quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Dia.

Mais uma manhã. O Adevogado abriu os olhos e espreguiçou, usando uma nota de cem dólares novinha para limpar as remelas do canto de seus olhos. Mais um dia, mais processos, mais falcatruas e enganações. O Adevogado se sentia tão bem. Gostava do que fazia, tinha imenso prazer em achar buracos na malha fina da lei, sacanear as pessoas, se dar bem, ganhar muito dinheiro impondo a justiça, como era chamado a moeda de seu trabalho. "Ah," pensou ele, "hoje é dia de realizar audiências no fórum, sacanear aqueles pobres imbecis que acham que podem se dar bem apenas sendo corretos aos olhos da lei; mal sabem eles que já tenho toda minha estratégia elaborada, vou me dar é muito bem." Foi ao banheiro, fez suas abluções triviais, fez aquela barba impecável com sua navalha de diamante importada, banhou o rosto com a colônia pós-barba feita sobe encomenda, usando lágrimas reais de adversários jurídicos, apanhou seu terno mais esnobe, sua gravata mais nobre da mais pura seda italiana(apesar das letras miúdas acusarem secretamente a procedência sinológica da mesma), admirou sua figura impecável no espelho e se dirigiu para a garagem, não sem antes apanhar um desjejum preparado no dia anterior.

Entrou em sua BMW X-4-A-12-f-56-ZZ-45-e-o-caralho-a-quatro e acionouo possante motor de quinze mil cavalos, quinze centímetros por litro de combustível, e sentiu o ronco possante do motor, acordadno de supetão todo o resto do prédio. Tomou de assalto as ruas, e se dirigiu para seu escritório, enquanto mordiscava o sanduíche a cada sinal vermelho que encontrava no caminho. Se sentia bem, imensamente bem, era o dono do mundo, dono da verdade, agente da justiça! Sentia o fluxo sanguíneo trazer boas ondas, bons pensamentos à sua cabeça, podia fazer de tudo, podia comprar tudo e todos, era o dono do mundo.

Chegou no escritório, teve um ligeiro contratempo ao abrir a pasta e verificar que havia um certo rumor vindo de dentro de um envelope de um cliente. Não se importou, enquanto abria caminho por entre os papéis, em busca da chave da sala. Existiam certos insetos dentro da pasta, meio arroxeados, que faziam rumores estranhos, como se fossem viloinos ambulantes, esvoaçantes a realizar algum movimento sinfônico de Vivaldi, coisa assim. Ah! Ali estava chave, atrás de uma fola de plátano roxa que inexplicavelmente se encontrava por meio dos papéis. Adevogado estranhou, mas não pestanejou demais. O tempo corria, e ele tinha muito o que fazer.

Adentrou a sala, fechando a porta por trás de si. Foi saudado por uma imensa miscelânea de estranhas bolhas verdes que pairavam no ar da sala. "Como o dia está difícil hoje," lamentou em voz alta o pobre Devogado. Afastou rudemente de seus ouvidos as freiras esvoaçãntes que cantavam uma ária em dó maior sustenido bemol da Silva, e se dirigiu para a cozinha. A secretária lá estava, fazendo café, e saudou veementemente o Adevogado em húngaro. Ele respondeu com um breve aceno de cabeça. O dia, que começara tão bem, estava se tornando cada vez mais incômodo. Apanhou sua caneca, que se tornara misteriosamente gelatinosa e um tanto quanto translúcida, e encheu de café. Estranhou o tom magenta do café, mas não perguntou nada À Secretária, uma vez que não entendia bem o húngaro. Tomou um gole generoso da infusão, mas sentiu gosto de provolone à provençal, se é que tal variedade de queijo sequer existia. Suspirou profundamente.

