quarta-feira, 10 de junho de 2009

Dôzimo.

Imagine estar assistindo TV. Você vê tudo que se passa diante da camêra, mas não pode participar, interagir com o ambiente que te circunda.

Era exatamente assim que eu estava me sentindo. Um mero espectador de algum programa de gosto duvidoso. Uma pessoa na platéia. A única diferença era que eu não estava diante de algum aparelho televisivo, ou mesmo sentado confortavelmente em um sofá.

Eu estava preso dentro da cabeça de alguém.

E esse alguém abraçava aquele demônio do banheiro. Eu tentava, tentava, mentalizar, emitir algum comando para aquele corpo que não era meu. Algum alerta. Mas...o que pode uma coisa feito eu, um intruso forçado na cabeça de alguém, fazer numa hora dessas? Nada.

De repente, como se fosse de fato uma imagem de televisão, a visão que assistia tornou-se opaca, cheia de chuvisco, tal qual um aparelho desprovido de uma boa antena. A imagem ficou difusa por alguns instantes, e depois começou novamente a ter foco.

Estava diante daquela mesma mulher, agora toda vestida de branco, com um olhar angelical, que segurava "minhas" mãos e me dizia, "Eu aceito." Que singelo. Quem quer que fosse o dono daquela cabeça em que me encontrava encerrado estava se casando com um monstro. Rapidamente, o olhar desviou-se para os bancos da igreja, ou seja lá o que fosse aquele lugar, onde estavam sentados os convidados...percorreu rapidamente as fileiras e localizou seu foco.

Se eu fosse realmente o dono daquelas pernas, eu teria feito bom uso delas agora.

Sentada numa das fileiras da igreja estava...exatamente a mesma mulher que acabava de professar "amor eterno" àquele sujeito por mim vivenciado.

A única diferença era que aquela sósia estava com um olhar desolador estampado em seu rosto. Algo que mesclava medo com extrema aflição. Com tons de tristeza intercalados com ligeiro inconformismo. Algo bem diferente daquela outra figura.

De repente, uma voz grave soou aos ouvidos daquela cabeça, "Ahem...E você, Felix Weiss, aceita Delores Zaratz como sua esposa?" Os olhos de minha emprestada cabeça se voltaram rapidamente para a noiva, que agora estampava um olhar nada angelical em sua cara.

A imagem se desfez novamente, e voltou a fazer sentido alguns segundos depois. Caminhávamos em direçao a uma porta. Não me espantei muito quando uma das mulheres fatais(qual delas?) abriu-nos a porta. "Você não deveria estar aqui.", ela me disse. Parece que meu hospedeiro disse alguma coisa, mas estranhamente eu não consegui ouvir a voz de minha própria cabeça. Própria, de fato. Ela olhou para o chão e seu rosto se transfigurou...mas ela não se tornou um monstro. Ao contrário, ela se tornara ainda mais...bela, sei lá.

"Você fez sua escolha, Felix. Vá embora, por favor." O dono daquele corpo segurou nas mãos daquela mulher e ela olhou diretamente nos olhos dele. Um par de lágrimas rolou de cada um daqueles olhos. Ela sacudiu a cabeça e tentou se desvencilhar dele, mas ele se aproximou cada vez mais de sua face.

Justamente quando a coisa estava ficando interessante, a estação "ecos do além"saiu novamente de sintonia e fui agraciado com chuvisco por alguns instantes. Quando a imagem se formou novamente, estava diante de uma antiquada máquina de escrever, naquele mesmo malfadado quarto daquela casa. Ouvi aquela voz atrás de mim novamente, "Onde você esteve hoje à tarde, Felix?" A cabeça dele se virou em direção àquela mulher e pareceu-me dizer algo. Ela sorriu maliciosamente, "Não adianta tentar mentir para mim, Felix. Eu sei de tudo. Eu vi tudo."

Nessa hora, a imagem se tornou novamente disforme, mas desta vez eu...senti algo, como se estivesse novamente com meu próprio corpo. Dor. Sim, era algo deste naipe. Dor. E das bravas.

A imagem se enegreceu, tornando-se rubra em seguida.