quinta-feira, 9 de setembro de 2010

A-12.

Acordar. Olhar para cima.

Hoje, não me sinto com vontade de andar. Não me sinto com vontade de fazer nada.

Para quê? Por quê?

Não preciso fazer mais nada. Não sinto vontade de fazer nada. Não existem motivos. Não existem razões.

Minha vida, desde que saí daquele treco, foi privada de sentido. E se nem fome eu sinto, se nem precisar de comer eu sinto, existe algo de errado por aqui. Isto não é vida.

Sou somente eu e esta cidade em ruínas. E toda a porção de certa forma ainda inteligente, racional dentro de mim sabe que iusto não é certo. Que isto não é...real, eu diria. Mas a mesma porção me develve uma pergunta que não tenho resposta.

Então, que diabos é isso afinal de contas? O inferno? Purgatório? Algo assim? Uma espécie de pós-vida ditada por alguma religião ainda desconhecida...ou simplesmente o pós-vida seria de fato isto....este vazio, este nada?

Algo dentro de mim, que não sei definir o que é, me põe de pé, ainda que o restante de mim não queira nem sair daqui. Mas o que mais posso fazer?

Não sei, não me lembro direito se, na época em que ainda estava...vivo, propriamente vivo, não me lembro se eu costumava ser assim, se a vida cera feita de momentos como este. Cinza e cinzas, nada e silêncio quase absoluto. Ninguém em volta.

Minhas pernas se poem a andar, mesmo contra minha vontade de apenas permanecer ali e morrer. Tento me insuflar de vã esperança: quem sabe, hoje irei encontrar algo diferente. Hoje, irei ver alguém. Hoje encontrarei algum sentido para tudo isto.

Hoje, hoje hoje...

Tento desligar minha mente, mas é impossível. Nunca entendi pessoas afirmarem que conseguiam de fato ficar sem pensar em nada, meditar. Tá bom viu.

Ando e ando, tentando me concentrar apenas em contar os passos: mil e doze, e treze...

Quando dou por mim, estou de novo na tal praça. Não adianta. Por mais que ande, nunca consigo chegar a lugar algum. Existe algo errado com este lugar, como se ele fosse um loop eterno, um labirinto sem fim. Ou isto, ou meu senso de orientação é o pior possível.

De repente, tneho um surto de memória e me lembro de comentar isto com um amigo, "se eu caísse numa selva, eu ficaria rodando em círculos até morrer de fome."

Amigo...quem era ele? Que momento foi este? Não consigo me lembrar direito. Quando isto aconteceu?

Qual é mesmo meu nome?

Não me lembro.

Foi aí que percebi. Não tinha a menor idéia de quem eu era, de fato. Minha cabeça começou a latejar. Continuei tentando me lembrar de coisas, de fatos, de datas, mas nada me vinha à cabeça que fizesse sentido. Como foi que ingressei no tal programa criogênico? Qual eram os nomes das pessoas que comigo estivera, que me treinaram?

As imagens em minha cabeça eram cada vez mais imprecisas, embaçadas. Seria isto um efeito colateral do processo em si? Ou eu estaria de fato e finalmente, ficando louco de vez?

Em certo momento, precisei me apoiar na beirada de um extinto monumento da praça. Estava tonto, perplexo. Minha cabeça era tão confusa quanta a realidade ao meu redor. Esta cidade, esta praça. Qual eram seus nomes? Me lembrava de aqui ter estado antes, mas...não fazia sentido.

O silêncio reinava estrondoso ao meu redor. Não encontrarás resposta em lugar algum, era tudo que minha cabeça ainda tentava me dizer, pare de pensar, pare. Mas não conseguia. Nomes, todos eles se perdiam em minha cabeça. Meus pais...meus amigos...quem eram eles?

Fechei os olhos...forçadamente. O que acontecia? O que tinha acontecido? Onde eu estava, onde estavam todos? Amnésia, esta palavra me veio à cabeça. Amnésia.

Eu estava completamente sozinho naquele labirinto arruinado, estava completamnete sozinho em minha mente. Escuro, sombrio. Sozinho.

E cada vez mais louco.

De repente, algumas cores pularam na escuridão. Imagens, um tanto distorcidas, de gente. Um cachorro, Max. Max! Era este o nome do cachorro! Eu me lembrava do nome dele! O nome do cachorro!

Que cachorro?

Eu nunca tinha tido cães. Eu era alérgico a eles, não? Alérgico a cães...visitas ao hospital...injeções...picadas nos braços, teste anti-alérgico. Max. Max. Mad Max. Em homenagem ao...ao quê? Alergia. Soro. Passeata. Jornais. Jornais e mais jornais.

Letras garrafais estampando a quebra do sigilo dos membros da FAARF. Que diabos era aquilo? O cachorro...eu ganhei o cachorro....de natal....Me torturaram...agulhas por debaixo de minhas...unhas...que eram compridas....e quebradas...o cão, o cão. Max.

As cores se tornaram cada vez mais abjetas em minha cabeça. As imagens dançavam, e eu me sentia cada vez mais tonto. Abri os olhos.

As cores dançavam nos cinzas, se intercalavam com eles, com os prédios, que agora pareciam ser meio disformes. As folhas amarelas, se tornando violetas, se tornando verdes, subindo aos céus. Agora sim, tinha certeza de estar ficando louco de vez. Não havia tomado nenhuma droga, não havia visitado o quartinho secreto do álcool.

Alguém...alguém...me ajude. Era tudo que eu tentava pensar, mas em vão. Mesmo minha voz interna era sufocada pela confusão mental de imagens e sons desconexos em minha cabeça, em minhas vistas.

Acho que gritei antes de sair correndo. Para onde, não sabia, não queria saber.; Queria fugir daquilo tudo. Basta, basta, por Mitra. Me deixem em paz. Que espécie de inferno é este, eu gritava e gritava, e não via para onde ia.

Tropecei em alguma coisa e caí, ou acho que caí. Apaguei.

Ao menos, a confusão parou. Em seu lugar, apenas a dor de cabeça insuportável.

Rolei meu corpo e abri de novo os olhos, vendo o céu cinza.

Cinza, tudo cinza.

Alguém. Alguém.

Existe alguém ainda aí? Alguém?