesmo, os outros, todos, tudo. Sem coragem, sem saber como nem por quê. Sem ter nem saber, saber sem saber, não saber que sabe, não saber que sabem. Sabem, o quê sabem. Sabem que não sou eu? Sabem que não sou assim? Sabem que existem milhares de eus, aqui e ali, e naquele outro lado, por ali, por aqui, esquerda e direita. Nada, nada, nada, sabem, mas devem saber ou apostar contra, apostar desta maneira, sem maldade, com toda a maldade, honestamente. Honesto, franco. Foda-se, fodam-se, perdão. Não quero isto, não quero aquilo, o que quero? Dormir? Que ser isto?

Contar, aceitar, saber, saibam todos. Me apedrejem. Apedrejam-nos, apedrejam a todos que não são, como vocês, como eu mesmo, eu mesmo me apedrejo, eu mesmo sei que não devo, mas existo, me incomodo, sonhos, sonhos. Alavancadas bruscas, derrapadas num pedal de wah-wah solto no chão, bateria de 9 volts, cabos e amplificadores, canções que me fazem rir, me fazem chorar, são o que sou, mas não são o que queria ser. Matemática e quejandos. Filhos e pais. Dinheiro e ausência de. Pais, parentes, não, não, não aceitam, não querem, não sabem, não aceitarão. Dormem todos enquanto insone fico, permaneço, não sei, não sei. Até quando, até onde existe a sanidade? Até onde, quando, porquê?

Dormir? É para os fracos, ah ha ha, engraçadinhas são as vozes, os pensamentos, ainda mais retumbantes na hora morta e silenciosa em que mesmo as plantas se calam, todos os gatos são pardos, e fico eu aqui a comer cardo. Tudo tarda, a esta hora, mesmo que seja cedo, ainda é cedo, somos jovens, somos alegres, em demasia. Alegre? Que deturpação de palavra, tradução mal-feita, malevolamente colocada, calcada em falsa alegria. Não, não. Sonhe, mais um pouco, com aquilo que és mas não foi, com o que podes ser mas não és, de tudo e de nada, louco e pouco, temos todos. Dormir?

Nada se passou, o tempo morreu, mas a vboz maior, eletrônica veio a despertar aquele que não mais dorme. Atropina não funciona, maracujás não prestam, tarjas pretas transformam um ser mau-humorado por natureza em monstro ainda mais insuportável que a aberrante coisa que é por si mesmo, por ser sem nem saber para quê.

Levante-se, ganhe o dia, mesmo que ele te ganhe, como costuma acontecer.

Levante-se.

Dormir?