Emn sua sala, as coisas não melhoraram. Suas poltronas teimavam em conversar em sumérico, e de forma desagradavelmente estridente. O telefone batia boca com aquele brinquedinho ridículo em que bolinhas de aço batiam umas contra as outras em movimentos pendulares. Adevogado começou a se impacientar. Precisava organizar a papelada, categorizar tudo aquilo, pôr tudo em ordem. Gritou com o telefone e o brinquedinho, que se calaram mas não deixaram de continuar a discussão por telepatia. Tentou abrir uma gaveta, mas ela se recusava a obedecer. Disse que não abriria nada antes de, no mínimo ele lhe pagar um jantar e um cineminha. Ele se exasperou: todos os dados estavam naquela gaveta, era preciso abrir a gaveta, ora bolas, como é que poderia trabalhar sem os dados. Mas a gaveta estava irredutível. Ele perdeu a paciência. Chamou a Secretária pelo interfone, mas não conseguiu entender nada do que ela leh disse. Maldito dia! Nada dava certo.

Naquele momento, o ventilador de teto resolveu que estava preso demais àquele ambiente, e que precisava de novidades, se deprendeu do teto e voou serenamente pela janela. Assim não dava! Era preciso tomar providências. Abriu a pequena geladeira miniatura e serviu-se de dose nervosa de uísque, mas o gosto estava intragável! Era como se tivessem substituído o tradicional aroma de suco alcóolico de papel mofado que todos os uísques carregam e tivessem substítuido por mera coca-cola. Ora! Assim não dava. Arremessou o copo contra a parede, estilhaçando-o em milhões de pedacinhos, que gritaram em uníssono lamento de mau agouro. A parede tambem gemeu. O telefone e as poltronas se escandalizaram! Adevogado acabara de cometer brutal assassínio, e precisava ser levado às autoridades competentes da justiça!

O telefone discou para a polícia, e as poltronas começaram a cercar ameaçadoramente aquele assassino. Adevogado se exasperou e avançou contra a primeira poltrona que quis dominá-lo, chutando-a bem no saco, se é que tal acessório existia em poltronas. Com efeito, a mobilia atingida em cheio tombou ao chão, e Adevogado aproveitou a brecha para obter a pistola semi-automática que trazia devidamente escondida em sua pasta. A Secretária adentrou o recinto, atraída pelo burburinho de toda aquela confusão, e Adevogad vislumbrou ali sua salvação: correu na direção dela, e a apanhou pelo pescoço, empunhando a arma em riste. Agora tinha uma refém, tudo se resolveria. "Calem-se todos vocês, ou ela leva chumbo na cabeça!"

A Secretária estava em pânico crescente, mas mesmo assim, desenvolveu instantaneamente um caso raríssimo da Síndrome de Estocolmo, e se apaixonou perdidamente pelo seu captor. Beijou apaixonadamente a boca surpreendida de Adevogado e já ia arrancando suas roupas. Ele arregalou os olhos e repeliu a mulher com força. Ela começou a chorar, se lamentando em romeno por que ele não mais a amava? Se tudo que conheciam, todas as experiências que haviam tido juntos nada mais significavam?

Adevogado estava aturdido, e ouviu o rumor sorrateiro dos agentes da polícia que entraram às pressas no recinto, empunhando salames de borgonha e pizzas calabresas. Secretária afirmou, em tcheco, que preferia um strudel e um autêntico goulash. Adevogado não quis saber de conversa, se arremessando de supetão contra à janela aberta, "Jamais me apanharão vivo!!"

Como os Adevogados não voam - mesmo um tão intoxicado por tantas drogas em seu sanduíche implementadas na noite anterior pelo funcionário da loja de produtos Naturais e Curiosamente Caros, que havia por bem lhe agraciado de tal maneira, depois de ter sido rudemente maltratado por tal agente da lei, da moral e dos bons costumes - ele simplesmente caiu em queda livre em direção ao solo, se esborrachando de maneira grotesca por cima do asfalto, que lamentou o ocorrido com o poste de luz. E assim acaba a história excitante de Adevogado, este fedaputa.