quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Demônios.

Existem noites mais profundas que outras.

Não sei bem quanto tempo fiquei ali, matutando sobre tudo que tinha me acontecido até então. Nada de muito agradável, pela minha contabilidade. Mas, olhando ao redor, eu achei que ali seria o local mais ideal para fazer o que eu tinha que fazer.

Eu só precisava saber o que seria isso. Olhei para o balcão, me perguntando quantas pessoas já teriam passado por ali hoje...quantos copos teriam corrido por aquele descascado acabamento. Olhei adiante, direto nos olhos de meu demônio, que ali estava, ali pousava. Ali me tentava. Bastava dizer a palavra: uma.

Mas nada veio. Eu olhava tudo aquilo, toda aquela atmosfera que me tinha sido tão familiar por tanto tempo...e que agora, quase mais nada significava para mim, além de recordações nada agradáveis. De longe, os únicos olhos familiares e fraternos que ali existiam me analisavam, sem muito entender o que estava acontecendo.

Eu mesmo não sabia. As coisas tinham finalmente começado a andar, o que estava eu ali fazendo? Sim, haviam muitas chatices ainda reinantes, mas nem de longe eu tinha em mim a antiga ânsia de procurar meu demônio para nele me expurgar de todos meus problemas. A causa e a solução. De tudo que havia me acontecido.

Não...não deveria eu impor culpa em algo que por si só nada faz, nada vale, nada ameaça. Todos eles me encaravam, na prateleira adiante. Algo dentro de mim não me permitia emitir a tal palavra, que acabaria com toda esta minha presente angústia. Algo que não saberia dizer o que era.

Talvez a necessidade de não me repetir. Por uma vez, somente uma vez, não fazer o que eu plenamente sabia que não poderia fazer. Não deveria fazer. Não seria a primeira vez que tal coisa aconteceria, pois já tinha visto tal cena acontecer muitas e muitas vezes ao longo dos anos que ali frequentei.

Anos que ali desperdicei. Anos que ali não existi, apesar de ali sempre estar, presente. Ciente. Cliente. Fiel cliente.

Não. Não seria desta vez. Me levantei lentamente, e olhei ao redor. A fraternidade daqueles olhos comigo estiveram por um breve instante, comunicando muito mais que palavras, milhares delas. um novo respeito surgiu ali, mesmo uma certa simpatia. Sorri timidamente para eles, e me dirigi para a porta, desviando-me das alegres pessoas que ali se divertiam ou se perdiam. Não cabia a mim dizer. Não saberia dizer, também. E mesmo assim, não poderia muito fazer.

Diante da porta, me voltei uma última vez para a tal prateleira.

Nada além de meros objetos sem voz. Sem ação.

Demônios somos nós mesmos, concluí enquanto dali saia.