quinta-feira, 4 de junho de 2009

Ônzimo.

Jamais pensei que fosse tudo acabar daquele jeito.

Mesmo assim, faltava pouco agora. Mais alguns instantes e a água iria preencher todo o parco espaço restante no box. Eu continuava a me debater inutilmente, por mais que uma réstia do meu bom senso ainda teimasse em dizer que isso só iria acelerar as coisas. Eu estava respirando freneticamente devido ao meu pânico, e acabando rapidamente com meu ar.

De que adianta, dizia outra parte de minha cabeça. Se é pra acabar com tudo, que seja mais rápido. Faça a vontade dessa vaca, ela que se foda.

Pelas águas revoltas ao meu redor, eu conseguia ver a deformada imagem daquela coisa. Aquele hediondo sorriso tornara-se ainda mais malévolo. Já tinha que manter a cabeça inclinada e pregada ao teto para conseguir obter algum ar para meus desesperados pulmões. Minha cabeça estava para explodir...Por um breve momento afastei meus pensamentos daquele caos e percebi que deveria estar tendo a pior dor de cabeça de minha vida enquanto lutava desesperadamente pela minha vida.

Minha vida...Não creio eu que é no instante derradeiro que vislumbramos toda nossa existência passar diante dos olhos. É um pouco antes. Restava pouquíssimo ar agora; e minha cabeça desenterrou de seu arquivo morto aquele retrospecto de tudo que tinha me acontecido até então.

Enquanto eu rememorava passagens remotas de minha infância, o ar terminou.

Estava completamente imerso na água agora, que se tornara rubra devido aos estranhos reflexos da luz emitida por aqueles bizarros olhos. Um pouco de meu próprio sangue - decorrente de meus punhos arrebentados nas tentativas de quebrar aquela parede de vidro que me encerrava ali - provavelmente ajudara a criar o efeito, mas o pouco da sanidade que me restava dizia que tal volume não seria suficiente para tingir aquele aguaceiro.

Belo pensamento para uma hora daquelas. Ha, ha, ha.

Po incrível que pareça, eu havia me tornado calmo àquela altura. Zen. Conformado com meu destino, com meu inevitável destino. Com minha iminente morte.

A visão deformada daquele demônio agredia meus olhos. Fechei meus olhos, e continuei a assistir a película, "Esta foi sua vida"

As imagens mentais se tornavam cada vez mais vívidas, coloridas, quase palpáveis. Creio que já era os primeiros sintomas da anoxia em meu cérebro.

De repente....senti que algo me puxava dali....não fisicamente, mas....em outro aspecto menos definível. Minhas recordações se dissolveram, dando lugar à visão...daquele rubro corredor de mil portas. Era como se estivesse voando naquele corredor, cada vez mais rápido.

Não sei quanto tempo durou esta viagem, mas subitamente parecia que estava rumando em direção à...luz, por assim dizer. Uma massa branca me englobou, e minha mente ainda teve forças para fazer uma piadinha infame, "vá em direção à luz!"

Ha, ha, ha.

De repente, levantei-me da cama, como se estivesse chegando à superfície de algum lago ou coisa assim, após ter passado mais tempo que o necessário debaixo d'água.

Estava olhando para um teto, em um quarto parcamente iluminado. Mas eu não conseguia ter domínio sobre minhas ações...era como se estivesse vendo...através dos olhos de outra pessoa.

Tal pessoa se levantou da cama e se dirigiu ao banheiro. Não me surpreendi muito quando vi refletido no espelho a cara daquele sujeito de suíças.

Ele ficou ali alguns momentos a analisar suas próprias feições no reflexo, parecendo estranhar o que via. Eu estava dentro da...cabeça, do corpo, sei lá, daquela pessoa, e não conseguia fazer nada além de assistir.

O sujeito saiu da cama e dirigiu-se ao quarto.

"Volte para a cama, Felix."

Independente do pânico que tomou conta da minha mente, não pude evitar que meu...hospedeiro girasse o corpo e ficasse à frente daquela mulher....o mesmo demônio que havia me sentenciado à morte...ou seja lá o que fosse aquilo tudo...momentos atrás.

Ela sorriu de maneira angelical, e senti que meu corpo emprestado fez o mesmo, aproximando-se afetuosamente dela.

Em um átimo de segundo, no entanto, vislumbrei uma expressão de malícia que transfigurou as feições daquela...coisa.

Minha mente continuava a protestar, O QUE DIABOS ESTÁ ACONTECENDO AQUI???

Eu não sabia. Ainda.