Evidentemente, saltar de um carro em movimento não foi de meus movimentos mais brilhantes. O meu clã é assim: quando estamos irados, não pensamos direito. Isto significa, ao menos no meu caso, que não penso direito 90% do tempo, mas isto não vem ao caso. Eu só queria que tudo aquilo acabasse. Por mais que eu desejasse trocar de cérebro, eu bem sabia que isto era impossível, e num lampejo de idiotice, havia resolvido acabar com tudo. Eu só me lembro de ter visto o asfalto se aproximando rapidamente, e um impacto seco. Luzes, estranhas luzes. Sons distorcidos. Dor, muita dor...e mais nada.
Por um corredor escuro, eu vi outra luz momentos mais tarde. Uma voz irônica me dizendo, "Eu me divirto demais com você. É o horário nobre da população de Belo Horizonte, ao menos para mim. Você acha que irei perder esta diversão? De jeito nenhum. Pode voltar para o eterno inferno terrestre, assim vos ordeno, assim será." E eu só pensando: "Cacete, nem morrer eu posso."
Acordei num estranho quarto, todo embranquecido de ocasos e abandono. Algo do gênero de um hospital mesmo. Mas...após alguns minutos, minha vista focou mais adequadamente e percebi que não estava em nenhum hospital. Estava sentado numa sala que nunca havia visto antes, com cadeiras forradas de azul. Fiquei alguns minutos tentando entender o que estava acontecendo, quando ouvi um ruído de uma porta se abrindo.
Me voltei em direção ao som e fui surpreendido com algo de fato inesperado. A pessoa que entrava na sala era ninguém menos que o próprio cara que havia eu partido em busca de, no princípio daquele fatídico dia. Fernandus, o Mascarenhas. Trazia nas mãos uma sacola com duas garrafas pet, uma caixa e um pacote, cujos rótulos não consegui ler direito, mas que se provaram ser uma garrafa de Sprite, outra de Guarapan, uma caixa cheia de Mirabel e um pacote gigante de Ruffles.
Ele ria muito. "Cara, quanto você bebeu ontem? Te achei jogado na sarjeta em frente ao prédio." Eu, que não havia bebido nada, muito pelo contrário, só pude ficar atônito. O que diabos havia acontecido, eu não entendia nada. Mas mesmo assim, eu falei e falei, sem nem ao menos respirar direito. Contei todo meu infortúnio, tudo que havia acontecido, a busca por ele e seu conhecimento sobre a pedrinha, minha travessia em direção ao templo da engenharia de trnsformers, ou transformadores, sei lá, et coetera et al. Ele só ria de minha patética história.
"Velho, a tal da pedrinha continua em falta, mas eu tenho uma proposta para você que talvez venha a ajudar a melhorar seu humor, de uma maneira menos idiota que esta merda que vocÊ acabou de me dizer." Eu, que não tinha mais forças para tentar fazer sentido algum em nada que havia acontecido e que estava acontecendo, engoli minha réplica mau-humorada e me pus a escutar.
"Você está dentro do QG do escritório que irá dominar o universo. Ao menos o universo virtual."
E me explicou tudo sobre o WNGB, uma promessa de fato promissora para pessoas como eu - nerds incorrigíveis. Não sei bem como fui parar ali naquele lugar após o meu acidente, mas não poderia ter aparecido em um local mais adequado. Enquanto ele continuava a me explicar as coisas, os outros integrantes foram surgindo. Conheci todos eles e me diverti muito com tudo que foi dito ali.
Agora, omais importante aconteceu, de uma forma que eu até hoje não entendi direito. Me deram um lápis e disseram: "Bem vindo ao time. Pode começar a trabalhar. Desenhe." Eu hesitei inicialmente, mas meu Hitler interno me obrigou a produzir, e consegui desenrolar algo. E as coisas foram acontecendo, as idéias foram surgindo. Meu esquecido personagem principal criou nova vida, novas tiras começaram a pipocar inexplicavelmente em minha cabeça, e as coisas foram acontecendo.
Não resolvi minha vida, ao menos não até o momento, mas consegui algo que sempre almejei desde que me entendo por gente, não-frango - deixei-a menos ordinária, menos mundana, menos da "granja" gigante que é a humanidade e seus frangos. Deles me vinguei, inumeras vezes, em meus rabiscos toscos, porém engraçados. Deles ridicularizei até o limite de meu cérebro. E exemplos não faltaram; bastava dar uma volta na rua para me deparar com inúmeros exemplos a serem ilustrados.
E me senti bem. Me senti fazendo o que deveria sempre ter feito, mas que não havia conseguido fazer por mim mesmo, em meu exílio, meu refúgio da granja terrestre.
Por uma vida menos ordinária, eu zoei a humanidade, causando risadas em seus integrantes que nem ao menos percebiam que eu lhes escorraçava de forma gráfica e divertida.
Por uma vida menos ordinária, descobri meu diferencial, minha vingança, minha crítica ferrenha a todos os frangos que tanto ululam por este planeta.
Por uma vida menos ordinária, liguei o foda-se. E frango de cu é rola. Eu lhes desprezo e consigo matá-los, esfolá-los e com isso me divertir, de quebra acalmando este vulcão de neuras que sempre em mim existiu.
E por enquanto me bastou.