terça-feira, 2 de junho de 2009

Décimo.

Quem era ela?

A pergunta não se calava em minha mente....e por mais que eu soubesse quem era - a mulher que aparecera naquele...delírio por mim vivenciado dias antes, eu tinha a nítida impressão que a conhecia...

Mesmo assim, as circunstâncias não eram das mais amigáveis para que eu pudesse puxar um papo, canastra, "Te conheço de algum lugar, quer conhecer minha casa, meu quarto, minha cama?"

Ha, ha, ha.

Não se cantam mulheres trajando vestes negras, com olhos vermelhos fulgurantes e que transpiram ódio. Muito menos o fazemos quando estamos pelados dentro de um box, em um local que até então costumava ser um banheiro numa casa esquecida pelos deuses...

Mesmo assim, não conseguia me desvencilhar da sensação quase gutural de saber quem era aquela mulher.

Ela sorriu, mostrando-me uma fileira de dentes serrilhados, pontiagudos e deformados. Mas aquilo, além de estar bastante longe de ser um sorriso colgate, estava cheio de escárnio. Um arrepio percorreu minha espinha, enquanto ela me perscrutava com aqueles olhos. Logo em seguida, ela ergueu ambos braços, como se fosse demonstrar uma atitude afetuosa....como se desejasse um abraço.

E por mais que intimamente soubesse que estava fudido, que estava diante de uma espécie de demônio ou algo que o valha....sentia uma estranha...atração por ela.

Sim, muito inteligente, muito interessante.

Ela continuava a sorrir de maneira sarcástica. Inclinou a cabeça para o lado e fechou um pouco os olhos, parecendo estar se concentrando. Nesta hora, senti um frio me atingir em cheio nos...

Pés?

Olhei para baixo e percebi, para meu horror, o que estava acontecendo. A água do chuveiro, que continuava a correr, começou a apresentar uma certa profundidade.

O box estava enchendo de água. Rapidamente.

Toda a lógica do mundo, toda a ciência e ceticismo que em mim habitavam de nada valeriam para mudar tal situação. Me virei e tentei fechar as torneiras, mas elas não se mexiam. Pareciam estar firmemente, permanentemente soldadas. E o volume de água que passava pelo chuveiro parecia ter sido multiplicado por vinte. A água agora já estava batendo nos meus joelhos.

Tentei abrir a porta, mesmo sabendo que de nada adiantaria. Aquela...criatura estava me prendendo ali, querendo assistir minha morte, que provavelmente seria integrada ao relatório das mortes mais improváveis da história. Causa mortis: afogamento no chuveiro.

Ha, ha, ha.

A água estava magicamente sendo contida no interior do box. Nem sequer escorria por entre a fissura da porta com a parte fixa do vidro do box. E como aquele era de fato um box inteiriço, que se estendia do chão ao teto, eu estava encerrado em uma tumba líquida.

A água agora já batia numa certa altura, causando-me uma sensação de arrepio e desconforto bastante desagradáveis. Se eu não morresse afogado, eu tinha quase certeza que no mínimo estaria infértil devido àquele choque térmico naquele local.

Olhei para o demônio que agora muito se ria de meu desconforto, exibindo todos aqueles dentes deformados e uma negra língua bífida, que se agitava muito enquanto a criatura ria. Uma risada de gelar o sangue, ainda mais do que já estava devido à situação toda.

O pânico tomou conta de mim, e comecei a bater com ambos punhos no vidro blindex. Inútil, bem o sabia. Aqueles vidros resistiam até a pedradas. O que meus punhos conseguiriam fazer?

Nada. O vidro já naturalmente duríssimo parecia uma parede.

Comecei a gritar de desespero, involuntariamente, respingando aquela água gelada por todos os lados. A criatura continuava a emitir aquela sua risada malévola. A água agora já passava de meu peito, continuando a subir rapidamente.

Alguns instantes desesperados depois, percebi que tinha que nadar para manter minha cabeça fora da água.

Dentro de alguns minutos eu não teria mais ar.