domingo, 29 de março de 2015

O suposto encontro.

Lembro-me que chovia, muito naquela noite. Lembro-me que as janelas do ônibus estavam todas embaçadas, e um frio de trincar até os ossos estava naquele ar contido dentro do veículo. 

Então era assim que o sul do país se apresentava...chava e frio. Estava eu, com minhas calças de neve, duplamente úteis, pois além de serem quentes, eram impermeáveis...e por cima, no torso, eu estava trajando umas seis camadas de roupas. Gideon, pousado em meu ombro, nada dizia, pois dragões são imunes às baixas temperaturas, altas tempreaturas também. Quem entende, os dragões?

A viagem havia sido lenta, três dias dentro de um ônibus...eu agradecia a mim mesmo por ter tido o bom senso de achar um mp3 player a pilhas. E havia trazido uma porção delas, todas chinesas, encomendadas meses antes, porém agora em meu poder. E de haver rivotril, muito rivotril entre os remédios obrigatórios. As noites eu apagava de verdade. 

Longa marcha esta, longo era o caminho. Mas acho que valeria a pena. 

Afina uma placa na estrada indicou: 100 kilômetros até o destino final. O que significava mais umas duas horas de viagem, ou coisa assim. Não saberia dizer, mas estavámos perto. Ainda assim, para meu desprazar, o ônibus parou numa dessas paradas de beira de estrada, onde os demais viajantes se empaturraram de comidas. Eu quis somente um café. Fui até lá fora e acendi meu paioso. Alguns passnates me viram e riram, não sei se de minha mineirice de fumar cigarros de palha, ou se do restante - minha compleição neo-nazi com bigodes  sec XVII. Fodam-se vocês, e continuei a fumar e beber o café - se é que AQUILO poderia ser chamado de café. Horrendo. Mas era o que tinha.

Depois, entrei e olhei tentadoramente aos quitutes de queijo. Todos fatais para mim. Pedi um espetinho de frango, mais uma coca em lata. E pronto, estava saciado. Reabastecido. Gid comeu alguns nacos de meu espeto e estava de boa também. Prossigamos, por favor. A troca de motoristas foi demorada, e eles checaram todo o veículo. Meia hora depois, partimos. E eu já sentia um aperto no coração, uma certa taquicardia.

Sempre é assim quando vou me encontrar com alguém que não conheço...ao menos, não ao vivo. Pois por anos a fio - desde 2009 - trocávamos emails longos, acerca de nossas sofridas vidas...Afinal, avistei sinais de civilização. Prédios, não tão grandes, mas muitos, e por todos os lados. Então esta era a "Seattle" brasileira. E fazia jus a seu nome, pois chovia e chovia à cântaros, e o frio estava de amargar, mesmo eu estando todo aquecido, os pés se enregelavam, não imporantando-se com as camadas de meias de lã que eu trajava.

Chegamos à rodoviária. Ponto final. Todos descemos, e eu estava com o coração batendo a mil por hora. E agora? Estaria ela lá? Estaria a Loba a me esperar?...

Eu não sabia. Ela havia desaparecido de todas as redes sociais. Eu tinha seu endereço, pois anos antes, havia enviado-lhe um livro de presente...Eu havia deixado recado em todas as redes que ela havia desaparecido, mas me sentia um intruso. Como asim, aparecer do nada. E ofegava. Precisaria de um táxi.

Foi quando, ao longe, eu a vi.

Estávamos um tanto distantes um do outro, mas eu sabia que era ela.

Meu coração parecia que iria estourar. dei um passo à frente, timidamente, e ela também o fez. E quando dei por mim, estava deitando fora, malas e petrechos, correndo mesmo, em sua direção, e ela também. 

Paramos um diante do outro. Nunca havíamos nos visto, não desta maneira. 

Ela rompeu o silêncio..."Você é doido."

"Eu sei...mas precisava lhe ver."

E ela já começou a rir, e chorar, ao mesmo tempo. 

Abraçamo-nos. E eu dei-lhe o meu abraço registrado mesmo, apertado, abraço de urso.

Ela suspirava e tentava fazer o mesmo. Me apertar todo.

"Olá minha Nymeria. É bom demais da conta te conhecer, afinal"

Ela muito riu. Eu havia posto a interjeição mineira de propósito."Olá meu Noiado favorito..."

"Não mais." - "Eu sei, mas precisava de lhe chamar de algo, algo familiar." Enqunato isso, Gid voava feito doido ao nosso lado, até pousar no meu ombro, crescer um tanto, e participar também, do abraço...

Olhamos um para o outro, e eu disse, "Oi. Eu sou Marcos, o Buriol" e ela, "E eu sou Jackeline, a Loba." 

Aperteia de novo em meus braços...como era bom ter alguém assim, que me apreciasse de verdade, nos braços. "Hunnf...assim você me esmaga." - "É que eu quero abraçá-la, e amála e apertar-lhe até que você morra..." eu disse, imitando a Felícia do desenho Tiny toons. Ela riu de novo. 

"Você me abandonou...o farol se apagou."

"Desculpe...eu não sabia mais o que lhe dizer."

E rimos, de nossos sotaques. 

"Você é mineiro 'da gema' mesmo!" - " E eu, bem, não sei dizer, mas vejo que o sotaque de vocês é indescritível mesmo."

Nos desgarramos e ficamos ali, a olhar um pro outro. "Vamos? Eu chamo um táxi." - "E eu pago." - "Combinado."

Catei minhas malas e coisinhas, e fomos, a andar lentamente para o terminal, dizendo bobagens um pro outro , e cada vez mais rindo dos sotaques tão diversos, tão diversos quanto é o Brasil.

Valeu a pena a viagem, afinal.

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Dedicado à Loba, Nymeria, que reside na tal Seattle brasileira. E que sumiu feito naftalina no ar...