quinta-feira, 18 de junho de 2009

Décimo 4.

Não sei por quanto mais temo eu resistiria a tudo aquilo, mas eu precisava tentar. Eu precisava acabar com tudo aquilo. Diante de mim, a criatura me olhava com aqueles horríveis e rubros olhos, que continuavam a desejar freneticamente minha morte. Ansiosamente.

Estava tão fraco que não tinha certeza que conseguiria fazer algo tão simples. Mas era preciso.

Mexi meus braços na gélida água, para que conseguisse me virar. Notei que a expressão da coisa se tornou um tanto inquisitiva, como se não estivesse entendendo o que estaria eu fazendo. A "voz" dela já havia sido silenciada em minha mente, mas não precisava de mais nenhuma instrução.

Fechei bem os olhos e busquei as forças onde quase mais nada havia. Girei meu corpo lentamente, dando as costas para a criatura. Mantendo os olhos fechados, comecei a ouvir um rugido de ódio esclarecido vindo do exterior daquela líquida tumba.

Ela estava berrando. Emitindo sons inimagináveis daquela garganta horrenda.

Abri os olhos, mas continuei de costas para tudo. O tom da gritaria estava se tornando impraticavelmente alto. Tom, não o volume. Mesmo estando um tanto isolado do exterior pela camada de água, meus ouvidos começaram a doer. Pesadamente, ergui os braços e tampei minhas orelhas com as mãos. Mas não me voltei.

O som se tornava cada vez mais e mais insuportável. Mas eu estava tão desorientado, tão intoxicado com minha própria acidez de meu sangue carente de oxigênio que quase não me importava.

De uma maneira ou de outra, logo estaria acabado.

Comecei a sentir estranhas vibrações ao meu redor, e abrindo os olhos mais uma vez, notei que havia uma nuvem rubra ao meu redor. Sangue. De meus ouvidos, de meu nariz, não sei. Sei que novamente comecei a sentir muito, muito sono, quase a ponto de apagar todo orestante das sensações dolorosas dentro de mim. Quase não ouvia mais nada.

De repente, senti algo completamente diferente. Água se movendo pelo meu corpo. Abri os olhos para ver que haviam imensas bolhas de ar subindo em minha direção.

Algum princípio primordial de sobrevivência me fez engolir muitas destas bolhas, juntamente com muita água, mas de qualquer forma, aquilo me supriu com mais alguma resistência. Um zumbido em meus ouvidos abafa quase todos os sons ao meu redor, mas eu conseguia ainda ouvir alguma coisa como vidro se quebrando e água correndo.

A gravidade subitamente fez mais sentido também. Agarrei-me, não sei bem por que, na haste metálica que encontrei no caminho para o chão. O cano do chuveiro.

Não me atrevia a girar o corpo, no entanto. Continuava de frente para a parede azulejada.

Com o pouco que me restava de audição, conseguia identificar também o inimaginável clamor de protesto daquela coisa. Ela ainda estava ali. Ela ainda estava ali...

Eu tentava ao máximo me restabelecer por completo, mas eu estava em um estado deplorável. O ar entrava dentro de mim mas não se comportava direito. E eu tossa muito, emitindo água, catarro e sangue para todos os lados.

Mas algo dentro de mim me alertava para não soltar o cano em que encontrava-me dependurado.

Lentamente, minha visão começou a melhorar, e meus outros sentidos se tornaram mais funcionais. Sacudi a cabeça e olhei para baixo. A água gelada continuava a sair do chuveiro, mas o box estava praticamente vazio agora.

Entretanto, logo abaixo de mim, haviam milhares de imensos cacos de vidro blindex. Meus pés estavam praticamente raspando o canto vivo de alguns destes fragmentos.

E o maldito som emitido por aquela merda de demônio continuava a retumbar em meu convalescente cérebro.

Mas eu respirava melhor agora. Como era bom poder respirar. Ar, algo tão comum. Você só sente a falta dele quando se está encerrado em um box cheio de água.

De repente, o cano se entortou com meu peso. A gravidade novamente falava. E obviamente, aquele cano nunca havia sido projetado para aguentar o peso de uma pessoa como eu.

Debaixo de mim, milhares de cacos pontiagudos me aguardavam.