quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

801.

O que
sou eu
Acordo, durmo,
estranhos horarios
estranha pessoa estranho prazer
de me ver, morrer
dia a dia
cada vez mais
cada vez menos
mais um dia
dia a menos
neste mundo - cruel mundo imundo -
que estou,
que sou,
sem ser
nada.
quem eu era
se acabou
se esvaiu
quem eu era
já fui,
já foi,
um dia,
humano
demasiado humano,
demasiado estranho,
hoje
acordo a esta hora,
acordo agora,
e sei, 
que nada sei 
além do que 
isto
não é normal,
não é natural,
talvez um urro gutural,
murro virtual,
não posso mais,
saio,
saio de casa
caio nas ruas
2:30
para onde ir,
além do trabalho,
levando nada,
além de mim,
além de minha
loucura,
dirão
"sair de casa
a este horário!"
Exclamarão.
Eu sei
bem sei
os riscos 
da madrugada,
tais quais
os riscos
da alvorada
ruas silentes
mas nada mortas
estranhas figuras
aqui e ali,
se movem,
se morrem,
serei eu,
um a mais?
Sim, sou:
figuraha estranha,
botas, bermuda, fones
guarda-chuva
guarda-chuvas,
um esconde
meu negro
soco inglês,
se tiver
que tombar,
não tombarei sozinho,
caminho,
caminho
caminho,
escuros caminhos,
cristal a brilhar
na madrugada
em casa, me tornei
ninguém,
na rua continuo a ser
ninguém
bem como no trabalho
continuarei a ser
ninguém,
ainda mais no prédio
vazio,
porteiro a dormir,
"Que fazes tu
aqui a esta hora?"
Não sei.
Não saberei,
pois  a morte
não veio,
ainda que a 
chamasse, 
a conclamasse
por todo o caminho,
não veio.
Cheguei, e agora escrevo
linhas
que ninguém lerá
como as escrevo,
ninguém lerá
como se concebem
nesta cabeça errante,
andante,
a trotar, trafegar
peos caminhos
que levassem-me
ao norte,
à morte.
que enfim não veio.
as botas tiro,
visto o uniforme,
aguardo, tic-toc,
o horário de 
ponto bater,
soar,
clamar
a todos que cá 
ainda não estão,
para mais um dia,
menos um dia,
de trabalho, trabalho
trabalho,
para quem?
para que?
para  ganharmos
o pão, que cá mesmo
comeremos,
ou lá no centro,
venderemos.
Pois o trabalho é muito,
o dinheiro é pouco,
e sem dinheiro,
que somos?
Quem somos?
Nada
menos que nada
indigentes,
prostitutas,
prostitutos,
mil olhos a nos ver
e não nos enxergar
invisíveis monstros
a devorar
as latas de lixo,
o  lixo de uns
é o luxo de outros,
e o que hoje cá está,
pode não estar amanhã.
Eu, que dizem-me
ser assim e assado,
bonito e charmoso
(só se for para  porcos)
quando alguém consigo atrair
dali a escorraçam,
dali a maldizem,
dali ela se vai,
eu fico.
E cada dia é mais menos,
menos um dia,
mais um cigarro,
mais uma pílula,
não consigo dormir.
Então, desperto,
vil e desfeito,
para o resto da família,
dali me vou,
mas sei que voltarei,
pois não tenho dinheiro,
não tenho posses,
não tenho nem mais alegria,
que a ela só interessava isto:
a alegria.
E quando quedo-me
no abismo da melancolia,
nos debatemos
até que eu ceda,
finja estar tudo bem,
quando não está.
ao menos nem descendentes
terei, pois eis
que o consumo de
fármacos anti- loucura,
me tornaram estéril,
me tornaram inútil,
erro de Darwin
para a evolução
humana.
Não posso chorar.  
Não! Posso! Chorar!
serei abandonado,
e por mais que digam
que sou isto e aquilo,
nem em um prostíbulo
poderia agir,
pois não tenho
porra nenhuma.
E, cedo ou tarde,
percebemos
como a distância
que nos uniu,
nos distancia
cada vez mais e 
mais, mais e mais,
pois ainda resido
no local onde não
sou nada e
tudo ao mesmo tempo,
sou eu, e não sou,
sou alguém a ocupar
um futuro jazigo,
e ninguém a ofertar
aos outros da casa
nada além de 
nada.
Sou pálido,
barrigudo,
quarentão.
Sem ninguém
ao meu lado e
sem carro,
dinheiro,
posses.
Não possuo 
nada além de
coisas que para
mim nada mais servem,
Já não toco mais,
já não rabisco mais, ó
900 miligramas de carbolitio 
dos infernos.
Por um mês pensei ter
achado alguém 
como eu, que não se interessa
pelo mundo exterior,
mas errado estava eu,
e muito caro isto me custou,
pois agoro ainda choro,
ainda bato e esmurro
a mim mesmo,
em minha imaginação, pois não posso ser triste!
Não!
A vida tem que ser só alegria!!!
A-L-E-G-R-I-A.
Tenho alergia a alegria, parece.
pois a letargia que sinto
de ver os outros na rua
parece-me sempre
refletir-me
o fracasso
que sou.
E sim, há gentes piores,
com malefícios piores,
sem nenhuma posse,
mas também, 
sem nenhuma amarra,
nenhuma necessidade
de ser humano,
de precisar 
de alguém.
Eu mesmo já tentei sê-lo,
não consigo mais,
então, estranho,
barrigudo, quarentão,
pobre e sem porra nenhuma,
tento ser - fingir - ser alegre.
tenho que, como sempre,
fingir ser
o que
não
sou.